SÃO PAULO - Enquanto a presidente Dilma Rousseff e seus ministros anunciam programas focados na inovação como o Inova Brasil, InovarAuto, Inova Petro, Inova Saúde e Inova Empresa - só no caixa deste reluzem R$ 32,9 bilhões -, o empresário Walter Carvalho não tem US$ 2 milhões para dar início à produção industrial da tecnologia que sua empresa descobriu. A Fotônica, de Campinas (SP), que trabalha com conectividade óptica, criou uma tecnologia que permite a produção nacional de equipamentos usados na implantação de redes de fibra óptica, febre nas grandes cidades.
O entrave da Fotônica é o mesmo de inúmeros empresários do setor de altíssima tecnologia: os financiamentos para produção industrial de tecnologia continuam burocráticos, ignorando a realidade austera das micro, pequenas e médias empresas.
"Se Bill Gates ou Steve Jobs fossem brasileiros, não teríamos a Microsoft ou a Apple. O Brasil não tem políticas de incentivo para as pequenas, ao contrário, faz de tudo para prejudicá-las", diz o presidente do Conselho da Pequena Empresa da FecomércioSP, Paulo Feldmann.
A estratégia do físico e empresário Walter Carvalho é paciência. "Os bancos pedem garantias e patrimônio que são complicados para quem é pequeno. Vou me apertando e juntando os recursos, vai demorar um pouco para implantar", diz ele, físico formado pela Unicamp e um dos pioneiros na fibra óptica no País.
O problema da paciência é que ela mata, na era de competitividade global. "No preço não tem jeito de concorrer com os chineses. Nosso diferencial é o produto customizado", diz o empresário, que faturou R$ 10 milhões em 2012, dos quais 70% provenientes de produtos com menos de três anos de existência. Para 2013, a perspectiva do empresário é, ao menos, alcançar o dobro.
Garantias
"De fato, o quadro do crédito para micro e pequenas não está resolvido. Se a empresa tem um nível de risco maior, vai precisar ter garantias que minimizem este risco. Neste contexto, é importante discutir instrumentos como o fundo de aval do governo", diz Rodrigo Coelho, chefe do Departamento de Operações Descentralizadas da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI).
Uma das saídas em fase final de estudo pelos agentes financeiros do governo é a ampliação do uso do Fundo Garantidor de Investimentos (FGI), do Banco Nacional de Desenvolvimento Social (BNDES) para empréstimos de outras fontes, como a Finep.
Segundo Coelho, a criação do InovaCred, linha de R$ 1,2 bilhão que vai operar em parceria com bancos e agências estaduais, é o reconhecimento da necessidade de tratar o segmento de forma diferenciada. "A Finep foca em médias e grandes empresas e nem tem capacidade operacional para dar conta do universo das micro e pequenas", diz ele.
A aposta na capilaridade em todo o território nacional já credenciou três agentes locais (Badesul, BRDE e AgeRio). Até o final de 2012, devem estar credenciadas, ao menos, dez instituições.
Acesso
"O problema continua sendo o acesso. O empreendedor não tem os requisitos necessários para dar as garantias solicitadas pelo banco", diz Jefferson Freitas Amâncio de Oliveira, conselheiro da São Paulo Anjos, entidade que aproxima investidores e empresas em fase inicial (start-ups). Acostumado a garimpar empresas com potencial inovador, Oliveira garante que poucos empreendedores obtêm os recursos oficiais sem o apoio de especialistas, que orientem desde o plano de negócios até a comercialização.
Nos balcões oficiais, as ofertas impressionam. A Finep acena em 2013 com o Inova Empresa, que destinará R$ 1,8 bilhão para as micro e pequenas empresas (MPEs), dividido entre as linhas InovaCred (R$ 1,2 bilhão); Tecnova, que tratará das subvenções (R$ 350 milhões); Criatec II e III, fundos de capital semente (R$ 220 milhões) em parceria com o BNDES e Extensionismo, capacitação por entidades estaduais com o Sebrae (R$ 50 milhões).
É uma evolução considerável em termos de volume, tendo em vista que a contratação de crédito via Finep somou R$ 1,7 bilhão em 2009, R$ 1,5 bilhão em 2010, R$ 2 bilhões em 2011 e R$ 2,6 bilhões ano passado. Desses valores, segundo a Finep, cerca de 20% foram para MPEs.
Cartão BNDES
Os pequenos inovadores que procuram o BNDES obtêm recursos por meio do Cartão BNDES. Linha de crédito rotativo e pré-aprovado, com limite de até R$ 1 milhão por banco emissor (Bradesco, Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Banrisul, Itaú e Sicoob), com prestações fixas, prazo de pagamento de 3 a 48 meses, além de taxa de juros atrativa (0,86 % ao mês, em abril deste ano).
