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Diário do Nordeste

Escândalos prejudicam a imagem do País (1 notícias)

Publicado em 21 de agosto de 2005

Por Iracema Sales - editoria de reportagem
Carlos Vogt — Presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa de São Paulo

Os escândalos de corrupção política no Brasil, a exemplo do "mensalão", podem ultrapassar as fronteiras e prejudicar a imagem que o País tem lá fora. Conforme o lingüista Carlos Vogt, 62 anos, professor da Universidade de Campinas (Unicamp) e presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), esses episódios não prejudicam "propriamente o desenvolvimento científico-tecnológico, mas a imagem do País". Defendendo uma reforma política urgente, para Vogt, fatos dessa natureza repercutem sempre mal. Por isso, propõe que sejam tomadas todas as medidas para esclarecer as denúncias de corrupção, a fim de que a atual crise política não desestimule a população, mas sirva para depurar e fortalecer a democracia. Ensaísta e poeta, Carlos Vogt, é um exemplo de que o "casamento" entre as ciências exatas e humanas está cada vez mais sólido, reconhece as profundas contradições existentes na sociedade brasileira, que chega a formar uma "dívida" entre as próprias regiões. Acha que está na hora de o País levar os resultados "dessa grande revolução conservadora que vem se realizando no Brasil desde os anos 50 à população".

Diário do Nordeste - O senhor acha que esses escândalos do governo, a exemplo do "mensalão", podem prejudicar a imagem da ciência brasileira lá fora?
Carlos Vogt - Prejudicar, propriamente o desenvolvimento científico-tecnológico não prejudica. A imagem do País, isso prejudica. Acho que repercute sempre mal, na medida em que isso, na verdade, ao invés de trazer à luz os aspectos positivos daquilo que se faz no Brasil, expõe essa situação em que pessoas de caráter pouco duvidoso, aproveitadores e oportunistas, lançam mão do dinheiro público para utilização espúria daquilo que, na verdade, poderia estar sendo usado para as políticas sociais, econômicas, e, inclusive, políticas de desenvolvimento científico e tecnológico.

— E como fica o povo nessa história, vivendo uma ressaca, depois da euforia de ter eleito um "presidente-operário"?
Carlos Vogt- Todas as vezes que você tem esses movimentos sociais, onde há expressão de uma grande esperança, como resultado das ações políticas da população, caso de eleição, por exemplo, e depois você tem um movimento de frustração dessas expectativas, é claro que isso gera um certo desânimo, uma certa frustração, porque dizem respeito a essas esperanças que foram depositadas e que se acionaram forças dessa movimentação. Acho que, no caso presente, considero que haja, por parte da população, uma certa descrença. Por isso é que é fundamental e urgente que todas as medidas sejam tomadas para que, mais do que tudo, a questão da instituição democracia não se prejudique nesse processo. Ao contrário, que a crise seja um processo também de depuração da própria instituição democracia no País. Isso não pode resultar numa descrença que acabe levando a população a pensar que isto é fruto da instituição, mas da necessidade de depuração e aperfeiçoamento da democracia.

— Em termos de investimento, quanto o governo brasileiro gasta do PIB em pesquisa e quais as principais áreas de interesse?
Carlos Vogt - O País investe, hoje, cerca de 5% do PIB em ciência e tecnologia. Mas a tendência é para que esses investimentos cresçam para algo em torno de pelo menos 2% do PIB, nos próximos anos. E, para que esse crescimento se dê, é preciso que não só o governo invista, mas crie políticas públicas como são os fundos setoriais, por exemplo, mas que também as empresas efetivamente participem desse esforço.

— E o empresariado brasileiro já está consciente dessa sua participação?
Carlos Vogt- Acho que está. E o que busca são formas de participação e o desenvolvimento de condições para que esses investimentos que são chamados de investimentos de risco se façam de maneira mais sistemática. Penso que há, digamos assim, indicadores de uma tendência, nesse sentido não só de aumento da parcela do PIB que é investido, como também de multiplicação dos atores que participam do processo.

— Como o Brasil se localiza em termos de produção científica na América Latina?
Carlos Vogt- O Brasil na América Latina é líder por várias razões, primeiro pela eficiência do sistema de ciência e tecnologia que montou, pela eficiência do sistema de pós-graduação, beneficência do sistema de fomento que está constituído, através das agências federais e regionais. Penso que aí, o Brasil tem o papel primordial de liderança e funciona como um paradigma na América Latina efetivamente.

