O genoma humano demorou 14 anos, de 1989 a 2003, para ser completamente sequenciado. O governo norte-americano investiu R$ 4,7 bilhões (US$ 3 bilhões) na Celera Genomics, do biólogo Craig Venter (o mesmo que conseguiu criar vida do zero no ano passado) para que o projeto andasse mais rápido, interligando os principais laboratórios dos Estados Unidos, Inglaterra, França, Alemanha, Japão, China e Índia.
O resultado final, ponto de partida para o que se chamou ansiosamente de "revolução genômica", foi divulgado há dez anos. Para chegar até ele, os cientistas precisaram de um galpão apinhado de máquinas sequenciadoras caríssimas, até então inacessíveis para qualquer pesquisador do mundo que não eles.
Desde então, muito tem se falado sobre como a medicina irá se tornar cada vez mais personalizada, prevenindo doenças e produzindo remédios específicos com base na genética de cada um. A mudança não aconteceu na intensidade que se imaginou e ainda é distante para a maioria das pessoas, mas a área já tem gerado transformações notáveis em setores como o tratamento do câncer (identificação de padrões de doenças e mutações mais comuns), agricultura (aprimoramento de espécies e adaptação em ambientes hostis), criação de gado (melhoramento de raças e combate a predadores) e, principalmente, na tecnologia.
Basta pensar que o mesmo trabalho realizado pelo Projeto Genoma Humano, o sequenciamento completo do DNA de uma pessoa, hoje demora cerca de um mês e custa ínfimos R$ 7.800 (US$ 5.000). A fila interminável de máquinas do tamanho das de lavar foi substituída por equipamentos de nova geração como a Personal Genoma Machina, da Ion Torrent, que mais parece um scanner ou uma impressora.
O aparelho começou a ser comercializado pela Life Technologies no Brasil nesta semana pelo preço de R$ 110 mil (US$ 70 mil), o mais barato do mercado, um décimo do que custam os seus principais concorrentes. Ela funciona com um chip de silício produzido nas mesmas fábricas do Xbox.
Medindo 1 x 1 cm, ele é mais poderoso que a sala inteira de Venter e seus colegas, completando uma rodada de sequenciamento de DNA em duas horas. O CEO da Life Technologies na América Latina, o italiano Gianluca Pettiti, diz que "você pode deixar uma amostra sendo analisada e sair para almoçar".
– Quando você voltar, tudo estará pronto. Conseguimos tanta rapidez e barateamento porque nos ligamos com a indústria de chips, que produz semicondutores muito baratos. A nossa tecnologia anda na mesma velocidade que progridem os computadores.
A tecnologia é diferente das máquinas anteriores e foi inventada pelo biotecnólogo norte-americano Jonathan Rothberg. O empresário já fundou quatro companhias de genética. A atual, a Ion Torrent, lançou a Personal Genome Machine (PGM) em dezembro do ano passado, apenas três anos depois que o cientista a concebeu. A reação foi imediata.
A gigante LifeTechnology, que fatura em média R$ 4,7 bilhões (US$ 3 bilhões) anuais, comprou a ideia por R$ 590 milhões (US$ 375 milhões) e levou a startup de brinde. E isso tudo aconteceu com a ideia do equipamento ainda no esboço. Fã de Steve Jobs, Rothberg quer fazer com a PGM o mesmo que o seu ídolo fez com o Apple 2, que levou o computador pessoal para as massas.
Embora não se destine ao público em geral, a plataforma poderá expandir o uso do sequenciamento do DNA para universidades menores, hospitais e consultórios médicos, ajudando a fazer que a análise genética se torne comum, diz Rothberg.
– A câmera digital abriu a fotografia a todos porque é rápida, fácil e acessível - os usuários se tornaram melhores fotógrafos por causa dela. É exatamente isso que estamos fazendo pela genética. Em cinco anos, será normal que toda pessoa sequencie o próprio genoma. Com isso, as mutações de um tumor podem ser analisadas para que se decida qual o melhor tratamento para um certo paciente. Crianças podem receber um tratamento preventivo adequado. Não tenho dúvida que logo essa tecnologia vai impactar a vida de todos.
O inventor está oferecendo prêmios de R$ 1,6 milhão (US$ 1 milhão) a qualquer pessoa que consiga aprimorar o desempenho da PGM. O problema é que o potencial da genética ainda não foi totalmente desenvolvido e, no Brasil, máquinas assim são usadas principalmente em testes corriqueiros como o de paternidade ou na identificação de suspeitos.
O biotécnologo Artur Luiz Silva, da Universidade Federal do Pará, o primeiro a adquirir a PGM por aqui, diz que "a tecnologia está andando muito mais depressa do que a sociedade está preparada para receber".
– Não adianta produzir milhões de dados se você não tem computadores avançados e gente capacitada para analisá-los. Já estivemos entre os quinze principais países na pesquisa em genoma, mas nos últimos anos estacionamos.
Ele usará a máquina para investigar porque certas doenças têm mais ocorrências no Norte, como o câncer gástrico. O estudo é feito pela Rede Paraense de Genoma, patrocinada pela Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária). Junto da Fapesp (Fundo [Fundação] de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), o órgão é responsável por quase todos os (poucos) recursos públicos brasileiros que escoam para a área.