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Inovação Unicamp

Encontro reúne os "avôs" da telecomunicação óptica no País; futuro, que já começou, levará a fibra até a porta de casa

Publicado em 04 junho 2007

Por Rachel Bueno

José Ellis Ripper Filho, José Mauro Leal da Costa, Hélio Marcos Machado Graciosa, Francisco Smolka, Rege Scarabucci. Quem conhece um pouco da história das telecomunicações no Brasil com certeza já ouviu falar sobre esses personagens — e não foi por acaso. Entre a segunda metade da década de 1970 e a primeira da de 1980, todos eles estavam envolvidos no esforço da Unicamp e da Telebrás para modernizar as telecomunicações no País. O trabalho valeu a pena: em 1984, a empresa ABC X-Tal entregou o primeiro lote de 500 quilômetros de fibras ópticas produzidas com tecnologia totalmente nacional (leia a série de entrevistas que Inovação fez com Ripper, José Mauro, Smolka e Scarabucci). Duas décadas mais tarde, os pesquisadores voltaram a se reunir para relembrar o passado e discutir o futuro — só faltou Sérgio Porto, que foi coordenador do Grupo de Fibras Ópticas da Unicamp, já falecido. O encontro histórico aconteceu durante o evento "30 Anos da Fibra Óptica Brasileira", realizado no dia 22 de maio no Centro de Convenções da universidade, em Campinas (SP).
idéia de comemorar a primeira vez que uma fibra óptica foi "puxada" no Brasil (as fibras são fabricadas a partir de uma pré-forma de vidro que sai do topo de uma "torre de puxamento" e é esticada para baixo) — em 1977, num laboratório do Instituto de Física Gleb Wataghin (IFGW) da Unicamp — partiu do Centro de Pesquisa em Óptica e Fotônica (CePOF). O CePOF, que tem sede na Unicamp e também engloba pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) e do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen), preparou uma exposição de fotos daquela época e convidou pessoas da universidade e da indústria para falar sobre o tema comunicações ópticas. Na parte da manhã, Ripper, José Mauro e Graciosa contaram detalhes e curiosidades da parceria Unicamp-Telebrás e receberam uma homenagem dos organizadores do encontro; as três palestras seguintes trataram de pesquisas atuais. No fim da tarde, representantes de empresas da área apresentaram suas visões sobre o futuro da tecnologia fiber-to-the-home — ou seja, a fibra óptica que chega até a casa do usuário.

Abertura
O diretor científico da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), Carlos Henrique de Brito Cruz, comandou a sessão de abertura do evento. A mesa inicial também contou com as participações de Hélio Graciosa, que hoje preside a Fundação CPqD; Daniel Pereira, pró-reitor de pesquisa da Unicamp; e Júlio César Hadler Neto, diretor do IFGW. Brito aproveitou a ocasião para adiantar que a Fapesp assinará nas próximas semanas um convênio de R$ 40 milhões com a empresa Padtec, de Campinas, que fabrica equipamentos para redes ópticas. O dinheiro vai financiar atividades de pesquisa e desenvolvimento (P&D) da empresa em parceria com universidades e institutos de pesquisa por um período de cinco anos. Ele observou que este será o segundo convênio da fundação na área de telecomunicações em poucos meses. O primeiro, com a Telefônica, foi anunciado no dia 26 de abril. A operadora cedeu 3,3 mil quilômetros de fibras ópticas instaladas no Estado de São Paulo para as pesquisas do Projeto KyaTera, que pertence ao Programa de Tecnologia da Informação no Desenvolvimento da Internet Avançada (Tidia) da Fapesp. O acordo vale por três anos e poderá ser renovado.

