Diretor-presidente do Conselho Técnico-Administrativo da Fapesp avalia a situação da pesquisa no Estado e no País
Modelo para as demais agências estaduais e considerada exemplar pela comunidade científica, a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) iniciou o semestre imprimindo velocidade a vários novos programas de financiamento de pesquisa, ao mesmo tempo em que consolida os anteriores. Para o diretor-presidente do Conselho Técnico-Administrativo da entidade, professor Francisco Romeu Landi, "a contribuição científica e tecnológica brasileira vem crescendo " e o momento "é de otimismo ".
Jornal da Unicamp - A Fapesp tem buscado estabelecer uma certa predominância dos projetos induzidos sobre os chamados projetos de balcão. Em que medida essa nova política vai afetar suas relações com os pesquisadores?
Francisco Romeu Landi - Os projetos induzidos surgiram há algum tempo, quando a Fapesp lançou os projetos temáticos. A idéia dos temáticos partiu da constatação de que as pesquisas têm hoje um caráter muito mais multidisciplinar que antes, a pesquisa multidisciplinar tendendo a prevalecer, cada vez mais, sobre a pesquisa individual. Dai que, conjugadamente aos temáticos, se criaram na Fapesp várias linhas de financiamento para projetos de evidente interesse social. É uma forma de estimular os pesquisadores a apresentarem projetos nesta ou naquela direção, naturalmente sem qualquer prejuízo para outras linhas e tampouco para os projetos de balcão. Não há confronto entre programas. Aliás, sempre que um programa é aprovado pelo Conselho da Fapesp, aprova-se também um montante de recursos a ele destinado. Tal programa nunca poderá crescer de forma descontrolada, isto é, no momento em que atingir seu patamar previsto ele volta a ser analisado pelo Conselho, que verificará se sua estrutura deve ou não ser modificada. As relações com os pesquisadores nada sofrem.
JU - Qual tem sido o impacto dos projetos induzidos?
Landi - Eles têm sido um grande sucesso. Provavelmente o maior sucesso, hoje, é O Genoma-Fapesp, que tem por objetivo seqüenciar o genoma da Xylella Fastidiosa, responsável pela praga do "amarelinho", que vem atacando os laranjais paulistas. Começamos com a idéia de selecionar 30 laboratórios para fazer o seqüenciamento, mas compareceram 100. Esses 100 laboratórios foram triados, houve um processo de seleção segundo indicadores bem objetivos, sob suspensão de uma comissão internacional para garantir uma despersonalização. Uma vez selecionados, começou um trabalho conjunto de grande envergadura, com a participação majoritária das universidades, mas também do setor privado. A prática demonstrou que não se poderia fazer essa pesquisa a não ser em conjunto, fracionando-se a bactéria em vários pedaços e cada laboratório seqüenciando uma parte. Depois, um complicado processo de computação remonta à estrutura genética a da bactéria. Este processo é desenvolvido na Unicamp, por um competente grupo de trabalho. Como os laboratórios são interdependentes, não pode haver falhas, pois se um falhar o conjunto é prejudicado. Cada laboratório acompanha de perto o que os demais estão fazendo, porque eles usam uma metodologia comum ao processo. Com o envolvimento de um grande número de alunos de pós-graduação nas linhas de seqüenciamento, a tendência e que cresça exponencialmente o número de geneticistas no Estado e no País, em função do Genoma. O Genoma está criando uma oportunidade desses laboratórios aprenderem a trabalhar em conjunto. Essa sistemática de organização é tão mais interessante quanto se sabe que não é tradição nem mesmo nos países industrializados. Se você toma a França, por exemplo, o que ela tem é um grande centro de genética onde o país investe dinheiro. Se você toma os EUA, há ali vários institutos independentes que funcionam cada um com sua sistemática própria. No Brasil nós estamos numa posição intermediária, em que todos os laboratórios são independentes mas trabalham de uma forma integrada. Uma vez encerrado o projeto Genoma, desfaz-se a comissão organizadora e os laboratórios seqüenciadores retornam à sua independência, mas agora com equipes de biólogos experimentados, podendo eventualmente se articular em outro programa. Ou seja, estamos inovando no sistema de organização. Sabemos que os americanos estão interessados em ver o resultado disto, em saber como se dá essa nova modalidade de gerenciamento da pesquisa. Mas claro que, além do Genoma, há outros programas induzidos importantes que se traduzem em oportunidades para os pesquisadores e para as instituições de pesquisa.
