"Não se pode imaginar um projeto de desenvolvimento do Brasil sem a inclusão da Amazônia, que é 60% do nosso território. Então têm que ser considerados os povos que lá estão, temos que lhes dar participação, que integrá-los"
O jornalista Heródoto Barbeiro, da Rádio CBN, entrevistou no último dia 9 de junho o líder indígena Davi Kopenawa Yanomami , conhecido como o "Dalai Lama da Floresta", que faria no dia seguinte um pronunciamento no Parlamento Britânico (Confira). Davi disse que nunca foi convidado para falar no Parlamento Brasileiro e que suas passagens para a Europa foram pagas pelo Governo da Espanha.
Os índios brasileiros sabem das coisas - ou pelo menos das coisas de seu país. Eles sabiam, por exemplo, da influência da lua sobre as marés muito antes de Galileu Galilei e Isaac Newton, segundo o astrônomo Germano Bruno Afonso, professor visitante do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) na Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul (UEMS), que fará uma conferência sobre o assunto na 61ª Reunião da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), que se realizará entre 12 e 17 de julho, em Manaus (AM).
A próxima reunião da SBPC tem naturalmente a Amazônia como tema. Mas qual será a contribuição que cientistas, professores, estudantes e líderes da sociedade, reunidos na floresta poderão dar ao País, especialmente quando a ciência e a cultura parecem aos brasileiros, litorâneos e urbanos, politicamente corretos ou incorretos, tão distantes quanto os índios, as onças e a biodiversidade? O temário do encontro pode dar algumas pistas.
O que o progresso da ciência e a Amazônia têm a ver com o Brasil, os brasileiros e o mundo é o que nos esclarece aqui o presidente da SBPC, Marco Antonio Raupp. Por coincidência dialética, nasceu no outro extremo do País esse homem que vai comandar o espetáculo das discussões cientifico-culturais-tecnológicas no meio do maior bioma do mundo.
Gaúcho de Cachoeira do Sul, aos 71 anos que completará no mesmo mês de julho da reunião, Raupp terá como função reger uma orquestra quase sempre dodecafônica de cientistas e pesquisadores que, em suma, pesquisam, repensam e repõem o País diante de si mesmo todos os anos.
Com sua batuta de matemático, pesquisador em Análises Numéricas, doutor pela Universidade de Chicago, comendador da Ordem Nacional do Mérito Científico, não faltam a Raupp títulos e capacitações. Nesta entrevista ele relembra a Economia Interativa que o conhecimento é um dos insumos mais valiosos do mundo para qualquer país e que está ligado a todos os aspectos de uma sociedade - social, cultural, econômico, ambiental. Repassa em lições concatenadas as mazelas, das desigualdades sociais, regionais e históricas brasileiras e apresenta as fórmulas e possíveis soluções para enfrentá-las. Como se propõe a demonstrar, conclui que até mesmo para enfrentar crises, o bom é estarmos vivendo a era do conhecimento.
A reunião de Manaus não corre risco de virar um happening, com índios, ONGs, militantes internacionais e políticos de todos os matizes realizando manifestações no centro da arena? A reunião da SBPC vai se diferenciar fundamentalmente em quê, em relação ao recente Fórum Social Mundial?
A reunião da SBPC é mais concentrada na questão da ciência. Ela vai se focar, em relação à Amazônia naquilo que se encaixar com as questões que trazem à baila a formação de recursos humanos, a importância da extensão da educação, de se atacar os desequilíbrios regionais, de se levar a ciência para alem dos muros universitários, para as empresas, para o serviço público. Na questão indígena, por exemplo, vai focar também a democracia e o multiculturalismo. Isso não é bobagem, temos que respeitar todas as manifestações culturais, porque isso enriquece a cultura nacional. E qualquer projeto de desenvolvimento de país tem que considerar isso.
Nossa reunião será um happening, sim, mas no bom sentido. A ciência vai chamar a atenção para problemas gerais da sociedade brasileira. Vão estar reunidos cientistas, pessoas amigas da ciência, pessoas que entendem a importância da ciência, pessoas que estão apostando com a sociedade na contribuição que a ciência pode dar.