Passado
A missão de recordar o pioneirismo da Unicamp e da Telebrás ficou a cargo de Hélio Graciosa, José Ripper e José Mauro. Primeiro a falar, Graciosa fez a platéia rir ao dizer que, depois de tanto tempo, o colega Ripper já passara da categoria de "pai" à de "avô" das comunicações ópticas no Brasil. Ele também lembrou de maneira divertida que o primeiro teste de campo com as fibras nacionais, realizado no Rio de Janeiro em 1982, requereu proteção policial. Motivo: os caros equipamentos em uso estavam chamando a atenção dos assaltantes da região entre Cidade de Deus e Jacarepaguá, onde acontecia o teste.
Na opinião de Graciosa, quatro fatores contribuíram para que o desenvolvimento da tecnologia nacional de comunicações ópticas fosse bem-sucedido: havia capacitação na Unicamp, o ciclo de inovação estava integrado, existia um objetivo de longo prazo e a coordenação — primeiro por parte da Telebrás e depois, do CPqD — era forte. Ele lembrou que desde então o setor teve seus altos e baixos, e observou que hoje o Brasil passa por um bom momento. Como pontos positivos da atualidade, citou mais uma vez a capacitação, que deixou de ser monopólio da Unicamp e está disseminada pelo País; o apoio do Estado, com destaque para os novos mecanismos de fomento que injetam recursos não-reembolsáveis diretamente na indústria; e as iniciativas de pesquisa como o Projeto Giga, coordenado pelo CPqD e pela Rede Nacional de Ensino e Pesquisa (RNP). Em atividade desde 2003 com recursos do Fundo para o Desenvolvimento Tecnológico das Telecomunicações (Funttel), o projeto montou uma rede experimental de alta velocidade que liga sete cidades e inclui 59 laboratórios. "O desafio agora é fomentar a criação de uma grande indústria nacional", afirmou.
José Ripper, antigo coordenador do Sistema de Comunicação por Laser na Unicamp e atual diretor-presidente da empresa AsGa, foi o segundo a falar. Ele narrou alguns episódios por que passou para provar sua tese de que "na maioria das vezes, as coisas não acontecem por acaso". Um desses episódios ocorreu quando ele ainda trabalhava nos Laboratórios Bell, nos Estados Unidos. Nessa época, disse, um pesquisador russo foi conhecer o laboratório e, no final da visita, deu uma palestra que ajudou o Bell a resolver um problema no qual já estava trabalhando fazia tempo — desenvolver um laser de semicondutores que funcionasse de maneira contínua. O dado curioso é que o pesquisador russo havia tentado visitar antes uma empresa concorrente do Bell, mas esta se recusou a recebê-lo por temer que ele roubaria segredos industriais. O resultado foi que o Bell lançou seu laser seis meses mais tarde e deixou a concorrente para trás. No final de sua apresentação, Ripper passou a seguinte "mensagem para a garotada": "Não desanimem quando as coisas derem errado. Ousem. Às vezes, dá certo".
José Mauro, presidente executivo da operadora Companhia de Telecomunicações do Brasil Central (CTBC), encerrou a série de apresentações sobre a parceria Unicamp-Telebrás. Ele lembrou que o começo do trabalho na universidade foi difícil, pois o projeto já "nasceu com uma característica muito tecnológica" — "Mas vencemos o desafio", afirmou. Na opinião dele, o sucesso resultou do "timing" — o início do projeto, em 1975, coincidiu com a realização dos primeiros congressos mundiais sobre comunicações ópticas —; da motivação existente na Unicamp, que "contagiou de forma positiva" o CPqD; e da coragem das pessoas envolvidas.
"Eu ficava imaginando como seria a planta da Corning, do Bell", disse José Mauro ao recordar que a planta-piloto de fibras ópticas do projeto fora instalada num barracão em Campinas. "A nossa era aquela, mas funcionava muito bem." Segundo ele, a boa impressão que a planta causou em algumas personalidades ilustres que a visitaram — "cinco generais de cinco estrelas" e o banqueiro Olavo Setúbal — foi um marco de que o grupo estava fazendo algo importante. José Mauro apontou a capacitação criada no País como o maior legado do projeto e, no final da palestra, salientou que as empresas que não aderirem à tecnologia de comunicação por pacotes vão perder espaço para a concorrência.

