Em outubro, o que seria o último recurso terapêutico para um paciente terminal com linfoma tornou-se o primeiro caso bem-sucedido de remissão do câncer por terapia gênica da América Latina.
Em uma iniciativa do Hemocentro de Ribeirão Preto, ligado à Universidade de São Paulo (USP), a equipe de pesquisadores obteve sucesso ao reprogramar células T e eliminar focos de metástase. O método supera em efetividade e acessibilidade esforços feitos inclusive em países desenvolvidos.
Dentro das possibilidades terapêuticas praticadas no Brasil, deveria ser mais um caso de cuidados paliativos. O paciente, um homem de 64 anos, já havia passado por radioterapia e quimioterapia, mas o organismo não respondia aos tratamentos.
A expectativa de vida era de aproximadamente um ano. Em setembro, ao dar entrada no hospital da USP, o paciente acusava dores no corpo inteiro e tomava a dose máxima de morfina. A metástase havia chegado aos ossos e ele nem sequer caminhava.
Depois de duas semanas de infusão das células reprogramadas, no entanto, grande parte da metástase regrediu. O paciente voltou a andar e não se queixou mais de dor. Isso só foi possível pela técnica CAR-T – acrônimo em inglês para receptor de antígeno quimérico –, desenvolvida originalmente nos Estados Unidos.
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O procedimento feito na USP O processo inicia com a coleta de sangue do paciente. Em seguida, a célula de defesa linfócito T é isolada. Em pleno funcionamento, ela deveria desencadear a produção de anticorpos, mas o câncer por vezes dribla esse sistema de detecção de doenças. Após ser isolada, a célula T recebe um novo gene através de um fator viral. Assim, o linfócito desenvolve a capacidade de reconhecer o antígeno específico a ser combatido. A modificação gerou, então, a célula CAR-T. Após ser multiplicada, ela foi infundida no paciente. Seu alvo, a proteína CD-19 está presente na membrana dos linfócitos B (responsáveis pela produção de anticorpos). Em uma semana, o método conseguiu reconhecer e destruir o agente cancerígeno. A melhora foi imediata: o paciente voltou a andar e não relatou mais as fortes dores. Os médicos da USP falam em cura virtual. Por mais que a doença tenha desaparecido, eles deverão acompanhar o idoso pelos próximos dez anos a fim de atestar a cura definitiva. Previsão para cura de câncer
Apesar da novidade, nem todos os hospitais (tampouco profissionais) estão preparados para fazer a terapia gênica em grande escala. “Devido à complexidade do tratamento, ele também só pode ser feito em unidades hospitalares com experiência em transplante de medula óssea”, explica Dimas Tadeu Covas, coordenador do Centro de Terapia Celular (CTC) da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP (FMRP-USP), ao portal G1.
Em procedimentos assim, a imunidade do paciente fica comprometida e há necessidade de isolamento. Além disso, é necessário determinar os efeitos colaterais que possam surgir.
Uma equipe multidisciplinar participou da pesquisa, que contou com cerca de cerca de 20 cientistas – entre médicos, biólogos celulares e moleculares, além de engenheiros especializados em cultivo celular.
“Nós desenvolvemos uma tecnologia toda nossa, toda nacional, dentro de um instituto público, dentro de um hospital público”, celebrou Covas. O projeto é apoiado pela USP, pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e pelo Ministério da Saúde.
O que diferencia a iniciativa daquela utilizada em outros países é o avanço social que o tratamento propõe. Enquanto no exterior a terapia gênica é protagonizada por segredos industriais de grandes laboratórios, no Brasil a expectativa é em relação ao potencial para chegar ao Sistema Único de Saúde (SUS).
A metodologia que salvou o paciente em São Paulo foi desenvolvida especificamente para tratamento de linfoma. No entanto, a mesma lógica pode ser usada para qualquer tipo de câncer. “Estamos trabalhando em protocolos para leucemia mieloide aguda e mieloma múltiplo […] e também com foco em tumores sólidos, como o de pâncreas”, conta Rodrigo Calado, professor FMRP-USP e membro do CTC, em reportagem da revista Saúde.
O alto custo da terapia gênica – mais de US$ 400 mil – fez com que os pesquisadores brasileiros desenvolvessem um método mais barato e com potencial terapêutico agora comprovado a um custo aproximado de R$ 150 mil.
O valor é tido como adequado aos padrões de financiamento do SUS. Por isso, é motivo de esperança para médicos e a população em geral. “Os investimentos necessários para ampliação da capacidade produtiva são de pequena monta, da ordem de R$ 10 milhões”, declarou Covas.
O objetivo dos pesquisadores é manter o protocolo da pesquisa aberto. Assim, mais pacientes poderão ter acesso ao tratamento, ainda que de forma compassiva – quando não há outras opções terapêuticas disponíveis no país para o tratamento de condições graves.
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