"A solicitação de crédito é avaliada pelo agente financeiro, que faz as exigências para a operação. Da parte do BNDES, só exigimos que a empresa esteja em dia com as certidões federais e que não tenha faturamento superior a R$ 90 milhões ao ano. Fora disso, é caso a caso para ser negociado", diz Vitor Hugo Ribeiro, gerente de comunicação e fomento do cartão.
Para o inovador, em 2009, houve a inclusão de novos itens financiáveis, com destaque para material para construção civil e serviços de pesquisa, desenvolvimento e inovação (PD&I) - tais como a aquisição e transferência de tecnologia, serviços de prototipagem, ergonomia, ensaios laboratoriais, certificações, técnico-especializado em impacto ambiental, extensão tecnológica e avaliação da qualidade de produto e processo de software.
Em março último, o cartão passou a credenciar agentes da propriedade industrial como fornecedores para realizar serviços de Pedidos de Registro de Propriedade Intelectual junto ao Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI). Fruto da parceria entre o BNDES, o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC) e o INPI, a medida facilita o acesso de micro, pequenas e médias empresas a serviços essenciais para protegerem suas inovações.
Nos últimos doze meses (abril de 2012 a março de 2013) foi financiada a contratação de 461 serviços tecnológicos, somando cerca de R$ 5,1 milhões. "As contratações têm-se mostrado estáveis nos últimos três anos", diz Ribeiro. Os serviços de avaliação de conformidade representaram cerca de 72% desse total, e reúnem ações como calibração (RBC), ensaios (RBLE), organismo de certificação designado (OCD) - Anatel e sistemas de gestão da segurança de alimentos (OHC). Já o setor fabricante de equipamentos médicos, com cerca de 13% do total contratado, foi o ramo que mais utilizou o financiamento para esses serviços especializados.
Outra forma de apoio às MPEs é por meio de participação acionária. A BNDESPar tem uma carteira expressiva e crescente de micro e pequenas empresas, até mesmo empresas de capital semente que recebem aporte de capital tanto diretamente quanto por meio de fundos.
Sócios
Fora dos créditos oficiais, a saída para muitos é abrir sociedade. "Com relação a outras fontes de financiamento de ideias inovadoras, o conceito de investimento-anjo poderá no futuro ser uma alternativa complementar. No Brasil existe um interesse crescente sobre o tema, principalmente a partir da criação da São Paulo Anjos, em 2007, da divulgação que conseguiu sobre o tema e da experiência e aprendizado que levou a diversas pessoas que hoje atuam direta ou indiretamente no mercado na área", diz Oliveira. Para ele, no entanto, assim como ocorreu com outros segmentos de mercado, mecanismos que equalizem a relação risco-retorno precisam ser criados para o segmento sob o risco de não despontarem investimentos em maior escala sob esse tema.
Nem todos aprovam a ideia. "Não quis sócios-investidores e hoje não me arrependo, porque com a crise do início dos anos 2000, eu teria dois problemas, o mercado parado e um sócio no meu pé, querendo recuperar o que pôs na empresa", diz Carvalho, da Fotônica.
"O volume oferecido para inovação é insuficiente, há poucas fontes de crédito e o empresário nem sabe da existência de entidades como a Finep, a maior de todas", diz Feldmann, da FecomércioSP, que defende, entre outras ações imediatas, a ampliação massiva dos centros de pesquisa, desenvolvimento e inovação (PD&I), como incubadoras e polos tecnológicos. "Assim, seguiríamos exemplos de países que avançam muito mais do que o Brasil na inovação", completa Feldmann.
Sebrae
Centros de PD&I resolveriam uma das maiores barreiras para o empreendedor inovador. "O desafio é a falta de conhecimento do empresário sobre os recursos disponíveis. E os poucos que rompem essa barreira se deparam com a próxima, a falta de capacitação para elaborar um projeto adequado", diz João Carlos Natal, consultor do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae).
A entidade aporta R$ 1,3 bilhão no Inova Empresa, como parte do Direcionamento Estratégico 2013-2022, para investir no desenvolvimento de projetos de inovação e tecnologia pelos pequenos negócios, nos próximos quatro anos. A média anual será de R$ 250 milhões.
E os atendimentos na área de inovação e tecnologia só crescem. "Enquanto em 2010 foram atendidas 40.135 empresas, em 2012 fechamos com 126.534 empresas atendidas. Nos últimos dois anos, foram efetivados investimentos em torno R$ 80 milhões no Sebraetec, principal programa do Sebrae dedicado a viabilizar a inovação nos pequenos negócios, em parceria com provedores de tecnologia em todo o País", diz o diretor técnico do Sebrae, Carlos Alberto Santos.
O valor médio dos projetos Sebraetec é de R$ 3.200, com a participação do empresário de R$ 640. O prazo médio das consultorias é de três meses.