Presente
As três apresentações seguintes abordaram a fibra óptica nos dias hoje. A primeira, ainda na parte da manhã, foi de Jorge Salomão Pereira, presidente da Padtec. Ele afirmou que os sistemas de telecomunicações devem ter baixa latência — ou seja, pouca demora entre o envio e o recebimento da informação — e capacidade para transmitir grande quantidade de dados e fazer vários serviços. Por isso, acredita que as fibras ópticas são a melhor opção para atender às necessidades atuais dos usuários. Segundo ele, a tecnologia optical transport network (OTN) da Padtec já é empregada para transmitir informações por 30 mil quilômetros de fibras espalhadas por diversas redes no País. "As comunicações ópticas estão no começo; há muito que se fazer ainda", declarou.
O professor Hugo Luís Fragnito, do IFGW da Unicamp, fez a segunda palestra sobre o presente. Ele focou-se nas atividades do CePOF, do qual é diretor-executivo, e no Projeto KyaTera. Sobre o CePOF, contou que o centro, montado em 2000, dedica-se às atividades de pesquisa, desenvolvimento de tecnologia e educação, reúne 125 pessoas, sendo nove pesquisadores seniores e 11 professores, e tem 16 parceiros industriais, com os quais trabalha sem intermediários. A respeito do KyaTera, disse tratar-se de um projeto para pesquisar a Internet do futuro. A base para a pesquisa é uma rede de fibras ópticas que está sendo montada no Estado de São Paulo desde 2005 — além dos 3,3 mil quilômetros de fibras cedidos em abril deste ano pela Telefônica, há 1.050 quilômetros que pertencem ao próprio projeto. As fibras dessa rede chegam diretamente aos laboratórios dos mais de 400 pesquisadores envolvidos — é o "fiber-to-the-lab", brincou o professor. Ele ressaltou o fato de que a rede também pode ser utilizada por pesquisadores de outras áreas, como biologia ou psicologia, para acompanhar e controlar experimentos por computador.
Fragnito observou que embora a economia global dependa cada vez mais da Internet, a rede mundial de computadores ainda é muito insegura e corre o risco de ter sua capacidade superada pela demanda — o que seria uma "catástrofe". Ele crê que o Brasil está apto a participar do desenvolvimento das inovações necessárias para solucionar esses problemas, pois "tem muita capacidade formada". Nesse quesito, destacou a liderança da região de Campinas, uma das poucas cidades do Hemisfério Sul a figurar no mapa de alta tecnologia da Organização das Nações Unidas (ONU).
Encerrando as apresentações centradas nos dias de hoje, o professor Carlos Lenz César, também do IFGW e do CePOF, falou a respeito das possíveis aplicações das fibras ópticas na indústria e nas ciências da vida. Ele contou, por exemplo, que os lasers feitos de fibras podem funcionar como torno, ser usados para cortar madeira em formatos muito detalhados e até para evaporar concreto, fazendo perfurações pontuais e precisas. Também comentou que esses lasers podem ter potência, o que permitiria utilizá-los em armamentos no lugar das balas. Segundo o professor, a agência de pesquisas do governo norte-americano na área de defesa — a Defense Advanced Research Projects Agency (Darpa) — já está trabalhando no projeto de um laser que substituiria os mísseis dos aviões.
Em relação à área da saúde, Lenz ressaltou que as fibras ópticas podem atuar como biossensores — quer dizer, por meio da intensidade da luz que emitem, elas podem indicar a presença no ambiente de microorganismos causadores de alergias ou doenças mais graves. De acordo com ele, dos US$ 18 bilhões que o mercado de biossensores vai movimentar este ano, US$ 4 bilhões serão referentes aos sensores biofotônicos. Para 2011, a previsão é de que o mercado de biossensores chegue a US$ 22 bilhões, dos quais US$ 7 bilhões deverão vir dos sensores biofotônicos. O professor disse ainda que é possível utilizar fibras com 300 mícrons de espessura como uma espécie de "microscópio in vivo", capaz de mostrar o que ocorre dentro das células de uma pessoa sem a necessidade de retirá-las do organismo. Isso seria útil para a detecção de cânceres em estágio precoce, por exemplo.