JU - Por exemplo?
Landi - O programa de inovação tecnológica, por exemplo, que é recente e procura induzir as empresas a desenvolverem seus próprios centros de pesquisas, dentro delas ou então em parceria com as universidades ou com os institutos de pesquisas. Os resultados desse programa têm sido ótimos e vem crescendo. Devo mencionar também o programa de apoio ao ensino básico, que induz um importante conjunto de pesquisas visando ao desenvolvimento de novas metodologias para esse estamento do ensino. Menciono ainda o programa Jovem Pesquisador em Centros de Emergência, através do qual jovens doutores com projetos de pesquisa definidos recebem uma bolsa de pós-doutoramento com duração de quatro anos, desde que haja uma universidade ou instituto de pesquisa interessado no seu trabalho. As partes se acertam, a instituição de pesquisa cria as condições de trabalho para o pesquisador e a Fapesp faz a sua parte, concedendo a bolsa. Isto de um lado resolve o problema do jovem pesquisador que não conseguia realizar sua pesquisa e corria o risco de ser absorvido pelo mercado de trabalho e, de outro, ajuda as universidades que não estão conseguindo contratar pesquisadores. Há embutida uma outra oportunidade indireta, que é a possibilidade de trazer cérebros brasileiros que estão no exterior, - sem contar que estamos tentando criar um programa para trazer jovens doutores europeus e americanos que queiram trabalhar no Brasil dentro dos projetos temáticos, por um período mínimo de quatro anos.
JU - Além dessas, que outras linhas de financiamento estão abertas aos pesquisadores?
Landi - Eu mencionaria o Programa de Equipamentos Multiusuários, que nasceu do Programa de Infra-Estrutura e ocupou um espaço destinado a equipamentos de alto custo e de uso comum dentro de um departamento, uma área ou uma instituição. O Infra-Estrutura, como se sabe, atende a laboratórios individualizados, sempre em nome de um pesquisador. Já o Multiusuário serve a uma comunidade inteira, mas a sistemática é a mesma: os pesquisadores fazem o projeto, o apresentam ao grupo que coordena o programa na Fapesp, que por sua vez o analisa e o aprova ou não. Além deste há o tradicional sistema de "balcão", que atende á demanda de pesquisadores que apresentam projetos de uma maneira geral, segundo a identificação de lacunas científicas ou tecnológicas que precisam ser preenchidas. E estão para ser implementados vários programas de parceria nacional e internacional, atualmente em discussão no conselho da Fapesp, mas com uma primeira parte já aprovada, devendo resultar em breve na liberação de recursos para o detalhamento de um projeto de construção de um telescópio a ser instalado na Cordilheira dos Andes, no Chile. Os pesquisadores brasileiros estarão trabalhando ao lado de universidades americanas envolvidas com o projeto.
JU - Nessa perspectiva, novas linhas de financiamento estão sendo pensadas, além dessas?
