A célula a combustível é a tecnologia do futuro, e deve ocupar uma posição importante na matriz energética brasileira", disse o ministro de Ciência e Tecnologia, Eduardo Campos, depois de dar partida na primeira unidade de grande porte desenvolvida com tecnologia brasileira. A célula começou a operar no final de agosto, e está alimentando parte das instalações elétricas do Cietec - Centro Incubador de Empresas Tecnológicas, localizado no campus da USP - Universidade de São Paulo.
Resultado de uma parceria entre a Electrocell (empresa incubada do Cietec) e a AES Eletropaulo, a célula, com 50 kW de potência, transforma energia química em elétrica, utilizando o hidrogênio como combustível. O projeto foi financiado pelo governo federal e pela iniciativa privada. A Eletropaulo investiu R$ 1,75 milhão no protótipo, que integra o programa de pesquisa da distribuidora desenvolvido com recursos do fundo setorial gerenciado pela Aneel - Agência Nacional de Energia Elétrica.
Questionado sobre o interesse da companhia no projeto, Eduardo José Bernini, presidente da Eletropaulo, disse que existe uma forte tendência de que as distribuidoras, principalmente aquelas que atuam em áreas com grande densidade populacional, encontrem dificuldades crescentes em transportar grandes cargas com confiabilidade. "Temos de estar preparados para acompanhar o processo de descentralização do atendimento, por meio de fontes ambientalmente limpas. Enquanto distribuidora de energia elétrica temos obrigação não só de diversificar serviços, como também de oferecer alternativas tecnológicas voltadas à otimização do uso final da energia."
Segundo Gerhard Ett, diretor da Electrocell e engenheiro co-responsável pelo projeto, a célula é uma alternativa inteligente ao uso dos geradores convencionais a diesel. Por ser silenciosa, segura e não-poluente, pode ser instalada em ambientes fechados como hospitais, centrais de telecomunicações, salas de servidores sensíveis a microinterrupções e em locais remotos fora da área atendida pela rede convencional. "Além disso, a energia gerada pela célula é considerada premium, isto é, possui baixa distorção harmônica."
O evento de "inauguração" do equipamento marcou também a fase de pré-comercialização, da qual a Eletropaulo vai participar, juntamente com outros investidores que se interessarem pelo projeto. "A célula a combustível será adicionada ao nosso pacote de serviços como mais uma opção à geração distribuída", afirmou Bernini. Ele acredita que em cinco anos a tecnologia será viável comercialmente para uso estacionário. Também disse que, durante o processo de desenvolvimento, algumas empresas do setor de telefonia manifestaram interesse pelo produto.
O custo de instalação da célula de 50 kW da Electrocell será de US$ 1500/kW, com eficiência de 40%. No entanto, segundo Ett, a meta é chegar a US$ 1200/kW, com eficiência de 65%. Para isso, a empresa fará alguns ajustes no sistema de controle da unidade geradora. 'Também pretendemos reduzir o seu tamanho em 40%, antes de produzi-la comercialmente." Essa célula tem 3 m de comprimento por 1,2 m de largura e 2 m de altura, e pode ser instalada em paralelo com mais quatro unidades de 50 kW. Sua vida útil média é de cinco anos, operando sem interrupção.
Já os custos de geração variam de acordo com o combustível utilizado para a obtenção do hidrogênio (gás natural, etanol, biomassa, etc). Ao estimar uma produção futura seriada de 1200 unidades/ano, a geração via célula a combustível mais reformador movido a gás natural, responsável pela produção do hidrogênio, ficará em torno de R$ 120/MWh, sem impostos, prevê a Electrocell.
O projeto recebeu recursos financeiros da Fapesp - Fundação de Amparo a Pesquisas do Estado de São Paulo, do Ministério de Ciência e Tecnologia, por meio da Finep - Financiadora de Estudos e Projetos e CNPq - Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. Contou ainda com o apoio e colaboração da USP - Universidade de São Paulo, Ipen - Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares, Cepel - Centro de Pesquisas de Energia Elétrica e Coppe - Coordenação dos Programas de Pós-Graduação de Engenharia da UFRJ. "Com essas parcerias, foi possível atingir um índice de nacionalização de 80% nos equipamentos e de 100% na tecnologia da célula", destacou o diretor.
