Diante da iminente piora da má reputação do Brasil com a votação de projetos de lei que ameaçam o meio ambiente e de perdas com a pior crise hídrica do século, um grupo de mais de cem empresários e personalidades assinou uma carta enviada nesta quarta-feira, 23, ao presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), pedindo que o Legislativo vete três Pls da área ambiental defendidos pela gestão Jair Bolsonaro.
Entre os projetos, está o que modifica a demarcação de territórios indígenas e permite o estabelecimento de atividades como a mineração nessas áreas. Nessa terça-feira, 22, indígenas e a Polícia Militar do Distrito Federal entraram em confronto na frente da Câmara e a votação do projeto ficou para esta quarta. Além dele, estão o PL o que altera o Sistema Nacional de Unidades de Conservação e cria a categoria de “estrada-parque” e o PL de regularização fundiária de ocupações em terras da União (chamado de PL da Grilagem).
Na carta, a qual o Estadão teve acesso, o grupo argumenta que a destruição das florestas está ligada a mais uma crise hídrica enfrentada pelo País e suas consequências para a indústria nacional. Com reservatórios em níveis preocupantes e aumento da tarifa de energia elétrica, os produtos e bens de consumo ficam mais caros, as margens de lucro e faturamento menores, além dos racionamentos e apagões que surgem no cenário nacional.
“Nossos parlamentares, na sua maioria negando fatos cientificamente comprovados, estão prestes a aprovar projetos de lei que alteram profundamente a legislação ambiental, já sacramentada por vários governos e décadas de discussões, os quais agravarão sensivelmente esta já calamitosa situação”, diz a carta.
O documento é assinado por empresários e nomes do mercado financeiro e da academia como Cândido Bracher (ex-presidente do Itaú), Walter Schalka (presidente da Suzano), José Olympio da Veiga Pereira (presidente do Credit Suisse), Celso Lafer (professor emérito da USP, ex-ministro das Relações Exteriores e presidente da Fapesp), Horácio Lafer Piva (acionista da Klabin e ex-presidente da Fiesp) e Luiz Fernando Furlan (ex-ministro ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior).
A lista também tem nomes como Giem Guimarães (acionista e conselheiro do Grupo Positivo e diretor executivo do Observatório de Justiça e Conservação), Guilherme Leal (cofundador e copresidente do conselho de administração da Natura) e Nelson Sirotsky (ex-presidente do Grupo RBS e atual membro dos conselhos de administração e de acionistas). Entre as personalidades, estão ainda artistas como Christiane Torloni e o cineasta Fernando Meirelles.
“O empresariado esclarecido está muito conectado com as medidas do Congresso, principalmente porque trabalha internacionalmente e isso prejudica muito nossos negócios”, diz Giem Guimarães, do Grupo Positivo. “O Lira (presidente da Câmara) não está dialogando com a sociedade, mas com a bolha dele.”
A repercussão dos projetos de lei que podem ser aprovados no Legislativo brasileiro é a pior possível. O PL 490/2017, que modifica a demarcação de territórios indígenas, por exemplo, retira do Palácio do Planalto a competência de definir a demarcação de terras indígenas e a transfere para o Congresso.
O texto do relator, deputado Arthur Maia (DEM-BA), estabelece um marco temporal para definir o que são as terras demarcadas como território indígena. Segundo a proposta, serão consideradas assim as áreas que em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição, eram habitadas em caráter permanente por índios ou usadas para atividades produtivas e obrigatórias para a preservação dos recursos ambientais necessários à existência dos povos nativos.
Outro que causa polêmica é o Projeto de Lei 984/19, que altera o Sistema Nacional de Unidades de Conservação e cria a categoria de “estrada-parque”. Ele abre caminho para a criação de uma estrada no meio do Parque Nacional do Iguaçu (PR), onde estão localizadas as Cataratas do Iguaçu. Resultado da seca, as imagens do maior conjunto de quedas d’água do mundo com baixíssimo volume correram o País e o mundo neste mês.
O projeto é de autoria do deputado Vermelho (PSD-PR). A nova rota em meio à última grande reserva da Mata Atlântica do interior do País já tem até nome. Deve se chamar “Estrada-Parque Caminho do Colono no Parque Nacional do Iguaçu”.
