O aumento da produção e do consumo de novos materiais, a partir do desenvolvimento tecnológico, tem ampliado a capacidade de os seres humanos influenciarem o ciclo geológico da Terra, tornando-nos capazes de alterar irreversivelmente esses processos. A poluição, encontrada especialmente no ambiente marinho e ocasionada, em grande parte, pelos materiais plásticos, pode alterar até mesmo os cenários de fauna e de flora do ambiente terrestre.
É o que sugere um artigo publicado por cientistas da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e de outras instituições brasileiras no periódico Marine Pollution Bulletin, da plataforma ScienceDirect (Elsevier). Os autores encontraram novos dados que comprovam que o homem está atuando como agente geológico e ocasionando a geração de novas rochas, a partir da poluição marinha.
O estudo relata a ocorrência de rochas idênticas às naturais, mas compostas por plástico, no Parcel das Tartarugas, região da Ilha da Trindade – ilha vulcânica localizada a 1.140 quilômetros de Vitória (Espírito Santo) e administrada pela Marinha do Brasil. O local é uma importante reserva marinha do Atlântico Sul e uma Unidade de Monumento Natural Brasileiro. As rochas constituídas por plástico foram identificadas próximo à maior região de ninhos da tartaruga-verde (Chelonia mydas) e de recifes de caracóis marinhos do Brasil.
As rochas plásticas foram encontradas no Parcel das Tartarugas, na Ilha de Trindade. Crédito: Fernanda Avelar Santos
Hábitat natural de aves marinhas
Pertencente à chamada Amazônia Azul – área com riquezas naturais e minerais abundantes que apenas o Brasil pode explorar economicamente –, a ilha é habitat natural de aves marinhas e alberga um ecossistema frágil e único que inclui espécies endêmicas de peixes e diferentes conjuntos recifais.
A descoberta de Fernanda Avelar Santos, doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Geologia da UFPR, aconteceu durante atividades de mapeamento geológico na Ilha.
“Identificamos quatro tipos de formas de detritos plásticos, distintos em composição e aparência. Os depósitos plásticos na plataforma litorânea recobriam rochas vulcânicas; sedimentos da atual praia compostos por cascalhos e areias; e rochas praiais com superfície irregular devido à erosão hidrodinâmica”, descreve a pesquisadora.
Décadas de existência
Os plastiglomerados, análogos às rochas sedimentares, foram relatados pela primeira vez no Havaí, em 2014. Outro material identificado na ilha brasileira foi o plastistone, similar às rochas ígneas e com composição predominantemente plástica. O elemento foi encontrado recobrindo rochas vulcânicas existentes na região, que registram o último episódio de vulcanismo ativo no Brasil.
“Além disso, observamos piroplásticos, descritos pela primeira vez na costa da Inglaterra”, revela Fernanda.
Os materiais retratados no artigo foram visualizados em campo em 2019 e possuem, no máximo, duas décadas de existência. Amostras coletadas passaram por análises laboratoriais que permitiram reconhecer diferentes formas de detritos plásticos. A autora explica que o fenômeno local-único ocorre acima de dois tipos diferentes de substratos – que estabelecem a ligação entre o substrato geológico e as formas plásticas.
O homem como agente geológico
A principal contribuição do artigo é o reconhecimento de que os seres humanos estão se comportando como agentes geológicos e influenciando os depósitos sedimentares. Com base nas intervenções humanas, os autores alertam que é necessário questionar o que é verdadeiramente natural.