Landi - Há algumas novidades. Uma é que o Conselho autorizou a expansão do Genoma para dois outros genomas, um voltado para a melhoria da produtividade da cana-de-açúcar e outro para câncer. Outra é um novo programa intitulado Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão, cuja idéia básica é a geração de centros que congreguem entidades múltiplas, portanto multidisciplinares, e que tenham como objetivo um determinado produto ou serviço que possa ser transferido mais tarde à sociedade. Nesse contexto podemos ter inclusive centros virtuais, como por exemplo um centro virtual destinado ao meio ambiente, reunindo especialistas de várias disciplinas e de diferentes laboratórios. Esses centros vão ser financiados durante 11 anos, prazo no fim do qual eles deverão mostrar capacidade de auto-sustentação. Além desses, eu destacaria ainda o Programa de Pesquisas em Políticas Públicas, que vai financiar projetos de interesse social, estadual ou municipal voltados para temas como emprego, relações de trabalho, saúde, educação, justiça, meio ambiente, saneamento, habitação, energia etc.
JU - A Fapesp tem aberto linhas de financiamento para o setor privado. Até que ponto elas podem afetar os recursos para as universidades?
Landi - Não vão afetar. A idéia é que os programas convivam simultaneamente, sem prejuízo para ninguém. Os projetos que estão ligados a empresas são em boa parte projetos de parceria com as universidades ou com os institutos de pesquisa. No que concerne à participação das empresas, a Fapesp entra com um percentual que pode variar de 30% a 70%, dependendo do que nós chamamos "risco tecnológico", enquanto que os custos da universidade ou do centro de pesquisa a Fapesp banca inteiramente. A participação financeira da empresa é fundamental para que o projeto tenha a garantia de que não vai parar numa prateleira de biblioteca, de que realmente vai ter aplicação social. Há um outro programa voltado para as empresas, o de inovação tecnológica em pequenas empresas, que nasceu da constatação de que elas são, em todo o mundo, as maiores inovadoras nesse sentido. Hoje há um consenso no país em torno do fato de que a inovação deve passai a ser feita não apenas nas universidades e nos centros de pesquisa, mas também nas empresas. Aliás, a lei que criou a Fapesp não faz restrições sobre onde a pesquisa deve ser feita. A única limitação é que a pequena empresa, no caso, tenha obrigatoriamente a seu lado um pesquisador, que em primeira instância é o responsável pela pesquisa. Por quê? Porque nós acreditamos que se o industrial sabe gerenciar a sua empresa, salvo exceções ele não sabe pesquisar. Além do mérito em si do projeto, a referência curricular do pesquisador é a maior garantia de que aquela pesquisa chegará a bom termo, de que o recurso aplicado terá retorno.
JU - Isso vale para as universidades particulares?
Landi - Os recursos eventualmente destinados a universidades particulares acompanham o mesmo princípio da lei que criou a Fapesp, isto é, a Fapesp vai apoiar a pesquisa onde ela estiver. Então se alguma universidade privada apresentar um bom projeto, leva. É o que têm feito a Unip, a PUC de São Paulo, a Universidade de Mogi das Cruzes, por exemplo. Restrição só existe quando falamos de patrimônio. No caso das instituições privadas, o equipamento sempre retorna à Fapesp e, sem exceção, logo em seguida é transferido a alguma instituição pública.
JU - A experiência da Fapesp mostra que a pesquisa dá resultado econômico?
Landi - Os dados chegam a ser surpreendentes. A relação custo/benefício de uma pesquisa é sempre muito elevada. Quase tudo o que se aplica em pesquisa retorna socialmente em um valor muito mais alto. Esse retorno chega a dez vezes o custo do investimento e, não raro, a 40 ou 50 vezes. O Instituto Agronômico de Campinas, por exemplo, investiu cerca de 3 milhões de reais para desenvolver uma variedade nova de algodão, o IAC-22, com maior produtividade e resistência a pragas que o algodão que está aí. Quando essa nova variedade ocupar as áreas onde é plantado hoje o algodão convencional, vai resultar num aumento de faturamento capaz de gerar para o listado um recolhimento de ICMS não inferior a 13 milhões de reais, para não falar na geração de empregos, na criação de indústrias de beneficiamento e em todos os outros benefícios indiretos.
JU - Consta que aumentaram significativamente os pedidos de bolsas de pós-graduação à Fapesp depois dos cortes feitos pelo governo federal. A Fapesp pensa alterar o seu percentual de recursos para essa finalidade?