A “estrada do Colono” já existiu no local e foi fechada há mais de duas décadas por decisão judicial. Tratava-se de uma rota ilegal aberta no meio do parque. A Justiça considerou que ela era um vetor de desmatamento, caça, contrabando, tráfico de armas e drogas, entre outras atividades ilegais.
As Cataratas do Iguaçu são consideradas Patrimônio Natural da Humanidade pela Unesco, ligada à Organização das Nações Unidas (ONU). “Qual o sentido de tratar como urgência uma estrada em um parque nesse momento de pandemia?”, diz Guimarães. “O único sentido é o da negociata.”
Os danos potenciais do “PL da Grilagem” não ficam muito atrás, afirma a carta. Os empresários consideram que é “outro gravíssimo risco aos negócios brasileiros, pois anistiará usurpadores e desmatadores de milhares de hectares de terras públicas”. Eles afirma que o prejuízo para o empresariado brasileiro já está anunciado. “Mais de 300 mil europeus assinaram um pedido de boicote aos produtos brasileiros caso o PL não seja retirado de pauta”, de acordo com o documento.
O grupo argumenta que a pandemia de covid-19 deveria ser o momento de inflexão da política ambiental brasileira e que o avanço sobre áreas verdes nos deixará mais expostos a novas doenças. “Será que não aprendemos nada com esta macabra pandemia e mais de meio milhão de brasileiros mortos?”, diz a carta.
Desde 2019, o presidente Jair Bolsonaro e o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, têm sido alvo de críticas internacionais após o avanço do desmatamento na Amazônia e de queimadas na floresta e em outros biomas, como o Pantanal. Segundo a assessoria de Lira, o documento ainda será analisado. Procurado, o Ministério do Meio Ambiente não se manifestou.
Confira a carta na íntegra:
RETROCESSOS AMBIENTAIS: UM PÉSSIMO NEGÓCIO PARA O BRASIL E PARA O DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL
Dirigimo-nos, aqui, aos nossos colegas empresários e profissionais liberais de todo porte, sobre um sério agravamento da situação econômica, que está prestes a ser provocado prioritariamente pela classe política brasileira, particularmente protagonizada aqui pelos poderes Legislativo e Executivo.
Estamos vivendo a maior crise hídrica do século. O racionamento de água já é uma realidade em várias regiões. A falta de chuvas está afetando profundamente os níveis dos reservatórios, fazendo com que a tarifa de energia elétrica aumente consideravelmente. Esse aumento será repassado ao seu custo de produção. Seus produtos ficarão mais caros, o que afetará suas margens e seu faturamento.
Além disso, com reservatórios secos, o racionamento de energia e possíveis apagões não podem ser descartados.
Como as florestas são verdadeiras fábricas de água, sua destruição está diretamente ligada à diminuição do regime das chuvas. Nossos parlamentares, na sua maioria negando fatos cientificamente comprovados, estão prestes a aprovar projetos de lei que alteram profundamente a legislação ambiental, já sacramentada por vários governos e décadas de discussões, os quais agravarão sensivelmente esta já calamitosa situação.
Os Projetos de Lei 984/2019, 490/2007 e 2633/2020, entre outros, têm em seu bojo amplas características de retrocesso nesse sentido. Além de provocar enorme insegurança jurídica, pois vão contra decisões transitadas em julgado e a Constituição Federal em seu artigo 225, podem trazer prejuízos irreversíveis às empresas brasileiras e sua imagem perante o mundo.
O PL 984/2019, por exemplo, é um dos maiores retrocessos dos últimos tempos. Ele interfere no Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), criando a categoria “estrada-parque”. No mundo desenvolvido, “estradas-parque” são instrumentos que favorecem a conservação, para proteger paisagens lineares e biodiversidade. O PL 984, porém, distorce o conceito, pois permite o desmatamento para abertura de estradas em áreas protegidas por lei, como parques nacionais. Estamos falando de sujeitar mais de 2500 unidades de conservação à abertura de estradas, com nossa combalida fiscalização. Isso permitirá a destruição de áreas ambientalmente frágeis, como as florestas do Parque Nacional do Iguaçu, último grande remanescente de Mata Atlântica Estacional do Sul do Brasil.
