O secretário de Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico do Estado de São Paulo fala de um desafio que deve recrudescer na virada do ano 2000: colocar as instituições de pesquisa a serviço dos setores produtivos
O movimento surgido no início dos anos 90, de abrir a até então fechada economia brasileira, está chegando às universidades e institutos de pesquisa. Em São Paulo, pode-se dizer que a ordem é "abrir o capital do conhecimento" dessas instituições ao setor produtivo, oferecer cada vez mais serviços à iniciativa privada e assim potencializar a transferência de tecnologia para setores capazes de competir no mercado globalizado. Empossado em fevereiro último na Secretaria de Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico do Estado de São Paulo, o economista José Aníbal Peres de Pontes vê nessa sinergia as melhores chances de o Brasil elevar a competitividade de seus produtos e dobrar as exportações. A secretaria destinará este ano R$ 2,5 bilhões às três universidades e institutos ligados a ela e à Fapesp, a agência paulista de fomento à pesquisa. Além do custeio, esses recursos serão empregados na preparação das bases dessa política, explicitada em diversos projetos que constam da proposta de Lei de Diretrizes Orçamentárias do governo paulista. "Os recursos existem, seja no setor privado ou público. Partimos desse princípio. A questão é ter projetos merecedores de receber investimentos", desafia o secretário José Aníbal, ex-líder do PSDB na Câmara dos Deputados e aliado histórico do presidente Fernando Henrique Cardoso e do governador de São Paulo, Mário Covas.
Recentemente, o senhor declarou que "o Brasil é o único país emergente em condições de produzir tecnologia. Os demais estão em situação apenas de incorporar". Como o senhor vê a produção de tecnologia, por parte do Brasil, em um mundo globalizado?
Acho de fato que o Brasil é um dos países emergentes, se não o único, em condições de produzir tecnologia para ser incorporada a produtos. Vale dizer o seguinte: o Brasil é um país capaz de desenvolver produtos. Hoje, você tem um círculo. É preciso ser competitivo interna e externamente. Em um mercado globalizado, mesmo que você se esconda, o seu concorrente vai encontrá-lo. Para ser competitivo, é preciso ter produto e incorporar tecnologia a ele.
Mas os países industrializados têm, por parte do governo, um investimento substancial em tecnologia...
Investimento em parceria. São Paulo também tem. Este ano vamos alocar R$ 2,5 bilhões nas três universidades estaduais (USP, Unicamp e Unesp), no IPT, no Centro Paula Souza e na Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo). Aqui temos universidades com muita competência para definir acordos com empresas. Existem vários programas assim em curso e vamos ampliá-los.
Temos na Fapesp vários programas também dirigidos à pesquisa que será incorporada ao produto. Aliás, é condição de financiamento que o pesquisador esteja vinculado a uma empresa.
Os R$ 2,5 bilhões a que o senhor se refere envolvem então iniciativa privada e governo?
Não, esses recursos são apenas do governo do Estado de São Paulo. São R$ 2 bilhões para as universidades e R$ 500 milhões para IPT, Centro Paula Souza e Fapesp. Uma massa de recursos formidável que, se aperfeiçoarmos os mecanismos através dos quais esses recursos são alocados para pesquisa, desenvolvimento, ciência e tecnologia tendo em vista a produção, não tenho dúvida de que o resultado vai ser cada vez mais expressivo. O Brasil vai patentear cada vez mais nos EUA ou onde quer que seja.
Existe uma questão de fundo que está relacionada com a missão original, clássica, da universidade, a de formar o cidadão, cabendo a atividade de pesquisa aos institutos. Como fica essa divisão no modelo proposto?
As universidades têm realmente essa responsabilidade de formação básica, mas como elas estão se tornando cada vez mais centros de excelência - pela qualificação dos profissionais, dos educadores -, elas vão abrindo sucessivas janelas para definir parcerias com o setor privado, o que estimula as pesquisas. A grande empresa já faz isso naturalmente: ela busca a USP, a Unicamp, a Unesp, para definir parcerias, cooperação no desenvolvimento de determinados produtos. O que queremos agora é ampliar isso para pequenas e médias empresas, pois no fundo são elas que criam uma capilaridade no comércio internacional. Logicamente, as universidades têm um corpo docente grande porque formam dezenas de milhares de pessoas por ano, enquanto os institutos têm uma ação mais dirigida, não do ponto de vista de formação, mas do ponto de vista da pesquisa e de convênios com o setor privado.
