A relação entre empresa e universidade costuma ser difícil no Brasil. Algumas iniciativas, no entanto, como a parceria entre a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e companhias como a Microsoft, a Telefônica e a Braskem, começam a mudar este cenário. "Essas empresas buscam contato com a fronteira do conhecimento", afirma Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor científico da Fapesp. "São parcerias benéficas para as empresas e para as universidades".
A Microsoft apoia projetos como o Borboleta, da Universidade de São Paulo (USP), para uso de tecnologia sem fio por agentes de saúde, e o e-Farms, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), para informatização de pequenas fazendas. "Procuramos fomentar a área de TIC (sigla de tecnologias da informação e comunicação)", diz Rico Malvar, um carioca que é diretor-geral da divisão de pesquisas da Microsoft na sede da empresa em Redmond, nos Estados Unidos. "O desenvolvimento do setor de TIC leva uma melhora geral da condição social do País".
Malvar trabalha há mais de 10 anos nos laboratórios da Microsoft, em Redmond. Ele ingressou na empresa com pesquisador em 1997. Como diretor-geral, é responsável por 30 grupos de pesquisa, com cerca de 300 pesquisadores. Malvar aponta que acordos como o da Fapesp são importantes para fomentar a colaboração e dar visibilidade internacional ao trabalho feito no Brasil.
O convênio com a Fapesp começou em 2007, quando a empresa disponibilizou US$ 1,5 milhão para projetos de tecnologia nas universidades. Naquele ano, foram selecionados cinco e, no ano seguinte, mais dois. "Vamos continuar investindo", garante Malvar. Além do dinheiro, o Microsoft doa software para os projetos e coloca os pesquisadores do Brasil em contato com a Microsoft Research, na matriz.
O Projeto Borboleta começou em 2006, como uma iniciativa do Departamento de Ciência da Computação do Instituto de Matemática e Estatística (IME) da USP e do Centro de Saúde Escola do Butantã (CSEB), ligado à Faculdade de Medicina da USP. Seu objetivo foi criar um sistema de software para dar suporte aos programas de atendimento domiciliar do Sistema Único de Saúde (SUS).
"Nos dois primeiros anos, o projeto não tinha financiamento e foi desenvolvido voluntariamente por alunos de graduação", conta Fabio Kon, professor da USP que está a frente do projeto. "Nesse período, o desenvolvimento foi bem lento". O apoio da Microsoft permitiu o pagamento de bolsas de pesquisa para alunos de graduação, mestrado e doutorado. Atualmente, seis professores doutores, seis profissionais do centro de saúde e cerca de dez alunos desenvolvem pesquisas relacionadas ao projeto.
Foram desenvolvidos dois módulos de software. O módulo móvel funciona num computador de mão ou telefone celular inteligente, levado pelo profissional de saúde à casa do paciente do SUS. Com o aparelho, é possível coletar informações sobre o usuário na forma de texto, fotografias e relatos de áudio, entre outras formas. O módulo central roda nos servidores do centro de saúde e armazena todo o histórico de saúde dos pacientes, na forma de prontuários eletrônicos multimídia. Os programas estão em teste no centro de saúde.
A propriedade geral gerada pelos projetos apoiados pela Microsoft pertence aos pesquisadores e às universidades. "Todo o software desenvolvido é distribuído como software livre no portal do projeto", ressalta Kon. Isso quer dizer que as pessoas podem acessar o código-fonte (linhas de programação) do software, modificá-lo e usá-lo sem o pagamento de royalties.
Com a Braskem, a Fapesp tem um convênio de R$ 50 milhões, divididos entre a empresa e a fundação, para incentivar pesquisas em processos industriais para produção de plásticos a partir de matérias-primas renováveis, como açúcar, etanol e biomassa. Com a Telefônica, o acordo prevê o uso de uma rede de fibras ópticas de 3,3 mil quilômetros para interligar instituições de pesquisa e laboratórios. Outras empresas que têm convênio com a Fapesp são a Dedini, a Padtec, a Oxiteno e a CI&T.
Segundo Brito Cruz, da Fapesp, um fator que ajuda a aproximar a empresa da universidade é a contratação de cientistas pelas empresas. No caso da Microsoft, por exemplo, a divisão de pesquisas da companhia é a responsável pelo convênio com a Fapesp.
Kon, da USP, destaca que as empresas precisam deixar de ver a universidade somente como fornecedora de mão de obra qualificada, para enxergá-la como fonte de conhecimento especializado e inovação.