O PL 2633/2020, conhecido como o “PL da Grilagem”, é outro gravíssimo risco aos negócios brasileiros, pois anistiará usurpadores e desmatadores de milhares de hectares de terras públicas. Aqui o prejuízo para o empresariado brasileiro já está anunciado por nossos clientes mundo afora. Mais de 300 mil europeus assinaram um pedido de boicote aos produtos brasileiros caso o PL não seja retirado de pauta.
O PL 490/2017 produzirá profundas consequências para os brasileiros originais, nossos irmãos indígenas. Ele inviabiliza a demarcação de territórios indígenas e coloca em risco a integridade de territórios já demarcados. Ele abrirá caminho para a descaracterização cultural e ambiental dessas regiões, pois abre possibilidades de mineração em suas terras, algo que certamente trará terríveis consequências de toda ordem a povos isolados e totalmente desassistidos pelo Estado.
A pandemia nos trouxe duros aprendizados, não podemos insistir no erro. O avanço das fronteiras humanas sobre áreas verdes exporá a nossa espécie a novas doenças. A invasão e destruição de áreas verdes até então protegidas colocarão milhares de pessoas em contato com uma infinidade de vírus e outros agentes patogênicos que hoje estão em áreas restritas. A possibilidade do surgimento de uma nova epidemia, ou mesmo de uma nova pandemia, é muito real. E, se isso acontecer, o Brasil vai voltar a parar. Já sentimos na nossa pele, nas nossas perdas pessoais, e também nos nossos negócios. Será que não aprendemos nada com esta macabra pandemia e mais de meio milhão de brasileiros mortos?
Estamos em 2021, o mercado financeiro e o mundo moderno desejam o desenvolvimento sustentável, seja através de negócios de impacto, investindo em ESG ou respeitando políticas de compliance. Sabemos que todo país carrega consigo uma imagem, que também funciona como uma espécie de marca. As imagens de nossas florestas queimando ou tombando, que circulam pelo planeta, representam um estrago significativo à nossa reputação externa. E isso piora sensivelmente nossas oportunidades no campo do comércio e das relações internacionais.
Nossa atratividade e retenção de mão de obra também sairão prejudicados. Afinal, um executivo e sua família preferirão viver em um lugar com qualidade de vida ou num país cuja marca está relacionada a queimar e “grilar” a Amazônia, além de destruir nossos parques? E o que dizer da insegurança jurídica provocada por legislações absolutamente casuísticas, que mudam a qualquer momento?
Não bastassem os aumentos de custos diretos e indiretos provocados por esses retrocessos legislativos e ambientais, essas iniciativas vão contra as boas práticas do empreendedorismo contemporâneo mundial. Isso nos sujeita, inclusive, a possíveis sanções econômicas de grandes parceiros comerciais, como os Estados Unidos e a Europa.
Não podemos deixar que projetos de lei irresponsáveis, que mascaram interesses de lobbies regionais, tragam prejuízos para nossas empresas e aos 210 milhões de Brasileiros. Portanto, pedimos aos nossos colegas empresários e profissionais liberais, que exerçam seu direito cívico de manifestação contrária a esses anacronismos que, além de irracionais, são em grande parte imorais e inconstitucionais.