Essa tendência de incentivar a universidade à prestação de servi-os não põe em risco os institutos?
De modo algum, ao contrário. É um estímulo para institutos e fundações. Por exemplo, o Centro Educacional Paula Souza ao ter garantido por parte do Estado o custeio básico - e até algum nível de investimento -, pode criar mais possibilidades de contratação e de investimento a partir de convênios com a iniciativa privada. Outro exemplo é o CPQD, que era ligado ao sistema Telebrás e agora é uma fundação. O CPQD já contratou diretor comercial e outros profissionais, exatamente para que possa vender serviços a outras empresas, além daquelas que estão no sistema de telecomunicações. Faz dez meses que o CPQD se tornou uma fundação e já contratou 108 profissionais. Isso ocorre devido a uma demanda existente, à qual ele está respondendo. Veja, o que pode acontecer nesse campo é uma maior especialização, pois você não pode estar bem capacitado em todas as áreas. O Brasil já teve a tentação - e até com bons resultados - de ter uma economia capaz de responder em todas as áreas. Agora se vê que, em uma economia que se globaliza, há áreas que podem se desenvolver mais e outras menos.
No caso do IPT, de quatro anos para cá também houve a substituição da verba pública por recursos provenientes de serviços a terceiros.
Eu não diria substituição. Houve uma ampliação. Os serviços que o IPT vem vendendo em escala crescente somam-se aos recursos que o instituto tem recebido do Estado. O governo do Estado não cortou. Esta é uma realidade que para todos os institutos de pesquisa. Há um mercado para os serviços que o IPT é capaz de realizar. Então, que esse mercado seja melhor explorado.
Quais seriam as áreas prioritárias do Brasil, e também de São Paulo, quanto à ciência e tecnologia?
Temos algumas cadeias produtivas em que o Brasil é forte e pode aprimorar muito seus produtos para conquistar espaço no mercado global: calçados, cerâmica, móveis, vestuário, pedras, jóias e lapidação, telecomunicações, aeronáutica - nesta área, por exemplo, temos a Embraer, uma empresa de excelência, exportadora.
Com relação à proposta de LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias do governo estadual), gostaria que o senhor falasse um pouco dos planos do governo paulista.
Estamos interessados em fazer uma política de recuperação dos institutos de pesquisa do Estado - além do IPT, existem o Agronômico, o Biológico, o Butantã. Uma remodelagem que os torne mais aptos à prestação de serviços. Eles têm competência, já fizeram isso e queremos que continuem fazendo. Este é um desafio que nos colocamos aqui na secretaria. Já tivemos algumas reuniões e existem problemas de várias naturezas a serem resolvidos - desde salariais até de instalações, atualização de laboratórios etc. Vamos definir uma política para isso. Com relação a esses "marcos", como IPT e Paula Souza - um centro educacional que desenvolve pesquisas e está muito qualificado para firmar parcerias com o setor privado -, o que vamos fazer é acentuar a dimensão produtiva que deve ter a pesquisa, a ciência e a tecnologia.
Aqueles recursos serão investidos então para reequipar esses centros?
Existem recursos que já estamos conseguindo e não são só recursos estatais. Temos de buscar, no próprio reequipamento desses institutos, recursos do setor privado, que será diretamente beneficiado por isso. E esses institutos podem atender a demandas que serão de um conjunto de empresas da cadeia produtiva. Eles têm essa possibilidade.
Qual é a meta do governo para a venda de serviços?
Isso eu não sei. Temos conversado com as universidades porque elas têm tido algumas dificuldades no que se refere a aposentadorias. Tem crescido muito o dispêndio das três universidades estaduais com aposentadoria e este é um problema sério. Há também a questão relativa aos hospitais universitários, também um dispêndio elevado. Tem a questão da lei Kandir: as universidades reivindicam participação na compensação pela perda de ICMS. Todos esses assuntos estão sendo tratados com as universidades, para que elas possam ter os recursos necessários à manutenção do nível de ensino, do número de professores contratados etc. Agora, existe outro objetivo, que é fazer com que a universidade venha a ter no seu universo de recursos um percentual cada vez mais expressivo originado na venda de serviços às empresas e ao próprio governo. Eu não tenho números. Parto do princípio de que já temos recursos e é preciso otimizá-los e buscar novos nesse mercado que será atendido.
