A enzima foi identificada a partir do material genético de bactérias encontradas em resíduos de biomassa coletados no Brasil. Seu mecanismo singular de ação, que inclui a capacidade de gerar seu próprio co-substrato, a torna uma ferramenta eficiente para a conversão de biomassa vegetal. “Essa descoberta muda o paradigma da degradação da celulose na natureza e tem o potencial de revolucionar as biorrefinarias”, afirma Mario Murakami, pesquisador do CNPEM e líder do estudo. “Com a CelOCE, podemos vislumbrar novas rotas para a produção de bioenergia, bioquímicos e biomateriais a partir de biomassa vegetal, contribuindo para uma economia de base biológica, baixo carbono e circular.”
A CelOCE aumenta a eficiência na transformação de biomassa em glicose, matéria-prima essencial para a produção de bioenergia. Testes em condições industriais mostraram que, quando usada junto a enzimas já empregadas na indústria, a CelOCE aumentou em até 21% a quantidade de glicose liberada a partir de resíduos vegetais. Isso resulta em maior produtividade e menor desperdício no processo industrial.
De acordo com a ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis), o Brasil produziu 43 bilhões de litros de etanol em 2023. Com a aplicação da CelOCE, essa produção poderia crescer, utilizando resíduos agroindustriais como bagaço de cana, palha de milho e madeira, sem a necessidade de expandir as áreas de plantio. No entanto, o aumento exato na produção depende da quantidade de resíduos utilizada no processo.
A pesquisa foi possível graças à integração de técnicas avançadas no CNPEM, como cristalografia por raios-X no Sirius, o acelerador de partículas brasileiro, e engenharia genética com CRISPR-Cas9. “Este trabalho exemplifica o potencial aberto pela integração e sinergia entre as diferentes competências científicas do CNPEM”, afirma Antonio José Roque da Silva, Diretor-Geral do centro.
A descoberta da CelOCE tem um impacto biotecnológico comparável à revolução trazida pela química oxidativa na desconstrução de biomassa vegetal há mais de 20 anos. Além de desafiar o entendimento atual sobre a degradação da celulose, ela pode contribuir para a transição de uma economia baseada em petróleo para uma economia biológica, promovendo o uso de matérias-primas renováveis e gerando soluções energéticas mais limpas. Com uma estrutura minimalista de apenas 115 aminoácidos, a enzima também pode levar ao desenvolvimento de novas enzimas sintéticas com possíveis aplicações em áreas como o reaproveitamento de resíduos plásticos.
“Já depositamos a patente e estamos em processo de licenciamento para viabilizar a produção local, o que ampliará a competitividade e eficiência das biorrefinarias no Brasil”, disse Murakami. O uso industrial da enzima deve começar entre um e quatro anos após o licenciamento, dependendo da tecnologia aplicada em seu desenvolvimento.