Assinam esta manifestação o seguinte grupo de empresários e intelectuais, preocupados com os caminhos que o Congresso pode tomar:
Adalberto Sanches dos Santos
Alex da Riva
Alexandre Bossi
Alexandre Gama
Alexandre Ribeiro da Motta
Alice Ferraz
Ana Carmen Rivaben Longobardi
Ana Clara Rena de Souza
André Felippe Zanonato
Antonio Augusto Orcesi da Costa Filho
Betiza Soares dos Santos
Bobby Bettenson
Bruno Wendling
Candido Bracher
Carlos Augusto Gugelmin
Carlos Werneck
Carmel Croukamp
Carolina Candida de Lima Barros
Cássio Caleb Lima
Célia Pompeia
Celso Lafer
Christianna Teixeira
Christiane Torloni
Clara Luz Braga Sant´Anna
Cláudia Campos Baumgratz
Cláudio Campello Falcão
Cláudio Carvalho
Christophe Allain
Daniela Montingelli Villela
Danielle Cunha Fortes
Danielle Ribeiro Giannini
Edgar Gleich
Edgard Safdie
Edrei Augusto Ascencio
Eduardo Marson Ferreira
Eduardo Piva
Elenice Pereira
Elisabete Arbaitman
Emiliane Gerbasi Ricci
Evelyn Gavioli
Ezra Negrin
Fábia Raquel Ferreira
Fabiana Caricati Boaretto
Fábio Alperovitch
Felipe Anselmo Olinto
Felipe Santos Pereira
Fernando Meirelles
Fernando Perrone
Fernando Pires Martins Cardoso
Firmin Antônio
Flávia Velloso
Franciele Gomes de Souza
Francisca Nacht
Francisco Carlos Mazon Francisco Lafer Patti
Giem Guimarães
Giuliano Giusti
Guilherme Alvarez de Toledo Padilha
Guilherme Leal
Heloisa Pedra Aparecida do Prado
Heloísa Garrett
Henrique Nadolny Hertel
Horácio Piva
Ieda Godoy
Irlau Machado Filho
Isacco Douek
Israel Vainboim
Jaime Antônio de Oliveira Prado
Jair Ribeiro da Silva Neto
Jane Maria Fatima de Assis
Jarbas Marques
Jorge Frederico Magnus Landmann
José Olympio da Veiga Pereira
June Locke Arruda
Kathelyn Nunes da Silva Santos
Latif Abrão Junior
Lisa Maria Alvim Pena Canavarros
Luis Stuhlberger
Luiz Alberto Del Vigna Ferreira
Luiz Antunes Maciel Mussnich
Luiz Furlan
Marcello Brito
Marcelo Machado
Marcelo Kayath
Marcos Peretti Maranhão
Marcus Paiva
Maria Camila Giannella
Maria Gabriela Peretti Gurtensten
Maria Teresa Etrusco Vieira
Mariana Moraes de Barros
Marina Marchezini Lopes
Marilia Razuk
Mário Anseloni
Mário Haberfeld
Marcos Chaves Ladeira
Marcos Peretti Maranhão
Martin Frankenberg
Mateus Couto Passos
Maurício Ramos
Max Lean
Melissa Fernandes Oliveira
Miguel Serediuk Milano
Mikael de Andarahy Faria Castro
Mônica Guimarães
Mônica Lima da Rocha
Morris Safdie
Nancy Ashimine
Nelson Sirotski
Neide Helena de Moraes
Nilo Biazetto Neto
Nilton Saraiva
Oswaldo Pereira de Barros
Patricia Kisner Leone
Patricia Verderesi Schindler
Paulo Dalla Nora Macedo
Paulo Proushan
Paulo S. C. Galvão Filho
Pedro Camargo
Pedro Treacher
Pollyana Pugas Dias
Priscila Nagem Cardoso Marques
Raquel Machado
Ricardo Assumpção
Roberto Pedote
Roberto Gianneti
Roberto Haberfeld
Roberto Klabin
Roberto Teixeira da Costa
Rodolfo Viana
Rodrigo Leonardo Pereira de Almeida
Rodrigo Meister de Almeida
Roger de Barbosa Ingold
Sérgio Haberfeld
Silvia Costa da Costa
Simone Scorsato
Sônia Grosso
Sumeet Singh Dhillon
Tatiana Costa
Teriana Gandelim Selbach
Thais Mota Rodrigues
Thaynara Siqueira Baumgartner
Tulio Viaro
Vinicius de Souza Viegas
Vinícius Martins
Virgínia Klenner Peluffo
Vitor Domingos Robbi
Walter Schalka
Wania Gaspar Martins do Prado
Wellington Fonseca de Melo
Wolney Betiol
Yacoff Sarkovas
https://sustentabilidade.estadao.com.br/noticias/geral,empresarios-e-executivos-do-mercado-financeiro-apelam-a-lira-contra-retrocessos-ambientais,70003756324
Estadão