A compreensão do funcionamento das proteínas nos organismos vivos, conquista dos estudos de genômica por meio da decodificação das estruturas do DNA (ácido desoxirribonucléico), tem proporcionado grandes avanços às pesquisas de engenharia genética. É o caso, por exemplo, do Genoma Funcional do Boi, parceria firmada, em maio passado, entre a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e a Central Bela Vista Genética Bovina, de propriedade do pecuarista Jovelino Carvalho Mineiro Filho, que já mantém convênio de cooperação científico-tecnológica com a UNESP.
Os estudos envolvidos no Genoma Funcional do Boi visam eliminar as barreiras que dificultam o crescimento da bovinocultura de corte brasileira. "Melhorar a qualidade da carne produzida no País e a sua resistência aos parasitas - além de conseguir reduzir o ciclo reprodutivo do gado nelore em relação a outras raças -contribuirá com o aumento de nossas exportações", explica o coordenador dos grupos de estudos funcionais envolvidos no Projeto, o agrônomo Antonio Carlos Silveira, do Departamento de Melhoramento e Nutrição Animal da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ) da UNESP, campus de Botucatu, que é o responsável pela escolha do material genético que comporá a biblioteca de genes a ser trabalhada.
O Genoma Funcional do Boi foi elaborado visando identificar as diferenças genéticas do animal da raça nelore, a mais utilizada no País, em relação ao mapa-padrão do boi, estabelecido pela Michigan State University (USA), que seqüenciou 18 mil dos cerca de 40 mil genes de um bovino. O zootecnista Luiz Antonio Furlan, do departamento de Melhoramento e Nutrição da FMVZ, coordenador do estudo de expressão gênica, explica que o Genoma Funcional do Boi vai economizar tempo de pesquisa, quando comparado a outros trabalhos de genética. "Vamos realizar estudos direcionados para resolver os problemas da pecuária brasileira", diz.
Os seqüenciamentos genéticos anteriores já mostraram que nem todos os genes de um organismo vivo produzem proteínas, embora as codifiquem. "O estudo da expressão gênica se encarrega de localizar os genes ativos em toda a seqüência do boi, os que produzem proteínas, e qual a função deles", explica Furlan. "A bovinocultura é um grande negócio para o Brasil, mas o sucesso depende do conhecimento técnico-científico que será gerado pelo Genoma Funcional do Boi, que é um trabalho pioneiro na pecuária brasileira", afirma o pecuarista Mineiro Filho.
O zootecnista Luis Artur Loyala Chardulo, docente do Departamento de Bioquímica do Instituto de Biociências (IB), campus de Botucatu, integrante do Projeto, explica a participação da Central Bela Vista no Projeto. "Ela é uma das poucas propriedades no País que trabalha com a tecnologia de melhoramento genético, fertilização in vitro e transferência de embriões", comenta.
Uma das limitações do gado da raça nelore, que o Genoma Funcional pretende eliminar, é o tempo longo para ter a primeira cria, cerca de dois anos e meio, contra dois da fêmea da raça européia. Esse estudo também poderá ser utilizado para selecionar animais da raça européia que sejam mais resistentes a parasitas. "Em cerca de dois anos queremos apresentar resultados técnicos", esclarece Silveira.
A primeira etapa do trabalho será o mapeamento dos genes dos sistemas reprodutivos do macho e da fêmea de bovinos, das funções imunológica e digestiva, além de tecidos musculares e adiposos. Esse material seqüenciado, explica Silveira, será comparado ao mapa-padrão do boi para identificar a expressão gênica das funções que se deseja melhorar. Em seguida, as proteínas serão purificadas para, posteriormente, serem aplicadas no animal. "Este trabalho vai acelerar o desenvolvimento de novas tecnologias e colocará a UNESP no topo das pesquisas em genética bovina no País", enfatiza.
No Brasil, o estudo da genética começou com o Projeto Genoma, responsável pelo seqüenciamento genético da bactéria Xyllela fastidiosa, causa da praga do amarelinho, doença dos laranjais paulistas. Concluído em janeiro de 2000, esse estudo foi pioneiro fora do eixo Estados Unidos - Europa - Japão e colocou o País na vanguarda do conhecimento científico. Desde então, vários trabalhos nessa área foram empreendidos, entre eles, o Genoma Humano do Câncer, o Genoma Cana-de-Açúcar e o Genoma do Eucalipto. "O Projeto Genoma não foi simplesmente o seqüenciamento do genoma da Xyllela. Ele nos deu condições de fazer ciência na fronteira do conhecimento e de criar elos entre a comunidade científica e o estudo de problemas de relevância socioeconômica", avalia José Fernando Perez, diretor-científico da Fapesp.
A meta agora, de acordo com Perez, é firmar parcerias de Genômica associadas a empresas, e, desta forma, tornar viável a transformação de conhecimento científico em negócio. O Genoma Funcional do Boi, por exemplo, estimado em US$ 1 milhão, está inserido no orçamento do programa Parceria para Inovação Tecnológica (Pite) e representa a primeira iniciativa brasileira na área, envolvendo, além de docentes da UNESP, o pesquisador Luiz Lehmann Coutinho, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), da USP, campus de Piracicaba, que coordena as pesquisas de seqüenciamento. "A parceria entre a Fapesp e as empresas permitirá a transferência do conhecimento gerado na academia para a sociedade", acredita Perez.
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Jornal da Unesp