A ciência e a cultura em discussão referem-se à da Amazônia integrada ao País ou à regionalizada e internacionalizada que se estampa na mídia? O que se porá na mesa sobre fronteiras, terras indígenas, desmatamento, internacionalização, minérios, agricultura?
A Amazônia é um desafio nacional. Ela tem uma inserção regional e projeção internacional. Quando dizemos que temos que desenvolver ciência para a Amazônia, não é para a Amazônia isoladamente. É para um grande pedaço do Brasil. Não se pode imaginar um projeto de desenvolvimento do Brasil sem a inclusão desse pedaço, que é 60% do nosso território.
Então têm que ser considerados os povos que lá estão, temos que lhes dar participação, que integrá-los. A visão é a de projeto de nação. O papel da Amazônia é o que ela desempenha nesse projeto de nação sustentável. A ciência e a SBPC são universais, nesse sentido. Estamos preocupados com a ciência no Brasil, com um projeto de nação para o País, mas não nos descuidamos de pensar que há um sentido de universalidade em tudo isso.
O tema foi escolhido a dedo para virar notícia ou porque a entidade tem contribuições originais e consolidadas para apresentar à sociedade brasileira e à comunidade internacional? Quais?
É claro que temos. A visão original, o paradigma da nossa visão sobre a Amazônia, para simplificar, é o seguinte: a Amazônia não é nem um santuário nem um cemitério. Nós não devemos destruir a Amazônia cortando madeira e criando gado lá, sem saber as conseqüências disso, porque em valor agregado isso significa muito pouco.
Não devemos fechar a Amazônia, cobrando ingresso para visitação pública. Precisamos é entendê-la. A ciência pode contribuir com uma visão racional de todo esse sistema, de como operar nele, de como gerar conhecimento, de como esse conhecimento pode se transformar em novos modos de exploração, dentro de um projeto nacional. É isso. Nem santuário, nem cemitério.
A Amazônia é de alguma forma contemplada hoje pelas políticas nacionais de ciência e tecnologia. Lá existe o INPA(Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia), tem presença federal no Amazonas, no Pará. Qual é a sua visão sobre isso?
A Amazônia já teve investimentos significativos, mas muitos deles descontinuados. Um grande exemplo é o Centro de Biotecnologia da Amazônia, em Manaus. É um projeto que teve a participação da Zona Franca, da Suframa. Fizeram-se grandes investimentos lá, criou-se uma infra-estrutura boa, mas até hoje essa coisa não está funcionando em termos de produção científica ou de produção biotecnológica.
Por quê? Por causa dos impasses políticos, de disputas entre ministérios. Existem vários exemplos, como o Instituto de Medicina Tropical, em Porto Velho, mas que vão mal ou bem, dependendo de quem olha. O que precisa é uma visão integrada, em nível federal, naturalmente, e colocar toda a infra-estrutura existente em pleno funcionamento. Tem que ampliar o INPA e outros e pôr tudo isso para funcionar, senão é desperdício de recursos. Não podemos nos dar a esse luxo.
Há exemplos positivos de articulação federal com governos estaduais da região, principalmente com os estados do Amazonas e do Pará. Graças a isso se constituiu um sistema regional de ciência e tecnologia que aloca bons investimentos, já há uma consciência de que o conhecimento põe as coisas para funcionar. Criou-se uma universidade estadual, disseminada pelo interior: lá em Tabatinga, na tríplice fronteira, tem um campus da universidade estadual do Amazonas. Eles têm um sistema que cobre todos os municípios do estado. Criaram uma fundação de amparo à pesquisa, que está fazendo investimentos da ordem de R$ 40 milhões.
É pouco, comparado com a Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), mas é muito mais do que por exemplo o Rio Grande do Sul investe, mais do que os investimentos de Santa Catarina, mais do que Pernambuco investe. É igual ao que a Bahia investe.
A Bahia é outro bom exemplo de ação estadual. São exemplos de uma boa conexão do governo central com os governos regionais. Porque tem que haver esse esforço conjunto, de toda a sociedade. E tem que articular também, obviamente, com as indústrias. Manaus é um pólo importante, na área empresarial, então todo esse desenvolvimento tem que estar concatenado também com a área industrial.