A política de ciência e tecnologia está casada com a política industrial do Brasil?
O Brasil hoje não tem uma política industrial. Ele começa a ter alguns esboços e aí o papel das universidades e dos institutos de pesquisa vai ser crucial, para termos uma política industrial que nos leve a estimular fortemente determinados setores, de modo que sejam competitivos e possam viabilizar esse objetivo de dobrar a exportações.
Por que essa política industrial não é traçada, não é colocada no papel?
O Brasil vive uma crise: a crise do Estado brasileiro, a crise fiscal. E procurar resolver essa crise passou a ser a pedra de toque das políticas do governo federal. No momento em que se conseguiu estabilizar a moeda, ficou claro que o governo não cabe dentro do orçamento. Ou seja, gasta-se muito mais do que se arrecada. E vem sendo feito um esforço ao longo destes quatro últimos anos com reformas constitucional, patrimonial, administrativa, previdenciária, acerto das dívidas dos Estados, enfim, um imenso esforço do Estado e da sociedade para encontrar um caminho que traga o equilíbrio das contas públicas. Este é o ponto central.
O senhor defende três linhas de atuação em sua pasta. Uma, já abordada, trata da prestação de serviços na área de pesquisa e tecnologia. As outras correspondem à busca de investimentos para o Estado e à política de exportação. O que pode ser feito nessas áreas?
A secretaria, hoje, trabalha com um tripé: tecnologia, mercado e crédito. Em tecnologia, o objetivo é exatamente acessar a empresa a toda essa massa crítica capaz de produzir tecnologia, de desenvolver produtos. Ou seja, diz respeito aos nossos institutos. Vamos estabelecer uma relação saudável aí. Claro, dentro disso, temos de hierarquizar prioridades, política industrial... Não é uma coisa só de São Paulo, mas o Estado tem um papel decisivo. O segundo ponto é o crédito de fomento. A pequena e média empresa precisam de crédito de fomento, sobretudo para exportar. E o terceiro é o mercado. Estamos identificando o mercado através de comércio eletrônico, promoções, enfim, de várias iniciativas para que possamos ter uma ação que não seja aleatória. Se a ação se referir somente à tecnologia, a empresa a incorpora ao produto, mas não consegue se desenvolver por feita de crédito. Quer dizer, é uma ação combinada. Vamos fazer uma abstração: você já Imaginou as universidades e institutos de pesquisa de São Paulo em uma relação estreita com toda a nossa estrutura de produção, sobretudo em áreas em que temos maior cultura e tradição? Se houver uma sinergia nesse setor, as coisas vão andar. Se você conseguir passar ao setor produtivo que a tecnologia compõe um custo de produção que dá um resultado extraordinário do ponto de vista de mercado, você vai estabelecer uma relação muito menos autárquica e muito mais pragmática, empreendedora, de resultados. Hoje, ou a pequena e média empresa desconfiam ou a universidade e o instituto não sentem um ambiente propício, nesse universo empresarial, para desenvolver parcerias.
E de onde vêm os capitais de fora?
Os recursos existem, seja no setor privado ou público. Partimos desse princípio. A questão é ter projetos merecedores de receber investimentos. Nós já temos uma referência muito positiva das empresas e dos institutos, mas é preciso criar os projetos. Estamos lidando, no dia-a-dia, com a questão do crédito. Agora vamos fazer uma experiência de financiar os pedidos das pequenas e médias empresas para a exportação. Elas têm mercadoria vendida-que precisa ser produzida mas a empresa não tem recursos? Nós estamos viabilizando os recursos para a operação de exportação mediante apresentação dos pedidos. Quer dizer, não é difícil. É preciso operar, mas há a base: empresas capazes de absorver tecnologia e centros capazes de produzi-la, incorporá-la ao produto.