— Hoje, se fala muito de que o Brasil possui um bom nível de pesquisa, sobretudo em áreas consideradas de ponta, como células-tronco, projeto genoma, mas ainda existem muitas pessoas morrendo no País devido à falta de água potável. Como o senhor analisa esses dois paradoxos?
Carlos Vogt- Acho que o Brasil é de fato um País com profundas contradições. O sistema de ciência e tecnologia do qual estamos falando se desenvolveu muito e promoveu grandes revoluções, mas revoluções conservadoras. São revoluções que se fazem na ponta do sistema social, que não chegam a ter impacto imediato sobre a sociedade como um todo. Os impactos dessas grandes mudanças, começam a ser sentidos agora. Acho que um dos grandes desafios para a sociedade brasileira é levar a participação dos benefícios dessa grande revolução conservadora que vem se realizando no Brasil desde os anos 50.

— O governo teria mecanismos para um melhor controle e não deixar que recursos fossem parar em paraísos fiscais e serem investidos na pesquisa, sobretudo naquela que pode ser revertida em resultados imediatos, como a cura de doenças tropicais?
Carlos Vogt- Penso que o primeiro passo seria o desenvolvimento da cultura da responsabilidade social, do respeito ao cidadão e processos de refinamento, de depuração desses procedimentos e comportamentos políticos. Acho que o Brasil precisa de uma reforma política urgente, inclusive a respeito da organização dos partidos, das filiações, das representações regionais. É fundamental que o País tenha de fato atitudes positivas e extremamente severas no que diz respeito às questões de evasão, de corrupção, e assim por diante. Nada disso pode passar em branco porque não passando em branco isso entra no processo de depuração que é fundamental. Do ponto de vista das políticas de ciência e tecnologia, o País está numa tendência muito positiva.

— Como os países ricos poderiam ajudar a melhorar o nível da pesquisa nos países pobres? O senhor concorda que eles têm uma dívida com os países pobres?
Carlos Vogt- Penso que, de um modo geral, o desenvolvimento do capitalismo foi constituindo dívidas sociais muito grandes nas relações tanto internacionais, isto é, de países com outros países mais desenvolvidos, como internamente também. Quer dizer, o Brasil é um país que internamente tem dívidas sociais muito grandes por conta do seu desenvolvimento. Por isso é preciso que haja políticas afirmativas desde as políticas públicas compensatórias até as de desenvolvimento econômico-social. Emprego e renda são fundamentais para que essas questões se resolvam.

— Como o senhor analisa essa questão das patentes?
Carlos Vogt- É uma questão delicada porque é fundamental que o País leve em conta a necessidade de estar participando, digamos, desse concerto internacional para que ele possa jogar de forma forte as suas posições, defendê-las e trabalhar com elas, mas ao mesmo tempo, ser dele excluído por medidas muito radicais no que diz respeito a essa questão. Isso tudo gera a necessidade do País se instrumentalizar, desenvolver conhecimento do ponto de vista dessa questão do licenciamento de patentes.

— Quais são as áreas em que o Brasil mais se destaca na ciência?
Carlos Vogt- Uma delas é o agronegócio e isso se deve a investimentos associados, a uma política de desenvolvimento muito séria e, para dar apenas um exemplo, a Embrapa [Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária] sempre teve um papel muito importante. Existem outras áreas nas quais o Brasil tem domínio de ponta como é o caso da exploração de petróleo em águas profundas, cujo trabalho vem sendo desenvolvido pela Petrobras, no setor aéreo-espacial, o Brasil tem um destaque muito grande, tendo como exemplo a Embraer. Enfim, há uma série de nichos onde o Brasil tem desempenho de ponta e domínio muito grande.

— Hoje, fala-se muito na mudança de paradigmas da ciência e, até num certo "casamento" entre as diversas áreas do conhecimento. Como isso está acontecendo na prática?
Carlos Vogt- Isso é fundamental. A tendência do processo de produção do conhecimento é cada vez mais na linha da multidisciplinaridade. Os domínios compartimentados, estanques, tendem a ser cada vez mais transgredidos, ultrapassados. Há também uma tendência muito grande em que domínios que pareciam extremamente separados, não comunicáveis, encontrem pontos de comunicação importantes, entre eles, os das ciências humanas, e os das ciências exatas. Acredito muito que arte e as ciências humanas e exatas se comunicam e falam de maneira extremamente integrada.

— O Brasil continua perdendo cérebros para os países Desenvolvidos?
Carlos Vogt - Acho que o Brasil, mais do que perder cérebros, contribui de uma maneira muito positiva para a constituição, a formação e a produção de conhecimento no mundo. O que penso é que deveríamos ter políticas capazes para dar condições de atrair e fixar no Brasil, não só as competências que formamos como as que vêm de fora. É importante a manutenção desses laços porque o conhecimento não tem fronteiras. O que seria é que ao invés de exportarmos competência, devemos atrair e também importar competências.