A Célula
Após ser testada e homologada pelo IEE - Instituto de Eletrotécnica e Energia da USP, a célula a combustível da Electrocell está operando, em regime experimental, na sede do Cietec. Inicialmente, a energia elétrica gerada está sendo destinada para iluminar parcialmente o prédio, que tem um consumo aproximado de 26 400 kWh/mês. O protótipo utiliza a tecnologia de polímero sólido, também chamada de PEM (proton ex-change membrané), para efetuar a troca de prótons, e consome 300 litros de hidrogênio por minuto ou 0,65 Nm3/kWh gerado.
Nesse tipo de célula, o hidrogênio é introduzido sob pressão em um compartimento onde há um catalisador (de platina, por exemplo). Em contato com o catalisador, os dois átomos de hidrogênio se dissociam. Separados, esses átomos oxidam naturalmente, perdendo seus elétrons, que são captados por um coletor/difusor de grafite, onde formam uma corrente elétrica. Sem os elétrons, os dois prótons que ficam soltos (H+) são filtrados por uma membrana seletiva (a PEM). O mesmo acontece do outro lado do compartimento, onde há o oxigênio que, como parte do processo, irá se combinar com os prótons de hidrogênio para recuperar a estabilidade atômica, compartilhando elétrons. O resultado de todo esse processo é, portanto, energia elétrica, calor e água.
"Outro fator competitivo da célula é a produção de vapor a uma temperatura de 60°C ou superior, que poderá ser aproveitado em sistemas de climatização e esterilização e/ou limpeza de ambientes, entre outras aplicações", mencionou Mara Ellern, coordenadora do projeto na Eletropaulo.
De acordo com Ett, durante a evolução do projeto, houve a nacionalização de alguns componentes, em parceria com o Ipen, como o MEA (conjunto membrana + eletrodos), anteriormente importada. "Com isso, tivemos uma redução de 10% no custo total do equipamento."
O Programa
Após a cerimônia de acionamento experimental da célula no Cietec, o ministro Eduardo Campos lançou o PROCaC - Programa Brasileiro de Sistemas de Célula a Combustível, e deu posse aos representantes dos grupos que pesquisam essa tecnologia e vão coordenar o projeto. O objetivo do programa é desenvolver um conjunto de ações que viabilizem a criação de uma tecnologia nacional em sistemas de energia baseados na célula a combustível, enfatizando o uso eficiente dos recursos renováveis. "Buscaremos introduzir o hidrogênio na matriz energética brasileira, por meio de ações voltadas à formação de especialistas e ao desenvolvimento de equipamentos e tecnologias", disse o ministro, acrescentando: "Além de ser abundante na natureza, incolor, inodoro e não-tóxico, um quilo de hidrogênio detém a mesma quantidade de energia extraída de 3,5 litros de petróleo, 4 litros de gasolina ou 3,7 m3 de gás natural."
O MCT está investindo este ano R$ 8 milhões no PROCaC, sendo R$ 4,5 milhões designados para recursos humanos e R$ 3,5 milhões para equipamentos e custeio das redes de tecnologias. Essas redes trabalham por meio do sistema de pesquisa cooperativa, isto é, compartilhando informações e laboratórios. "Hoje, nenhuma instituição brasileira teria condições de prover todo o conhecimento e recursos necessários para o desenvolvimento e aprimoramento de um equipamento com a complexidade de uma célula a combustível", justificou o ministro.
O programa foi estruturado em três redes: 1) Rede de combustíveis e hidrogênio; 2) Rede de sistemas de célula a combustível de óxido sólido; 3) Rede de sistemas de célula a combustível de eletrólito polimérico. Compreendem 17 entidades, entre universidades e centros de pesquisa. O Ipen é uma delas, escolhido como ponto de partida e base para a disseminação do programa, por representar uma experiência de êxito.
"Vamos trabalhar para que a estrutura do Cietec se reproduza em várias partes do Brasil, através do apoio do MCT e de marcos regulatórios como a Lei de Inovação, que tramita no Senado", ressaltou Eduardo Campos. Essa lei visa oferecer incentivos fiscais a empresas que promoverem iniciativas voltadas ao desenvolvimento tecnológico. Também propõe facilitar parcerias entre as empresas privadas e as instituições de pesquisa. 'Temos de incentivar e garantir que o conhecimento gerado em nossos centros de excelência acadêmica seja aproveitado pela indústria, a fim de agregar valor e competitividade aos nossos produtos no mercado externo."
