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Enzima do abacaxi pode ser um caminho para controlar a dor (37 notícias)

Publicado em 18 de junho de 2019

Os efeitos analgésicos do abacaxi, especialmente por causa da bromelina, são conhecidos há séculos pelos indígenas nas Américas. Alguns relatos apontam que a fruta era usada para a redução da dor e na cicatrização de ferimentos. A enzima também tem atividade anti-inflamatória

Enzima encontrada no abacaxi e bem conhecida pela indústria farmacêutica, a bromelina acaba de ter seu mecanismo de ação analgésica desvendado por pesquisadores da Escola Paulista de Medicina, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). O estudo contou com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), por meio de um Projeto Temático.

De acordo com publicação da Agência Fapesp, os cientistas descobriram que a bromelina é responsável pela liberação de encefalina – considerada uma morfina endógena – a partir de sua proteína precursora, a proencefalina, que também é encontrada na parede do intestino delgado. No encéfalo, a liberação de encefalina a partir da proencefalina é bem conhecida pela ciência.

Ela ocorre pela ação de proteases específicas – enzimas que quebram proteínas e peptídeos – presentes no tecido cerebral e é uma rota importante para o controle da dor. A encefalina age em receptores opioides, como a morfina ou a encefalina.

Os efeitos analgésicos do abacaxi são conhecidos, há séculos, pelos indígenas nas Américas. Alguns relatos apontam que exemplares da fruta eram usadas para a redução de dor e na cicatrização de ferimentos. Ele foram levados para a Europa pelos primeiros navegadores europeus, que chegaram ao continente americano.

Séculos depois, verificou-se que a bromelina agia não apenas contra a dor, mas também tinha atividade anti-inflamatória e atuava na quebra de proteínas. Isso permitiu o desenvolvimento de diversos produtos a partir do abacaxi pelas indústrias farmacêutica e alimentícia, para fins digestivos, analgésicos, cicatrizantes ou para amaciar carnes. Leia mais em http://agencia.fapesp.br/28129/.

A despeito do sucesso comercial, pouco se sabia sobre a relação dos efeitos analgésicos do abacaxi com seu papel na interface do intestino. As investigações feitas em camundongos pela equipe da Unifesp mostraram que a bromelina age na mucosa do intestino delgado liberando encefalina, que é absorvida e promove ação analgésica.

“A encefalina gerada no intestino atua principalmente na periferia do organismo, onde pode ter propriedades anti-inflamatórias”, disse Juliano.

Mistérios da bromelina

Para o médico Luiz Juliano Neto, professor titular aposentado da Unifesp e um dos autores do artigo com resultados da pesquisa publicado na revista Peptides, a ação da bromelina era um mistério.

“É uma questão que nos intrigava: como alguém que ingeria bromelina apresentava resposta analgésica? Sabe-se que essa enzima não pode entrar na circulação sanguínea, uma vez que isso provocaria um choque hipotensor violento, levando o indivíduo à morte [por isso não há administração intravenosa da bromelina para fins terapêuticos]. O efeito, portanto, teria que ocorrer por outro mecanismo, restrito à superfície do intestino”, informa o médico.

Também doutor em Ciências Biológicas, Juliano conta que há quase cinco anos foi descoberto que a proencefalina está presente em outros locais além do cérebro, entre eles o intestino. “Juntamos uma informação à outra e comprovamos com estudos in vivo a participação do conteúdo intestinal no controle da dor”, diz o professor à Agência Fapesp.

Os pesquisadores da Unifesp verificaram, a partir de testes feitos em camundongos, que, ao ingerir a bromelina – encontrada na polpa, mas principalmente no talo do abacaxi –, a enzima libera encefalina, digerindo a proencefalina presente também na parede do intestino delgado. Dessa forma, a encefalina gerada no processo entra na corrente sanguínea e desempenha ação analgésica periférica.

A descoberta abre perspectivas para o estudo da interação entre o conteúdo enzimático do bolo alimentar (e da microflora intestinal) com a parede do intestino na liberação de substâncias bioativas.

De acordo com o artigo publicado na revista Peptides, a administração oral de bromelina em camundongos reduziu os níveis de proencefalina em um segmento do intestino delgado (chamado de jejuno) e aumentou os níveis de encefalina circulante.

Foi observada também redução na capacidade dos animais em sentir dor, com o efeito máximo detectado três horas, após a administração oral de bromelina (extraída do talo do abacaxi) na dose de três miligramas por quilo.

“O curioso foi observar que há um limite. O efeito permanece até certa dose de bromelina e, depois, conforme a dose é aumentada, começa a diminuir até não ser mais possível identificar ação analgésica. Isso ocorre por causa da hidrólise da encefalina, provavelmente no caso de bromelinas comerciais, que não são puras e contêm outras proteases”, diz Juliano.

Talo da fruta

A bromelina do talo do abacaxi (parte mais dura localizada no centro da fruta e é envolvida pela polpa) tem alta preferência para quebrar proteínas localizadas logo após sequências de pares de aminoácidos básicos arginina (R) e lisina (K). Foto: Divulgação

Para entender melhor essa relação, é preciso compreender como a bromelina decompõe a proencefalina. Essa enzima do talo do abacaxi (ou miolo, parte mais dura localizada no centro da fruta e que é envolvida pela polpa) tem alta preferência para quebrar proteínas localizadas logo após sequências de pares de aminoácidos básicos arginina (R) e lisina (K).

Por outro lado, a proencefalina contém cinco sequências de encefalina flanqueadas por pares desses aminoácidos. Após a hidrólise dos aminoácidos, a encefalina é liberada, o que foi confirmado a partir da síntese química de fragmentos da proencefalina tratados com bromelina.

De acordo com o professor, a preferência da bromelina pelos aminoácidos arginina e lisina, observada inicialmente em estudo de 1999, tem semelhanças com o mecanismo de ação da protease PC2, a principal enzima (convertase) que cliva proencefalina para gerar as encefalinas no cérebro. Essas observações também tiveram a participação do grupo da Unifesp.

“Essa preferência da bromelina pela arginina e pela lisina faz com que ela funcione à semelhança das enzimas específicas no cérebro que geram a encefalina. Nossos estudos mostram que os efeitos de bromelina e morfina são semelhantes. O que não é de se estranhar, pois a morfina age nos mesmos receptores da encefalina. Porém, o neurotransmissor analgésico é produzido de forma endógena no nosso organismo”, ressalta Juliano.

Segundo o pesquisador, a bromelina pode ainda ser uma ferramenta útil para ampliar o entendimento entre a conexão intestino-cérebro: “Este trabalho não só explica o mecanismo de ação da bromelina como também nos instiga a examinar a interação do conteúdo intestinal com a parede do intestino, particularmente os elementos enzimáticos. Além dos alimentos, devemos atentar também para a microbiota e seus produtos, que seguramente geram enzimas proteolíticas. Essas podem resultar em respostas fisiológicas de alta relevância, tal como dor e inflamação, e também respostas imunológicas”.

Fonte: Agência Fapesp