Landi - Realmente houve um aumento de demanda nos projetos de bolsas apresentados à Fapesp. Aquelas que vêm do listado nós recebemos e analisamos rotineiramente. Mas as de outros estados nós não temos condição de atender, porque o nosso estatuto não permite isso. Então o impacto da redução de bolsas para os demais estados não nos afeta.
No entanto sabemos que o Estado de São Paulo é o maior demandante do CNPq e da Capes.
Há uma tradição de que a comunidade científica do listado utilize as bolsas federais, de maneira que a Fapesp possa aplicar seus recursos prioritariamente em pesquisa. Por isso definiu-se, no Conselho, que as bolsas fiquem na ordem de 30% dos recursos orçamentários da Fapesp. Se de repente houver uma pressão violenta de bolsistas, vamos ver o que é, vamos tentar entender o fenômeno. Mas acho que isso não vai acontecer. Minha impressão é que a situação das bolsas federais é passageira.
JU - Em sua opinião, os tempos são favoráveis ao incremento da ciência e tecnologia no país? O país está respondendo aos desafios impostos pelos novos cenários?
Landi - Os governos não têm alternativa, e com o Brasil não é diferente. Há hoje um consenso mundial de que pesquisa não é custo, é investimento. Nenhuma nação do mundo pode mais traçar seu plano social se não estiver pensando fortemente na pesquisa, que é um fator de definição estratégica capaz de projetar o desenvolvimento social lá adiante. O que é preciso é aculturar esse processo, e não somente entendê-lo. Na medida em que essa cultura for se estabelecendo, o processo fica mais fácil. Quando se fala de Brasil, em termos de pesquisa, costuma-se compará-lo com a Índia, que tem boas universidades e bons centros de pesquisa. Mas eu acho que o Brasil está mais equilibrado nesse sentido, porque tem investido num espectro maior do conhecimento. Particularmente no listado de São Paulo, eu diria que nós temos tido muita sorte nesse aspecto. Podemos até criticar nossos políticos mas se contarmos a história infra-estrutural de nossa política vamos ver que ela gerou grandes universidades, gerou a Fapesp, gerou tudo isso com recursos próprios, quase sem recorrer ao governo federal. Além disso veremos que o investimento em ciência e tecnologia, que era de 0,5% do PIB estadual há alguns anos, hoje é de 1,2% e chegará a 1,5% uma vez superadas as dificuldades federais. Outro sintoma importante é que as empresas, que há seis anos participavam só com 10% do investimento nacional em ciência e tecnologia, agora já estão em 30%. Creio que num futuro não muito distante chegaremos à correlação vigente atualmente nos Estados Unidos, onde as empresas são responsáveis por 50% dos investimentos em C & T. O importante é que, independentemente desse crescimento, o investimento público não diminua.
JU - Sua visão é de otimismo, então.
Landi - Sim, eu vejo com otimismo não só a situação brasileira, mas também a mundial. Mas é preciso colocar as coisas na sua devida dimensão. No caso do Brasil, ninguém imagina que possamos chegar amanhã mesmo à escala americana, que é de 170 bilhões de dólares de investimento anual em ciência e tecnologia. Mas dentro da nossa escala, que é de 5 ou 6 bilhões por ano, nós estamos bem. Nossa contribuição científica vem crescendo, nossos indicadores de publicação internacional também - saltamos de 0.4% para 0,8% em dez anos. Do lado tecnológico, em vários setores temos competitividade internacional. Também é certo que estamos nos desenvolvendo economicamente. Aliás, é conhecida a previsão do Banco Mundial de que no ano 2020 o Brasil estará num patamar muito próximo do Primeiro Mundo, caso cumpra o propósito anunciado de investir decisivamente no trinômio que suportará o desenvolvimento das sociedades futuras: educação, saúde e pesquisa. Esperamos que isso aconteça. (E.G.)
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