O ministro também mencionou a necessidade de uma regulamentação. "A própria dinâmica de consolidação dessa tecnologia no mercado vai cobrar uma posição da Aneel sobre a forma de inserção desse tipo de serviço a ser prestado pelas distribuidoras. Mas cabe considerar que, por enquanto, não se trata de uma alternativa econômica que dispute o mercado com outras fontes de energia."
Balanço e perspectivas
A Electrocell foi fundada em 1998 por um grupo de empresários e pesquisadores da USP e Ipen, que encontraram no Cietec o apoio e a estrutura necessários para o desenvolvimento de sistemas e periféricos associados à tecnologia de célula a combustível. Primeiramente, foram produzidas células de baixa potência (25 kW). Em 2000, com os recursos da Fapesp, a empresa construiu uma unidade, de 1,7 kW, e no ano seguinte, uma de 10 kW. Em 2002, a Eletropaulo entrou no projeto para a produção do protótipo de 50 kW. No total, foram investidos cerca de R$ 5 milhões no desenvolvimento, entre mão-de-obra e infra-estrutura.
Hoje, a Electrocell possui cerca de 12 produtos comercializáveis, entre bancadas para testes de células a combustível, unidades de potência e células de baixa potência (12 a 600 W), utilizadas por institutos de pesquisas, laboratórios e universidades. Dentro do plano diretor da empresa está a mudança de sua sede para o parque tecnológico do Ipen, localizado também na USP. "Com o início da produção comercial das células de média e alta potência, projetamos um crescimento de 25% ao ano. Sendo assim, vamos precisar expandir nossas instalações", afirmou Ett.
A Eletropaulo tem em seu portifólio 55 projetos de pesquisa e desenvolvimento, nos quais já foram investidos R$ 45 milhões. Na área de energia alternativa, além da célula a combustível, a companhia possui 19 projetos sendo avaliados pela Aneel, que devem receber cerca de R$ 20 milhões de investimentos.
Cietec
Um dos mais importantes centros incubadores de empresas do País, o Cietec foi criado em 1998, por meio de um convênio entre o Ministério de Ciência e Tecnologia, Secretaria da Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico do Estado de São Paulo, Sebrae (SP) - Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas de São Paulo, USP - Universidade de São Paulo, Ipen - Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares e IPT - Instituto de Pesquisas Tecnológicas.
A incubadora é uma forma de incentivo ao desenvolvimento tecnológico, muito popular no exterior e que vem, progressivamente, ganhando força e prestígio no Brasil. Busca prover recursos financeiros e infra-estrutura para ampliar o índice de sobrevivência e a competitividade dessas empresas. Atualmente, compreende 99 empresas (350 funcionários), responsáveis pela criação de 240 produtos das áreas de biomedicina, biotecnologia, multimídia, educação a distância, energia alternativa, tecnologia da informação, Internet, instrumentação, laser, mecânica, meio ambiente, química, software, telecomunicações e aplicações técnicas nucleares. As empresas associadas ao Cietec têm acesso às facilidades técnicas e operacionais oferecidas pela USP, Ipen e EPT, incluindo uma rede composta por mais de 400 laboratórios, em diversos campos do conhecimento. Além disso, o centro conta com assessoria de marketing para gestão de negócios e vendas, e assessoria jurídica. Nos três últimos anos, as empresas vinculadas à incubadora receberam aproximadamente R$ 6 milhões em investimentos. A maior parte da verba é proveniente da Finep, Fapesp, CNPq e Sebrae. No entanto, de acordo com Sérgio Risola, diretor do Cietec, os investimentos destinados ao centro via MCT e outros parceiros já foram recuperados com os tributos recolhidos pelas empresas incubadas.
O centro encerrou 2003 superando as expectativas de crescimento projetadas para o período. As empresas incubadas somaram um faturamento de R$ 14,8 milhões, o que representa um acréscimo de 80,48% em relação aos R$ 8,2 milhões atingidos no exercício anterior. Desde 1998, 22 empresas já foram graduadas pelo centro, ou seja, estão atuando no mercado, com suas "próprias pernas". O pré-requisito para ingressar no projeto é ter propostas inovadoras em pesquisas para produtos e serviços com alto conteúdo tecnológico nas áreas citadas.
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Eletricidade Moderna