Um dos destaques do Sebraetec são os Estudos de Viabilidade Técnica e Econômica, que permitem aos empresários justificar tecnicamente seus projetos. O programa se consolidou como uma plataforma de soluções tecnológicas para os pequenos negócios, atingindo uma escala expressiva de empresas atendidas. Isso foi possível, principalmente, com a ampliação dos fornecedores de serviços tecnológicos cadastrados no programa - atualmente são 1.255 instituições de ciência e tecnologia, laboratórios, empresas de consultoria privadas e organismos certificadores. É a principal rede de serviços tecnológicos do País.
As empresas atendidas pelo Sebrae em projetos de inovação são dos mais diversos setores: agronegócio, comércio, serviço e indústria, com destaque para esse último, em especial, nos segmentos de alimentos e bebidas e construção civil.
"Quando passam pelo Sebraetec, geralmente os empresários conseguem se capacitar para obter o financiamento", diz Natal. Outra ação do Sebrae que vem ganhando destaque é o programa Agentes Locais de Inovação (Ali), parceria com recém-formados em curso superior que prestam consultoria de forma gratuita para os empresários.
"No Brasil, há distanciamento enorme entre a universidade e empresa. Em outros países, este apoio é disseminado porque um precisa do outro", diz Feldmann.
Sondagem
Levantamento da consultoria francesa Global Approach Consulting (GAC), com base nos dados do relatório do governo federal, mostra que nos últimos cinco anos 648 iniciativas não foram qualificadas para usufruir os benefícios da Lei do Bem, de 2005, que consolidou os incentivos fiscais que as pessoas jurídicas podem usufruir de forma automática desde que realizem pesquisa tecnológica e desenvolvimento de inovação tecnológica.
Foram R$ 200 milhões em projetos recusados. "Demonstra como as companhias precisam elaborar relatórios consistentes e de acordo com as exigências, inclusive internacionais", explica André Palma, diretor da GAC Brasil.
Peneiras
Basicamente, a inovação tem três peneiras. A primeira é a pré-produção - na qual são feitas a produção de protótipos, testes em planta piloto e estudos para lançamentos de mercado -, tão espinhosa que alguns empreendedores a chamam de "Vale da Morte", por conta do alto custo e risco.
A segunda, a produção industrial, na qual os recursos para a compra de máquinas e equipamentos são mais significativos e a probabilidade de sucesso na fase inicial é baixa.
A terceira encerra todas as etapas voltadas para a comercialização. São processos igualmente caros, por conta de testes de regulação e outras ações de adequação aos pontos de venda.
"A praxe no Brasil é que para cada uma destas fases, o empreendedor peça um financiamento, o que aumenta o risco de entraves", diz Carlos Calmanovici, presidente da Associação Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento das Empresas Inovadoras (Anpei).
"É raro, mas se o empreendedor nos apresentar um projeto que contemple todas as fases, o financiamento terá abordagem sistêmica, que é o mais desejável", diz Coelho, da Finep.
Global
Segundo levantamento da Associação Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento das Empresas Inovadoras (Anpei), o mundo vai gastar cerca de US$ 1,3 trilhão em P&DI neste ano. Estados Unidos, Japão e China respondem por US$ 700 bilhões do total. O Brasil investirá US$ 25 bilhões.
Quando o assunto é incubadora, o desempenho continua constrangedor. Israel tem perto de 400 incubadoras e população de sete milhões de habitantes. A cidade de São Paulo tem 11 milhões de habitantes e só uma incubadora, o Cietec, na Universidade de São Paulo (USP). Nas patentes, o vexame continua. Em 2012, o Brasil registrou 500 patentes na USPTO, espécie de cartório internacional das patentes. O número significa menos de 0,25% do total mundial, que foi de 200 mil.
Aqui mesmo na América Latina há bons exemplos de melhores performances. O Chile caminha rapidamente para transformar a capital, Santiago, numa espécie de novo Vale do Silício (região da costa oeste norte-americana que reúne as gigantes de informática e eletrônica). O vetor é o Programa de Incentivos Fiscais Start-up Chile, aberto a empresas de alta tecnologia, que estejam em fase inicial, vindas de qualquer país.
A iniciativa já rendeu perto de 300 parcerias, azeitadas pelo governo de Santiago, que além das isenções fiscais, facilita a intermediação para a obtenção de financiamento e estimula a integração com os centros de ensino superior para fornecimento de mão de obra qualificada.
Segundo Feldmann, da FecomercioSP, os brasileiros não estão nem entre as 30 nações campeãs de inovação global.
"A posição do Brasil é incompatível com a importância do País, a sexta economia mundial. Caminhamos em velocidade lenta e estamos nos distanciando dos países competitivos", diz Carlos Calmanovici, da Anpei.
Informações
Os pequenos empresários com projetos de inovação podem obter mais detalhes sobre linhas de crédito nos sites dos agentes de fomento como Finep (http://www.finep.gov.br/), Sebrae (http://www.sebrae.com.br/customizado/inovacao), Fapesp (http://www.fapesp.br/6) e BNDES (http://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/bndes/bndes_pt/Areas_de_Atuacao/Inovacao/).