Futuro
As últimas apresentações do dia mostraram como as operadoras e os fabricantes de equipamentos para telecomunicações vêem o futuro da tecnologia fiber-to-the-home. Representantes de várias empresas do setor foram convidados a falar: Cláudio Mazzali, da norte-americana Corning; Luis Henrique Vilhena, da Telefônica; Marco Scocco, da Prysmian — antiga divisão de cabos da Pirelli, comprada pelo Grupo Goldman Sachs em 2005 —; Eduardo Meireles, da multinacional suíça Diamond; Francisco Prince, da AsGa; Ricardo Monteiro, da Metrocable; e Walter Carvalho, da Fotônica. No geral, os palestrantes chamaram a atenção para o fato de que, em breve, as atuais redes de fios de cobre não suportarão a quantidade de dados a ser transmitidos pela Internet. Na opinião deles, as redes ópticas são a melhor alternativa para o futuro, pois podem carregar um volume muito maior de informações e custam bem menos para ser mantidas.
Cláudio Mazzali contou que a tecnologia fiber-to-the-home não só já é uma realidade nos Estados Unidos como está ficando cada vez mais barata — de acordo com ele, o custo de instalação, que era de aproximadamente US$ 2 mil por residência em 2004, caiu pela metade. Mazzali explicou que as operadoras de telecomunicações resolveram levar as fibras óticas até a casa dos usuários para poder competir com as empresas de TV a cabo, que estavam dominando o mercado da Internet rápida. Para as operadoras, valia a pena investir na nova tecnologia: além de gastar menos com a manutenção da rede e de conseguir uma receita maior, elas contam com uma regulamentação favorável. Nos Estados Unidos, informou o executivo da Corning, a operadora que conectar o usuário diretamente a uma rede óptica não é obrigada a ceder sua fibra caso o cliente opte por contratar os serviços de outra empresa. Com as redes de fios de cobre, isso não acontece. Se o cliente quiser trocar de operadora, a empresa que instalou os cabos tem de cedê-los para a concorrente.
No Brasil, a situação é bem diferente: as operadoras não vêem as empresas de TV a cabo como uma grande ameaça e não há nenhuma lei que as incentive a investir pesadamente na tecnologia fiber-to-the-home. Contudo, isso não significa que elas estejam de braços cruzados. Em sua palestra, Luis Henrique Vilhena revelou que a Telefônica já tem um projeto-piloto na região dos Jardins, em São Paulo, que consiste em levar as fibras ópticas até os prédios dos clientes e depois distribuir a rede pelos apartamentos utilizando cabos convencionais. Segundo ele, a Telefônica está preocupada em oferecer a nova tecnologia porque sabe que "novos serviços implicam necessidade de banda".
A maioria dos palestrantes observou que as fibras ópticas passam por um bom momento, marcado pela ascensão da produção mundial e pela retomada das pesquisas focadas no aumento da capacidade de transmissão, mas lembrou que o cenário também era animador antes do estouro da crise que abalou o setor de telecomunicações em 2001. A Metrocable, por exemplo, tinha apenas nove meses de vida quando o mercado desmoronou. Ela conseguiu sobreviver e agora espera lucrar com a fabricação de cabos ópticos. "As empresas de cabo estão preparadas para fazer desenvolvimento e colocar esse tipo de produto para as operadoras", afirmou Ricardo Monteiro, que é diretor industrial da Metrocable.
A Prysmian, outra fabricante de cabos, aprendeu com a crise do começo da década. "É preciso ter infra-estrutura para que a próxima onda não se transforme num tsunami", advertiu Marco Scocco, representante da empresa no evento. Ele revelou que uma das três fábricas de fibras ópticas da Prysmian — a da Inglaterra — permanece fechada desde 2001. A outras duas, na Itália e no Brasil, estão funcionando. A brasileira fica em Sorocaba (SP), é uma joint venture da Prysmian (51%) com a Frucal (49%) e opera hoje com cerca de 30% de sua capacidade total, que é de 1 milhão de quilômetros de fibras por ano.
Como desafios para o sucesso da tecnologia fiber-to-the-home no Brasil, Marco apontou a disponibilidade de produtos nos volumes requeridos, a existência de mão-de-obra capacitada para instalar as fibras, a velocidade na instalação e a redução do custo de implantação. A respeito deste último item, passou a responsabilidade para as empresas de equipamentos: "Não dá mais para baixar o preço do cabo óptico", brincou. Na palestra seguinte, Eduardo Meireles, da Diamond, aumentou a lista de desafios ao acrescentar que os componentes da rede óptica precisam ser "de altíssima qualidade".
O palestrante Francisco Prince lembrou que condomínios e municípios sem acesso à rede convencional estão investindo na implantação de suas próprias redes ópticas. Como exemplo, contou que a Asga, onde ele trabalha, foi selecionada para instalar uma rede à base de fibras e rádio na cidade de Pedreira, no interior de São Paulo. Último a falar, Walter Carvalho, da Fotônica — uma "filha" da Unicamp —, enumerou os fatores de competitividade do Brasil na área de fibras ópticas: capacidade de formação de pessoal; projetos de envergadura em andamento, como o Giga e o KyaTera; grupos de pesquisa ativos; e profissionais experientes e capacitados. Sobre a tecnologia fiber-to-the-home, disse que poderá trabalhar com ela até sua aposentadoria e ainda assim deixará assuntos pendentes para próxima geração.