Produzir álcool do que hoje é considerado lixo. Esta é a aposta de pesquisadores brasileiros para os próximos cinco anos. A proposta é produzir, em escala industrial, etanol com resíduos do processamento de cana-de-açúcar (palha e bagaço), complementando a produção. A iniciativa deve reduzir a pressão pelo aumento da área plantada e, conseqüentemente, os riscos de que os canaviais avancem sobre áreas que hoje são destinadas à produção de alimentos. A má notícia, como visto, é que o Brasil não é o único na corrida pelo domínio das tecnologias de produção de etanol a partir de resíduos lignocelulósicos. Países desenvolvidos como os Estados Unidos têm investido maciçamente em pesquisas com dois importantes pontos de vantagem: a abundímncia de recursos e a ausência de interrupção nos projetos de pesquisa. O Departamento de Energia dos Estados Unidos anunciou recentemente investimentos de 385 milhões de dólares em seisprojetos de refinaria para a produção de álcool de celulose a partir de matérias-primas como cavacos, palha de trigo e gramíneas nativas (switch grass).
A expectativa é de que os EUA passem a produzir etanol de celulose em grande escala nos próximos dez ou 15 anos. O maior desafio no momento é reduzir custos de produção, uma vez que têm se mostrado muito superiores ao da produção de etanol proveniente do milho. A maior parte das pesquisas tem sido realizada com base na hidrólise enzimática.
Enquanto os estudos prosseguem, algumas empresas dão passos mais ousados.
A Range Fuels Inc, do Cobrado, por exemplo, promete construir ainda este ano uma fábrica de etanol no condado de Treutien — uma das principais regiões madeireiras do país —, cuja matéria-prima deverá ser cavacos extraídos da produção de madeira. A promessa é produzir 38 milhões de litros anuais de etanol, pelo método de gaseificação. Pela técnica, são utilizados calor e pressão para transformar madeira em gás rico em hidrogênio, posteriormente transformado em etanolpormeio de reação usando catalisador químico. Também por essa técnica, o desafio é reduzir custos. A empresa não divulga números, mas diz que está no caminho certo e que espera gerar etanol de forma bastante competitiva em curto período de tempo. A canadense logen, empresa do ramo de biotecnologia, começou a comercializar em 2004 etanol produzido a partir de palha de milho. Os custos do processo, porém, ainda são in compatíveis com a realidade do mercado.
O interesse pela produção de etanol a partir de resíduos lignocelulósicos não se concentra nas Américas. No início do ano, a PetroChina, maior empresa produtora de petróleo da China, anunciou que tem projetos para produzir etanol a partir de pedaços de madeira ou palha. Também há estudos na Europa e no Japão.
Atualmente, estão em andamento no Brasil pelo menos três grandes projetos de pesquisa sobre produção de etanol por meio de celulose. O Projeto Etanol é conduzido pelo Ministério de Ciência e Tecnologia (MCT) e tem por objetivo investigar o impacto do aumento da produção brasileira de etanol para aproximadamente 200 bilhões de litros em 20 ano Um dos braços do projeto estuda a ampliação da produção, por aproveitamento integral da cana-de-açúcar. O método escolhido para a pesquisa foi a hidrólise enzimática e já foram destinados ao projeto cerca de R$ 2 milhões.
A Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), em parceria com a iniciativa privada, também investiu aproximadamente R$ 4 milhões no projeto de produção de etanol a partir de bagaço e palha de cana. Uma das participantes do projeto, a Dedini Indústria de Base,
de Piracicaba, está gerando, em escala experimental, o combustível de resíduos lignocelulósicos.
Na fase piloto, de acordo com dados divulgados pela assessoria de imprensa, a Dedini tem conseguido produzir 100 litros de etanol por dia a partir do bagaço de cana ao preço aproximado de 25 centavos de dólar por litro. Valor similar ao custo da produção de álcool proveniente do caldo da cana. O processo, patenteado em vários países, é denominado Dedini Hidrólise Rápida (DHR) e começou a ser desenvolvido ainda na década de 80. Além do projeto piloto, está em fase de ajustes uma fábrica que deve produzir em escala semi-industrial 5 mil litros de álcool por dia utilizando bagaço de cana. A planta está instalada e integrada à Usina São Luiz, em Piras (SP).
A Petrobras também deve inaugurar, ainda no primeiro semestre de 2007, sua primeira planta piloto do processo de produção de álcool a partir de aproveitamento de resíduos lignocelulósicos. A planta ficará situada nas instalações do Centro de Pesquisas da Companhia, da Cidade Universitária da Universidade Federal do Rio de Janeiro. De acordo com informações divulgadas pela assessoria da estatal, o projeto deve chegar à escala semi-industrial (protótipo) até 2010. O passo seguinte será a produção em escala industrial. Ainda segundo informações da Petrobras, a estatal já fez o depósito de duas patentes envolvendo tecnologias de aproveitamento de resíduos do bagaço.
A empresa comemora a obtenção de avanços na produtividade do processo, ao atingir 220 litros de etanol por tonelada de bagaço. O projeto conta com a parceria da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Universidade Federal do Amazonas, Embrapa Agroenergia e Universidade de Brasília.
Apesar dos esforços brasileiros, é visível que o montante de recursos destinados às pesquisas é consideravelmente menor. Para o pesquisador Carlos Rossel, da Universidade de Campinas (Unicamp), contudo, o desnível financeiro é contra balanceado pelo fato de a matéria-prima do etanol brasileiro — a cana-de-açúcar — ser mais barata que, por exemplo, o milho, largamente utilizado nos Estados Unidos, além de o Brasil contar com maiores extensões de terras agricultáveis disponíveis. "Sempre será mais barato produzir álcool no Brasil", afirma.
Rossel diz que a estrutura do parque industrial brasileiro permite a utilização da tecnologia ainda em sua fase intermediária. Já nos próximos cinco anos será possível produzir no Brasil, de forma competitiva e em grande escala, etanol a partir de celulose. "Nos Estados Unidos, só será possível usar a tecnologia quando ela estiver completamente ajustada"
O professor também relativiza os baixos investimentos em pesquisa por aqui. E explica que os R$ 2 milhões destinados ao Projeto Etanol dizem respeito somente à fase laboratorial. "Na segunda fase com certeza haverá mais recursos". Sobre o projeto coordenado pela Fapesp, em que também há pesquisas na área de engenharia, além dos R$ 4 milhões já investidos, existe ainda, segundo o pesquisador, um aporte de cerca de R$ 10 milhões das empresas privadas participantes (ligadas à Cooperativa de Produtores de Cana-de-Açúcar, Açúcar e Álcool do Estado de São Paulo).
Cauteloso, Rosseldiz esperar que, tão logo a tecnologia chegue à escala industrial, seja possível aumentar a produção entre 15% e 20%. Numa segunda fase, com a tecnologia mais desenvolvida, acredita chegara um aumento da produção da ordem de 40%. "Estou adotando números conservadores. Talvez seja possível conseguir mais."