Um dos projetos que parece exemplar é o da incubadora de empresas de base tecnológica, que reúne o Ipen, a USP e o IPT. Qual é a importância desse projeto para o governo?
Este é um projeto extraordinário. Tão importante que estamos compartilhando com essas instituições a idéia de termos 30 empresas em vez de 15. Isso porque são empresas que estão desenvolvendo tecnologia que pode ser incorporada a produto. É o caso da tecnologia de lapidação de esmeraldas, que hoje são mandadas para Cingapura. A lapidação tem que ser feita aqui, pois agrega valor. Nesse projeto, temos tecnologia para raio X, para hormônios de crescimento, enfim...
Como a secretaria vê outros projetos, como o Prumo (Projeto de Unidades Móveis), para apoio à indústria de transformação de plásticos e de fundição, que tem apenas duas unidades? Ela pretende ampliá-lo?
Essa é uma assistência tecnológica direta às empresas de um setor, no caso, o de plásticos. Demos três meses para fazer uma boa avaliação dos resultados e esse prazo termina agora. A iniciativa precisa ser acompanhada para que não se lancem idéias sem eficácia. Queremos saber quanto o Projeto Prumo acrescentou às empresas do ponto de vista da matéria-prima, do processo produtivo, da qualidade final do produto.
Sobre o Paten, programa de apoio tecnológico que hoje atende a cerca de 30 municípios do Estado, como o governo pretende ampliar esse atendimento?
A ampliação desse programa também depende de avaliação. Não no sentido da paralisação, mas de redimensionar, ver se responde ao objetivo e estimulá-lo.
Sob essa perspectiva de aumentar a oferta de serviços de tecnologia, existe algum ponto de equilíbrio entre dotação orçamentária e recursos de terceiros?
Não sei. Esse é um desafio novo. Não trabalho com essa hipótese, mas o exemplo do CPQD mostra que ele está se preparando para viver dos recursos auferidos da venda de serviços. Agora, eu sei que é política da direção do IPT -e eu estimulo essa política - de buscar parcerias em várias áreas que lhe permitam ampliar o resultado, independentemente do Estado. E o Estado pode ajudar nisso. Mas não há nenhuma intenção de cortar recursos do IPT, ao contrário.
Sendo a Fapesp a agência de fomento do governo do Estado, qual é a orientação dada a ela por sua pasta? Por exemplo, existe um projeto, o Genoma, que reúne vários países na pesquisa do câncer... Este é um projeto mundial e o Brasil, por meio da Fapesp, é o único país do hemisfério Sul que participa dele.
Pois bem, haveria espaço para um projeto semelhante na área de habitação ou de construção, de modo geral já que este setor responde por 14,8% do PIB (o chamado construbusiness)?
Eu sei que o IPT já trabalhou na área de habitação popular, mas a minha avaliação é de que os resultados são muito escassos. Eu estimularia fortemente um projeto consistente do IPT nessa área que merecesse financiamento, por exemplo, da Fapesp. É algo que daria ampla satisfação à sociedade dos recursos alocados, seja para a Fapesp, seja para o IPT. Você tem uma população que carece desse bem tão fundamental, que é a casa, e o IPT poderia, através de um programa com a Fapesp, fazer um trabalho de prospecção que venha ajudara suprir esse déficit. A Fapesp é uma instituição de excelência, muito bem administrada e que tem sido receptiva a financiar projetos que tenham resultado. Não tenho nenhuma dúvida de que se houver um bom projeto - como o Genoma, que você citou - a Fapesp pode fazer o mesmo com relação à moradia.
Esse projeto tem de ser do instituto ou pode ser casado com a iniciativa privada?
Ele pode ser perfeitamente do instituto de pesquisa. Se o instituto estiver associado ao setor privado, melhor ainda para o balizamento do que é possível absorver em termos de tecnologia. Enfim, isso é possível, ainda mais em São Paulo, onde o governador Mário Covas tem um programa de habitação tão forte: 120 mil casas no primeiro mandato (95/98) e a expectativa de 250 mil no segundo. Isso justifica amplamente o financiamento de pesquisa para atingir mais eficiência na produção de moradia popular.
EDER SANTIN
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