As embalagens utilizadas no tráfego de insumos dentro de uma cadeia produtiva não são, em geral, reutilizadas. Essa prática impacta custos, já que gera um volume considerável de resíduos a ser descartado, e vai na contramão de iniciativas comprometidas com a sustentabilidade. Foi exatamente aí, nesse hiato de racionalidade da atividade produtiva, que a Reciclapac enxergou uma oportunidade de negócio.
A empresa foi criada em 2013 com o objetivo de oferecer às indústrias uma alternativa de reúso de embalagens. Abrigada no Centro de Inovação, Empreendedorismo e Tecnologia (Cietec), e com apoio do Programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (PIPE), a Reciclapac testou a viabilidade técnica da ideia e desenvolveu uma metodologia de reutilização de embalagens de madeira e papelão em alta escala.
“Fizemos o teste de conceito na MWM, fabricante de motores diesel”, conta Rogério Machado, CEO da empresa. “A empresa importava insumo de fornecedores europeus, descartava as embalagens e utilizava outras, novas, para enviar as peças para o centro de distribuição em Jundiaí e novamente descartava e comprava embalagens novas para envio aos clientes.”
A proposta de reutilização de embalagens, implementada na Fase 2 do PIPE, envolvia a abertura cuidadosa das embalagens – “o pé de cabra foi substituído pela desparafusadeira” – e o convencimento dos trabalhadores envolvidos na mudança de fluxo da reciclagem para um plano de reaproveitamento das caixas de madeira. “Chegamos a patentear uma embalagem de madeira sem pregos, sem parafusos, montada por encaixe, como se fosse um Lego”, ele conta. “Em um ano de utilização dessa técnica conhecida como upcycling, a MWM economizou R$ 1 milhão e reduziu os resíduos em 70%.”
Embalagens retornáveis
Além de embalagens potencialmente reutilizáveis, o setor automotivo utiliza também embalagens retornáveis no fluxo de produtos que transitam entre centenas de fornecedores e a montadora. “Trata-se de um ativo caro”, sublinha Machado. Uma grande montadora, por exemplo, com centenas de fornecedores, precisa gerir milhares de caixa em trânsito de mão dupla. “E o risco de extravio e de interrupção de linha de produção é grande”, ele diz.
Também aí a Reciclapac identificou uma oportunidade de negócio. Esse insight ocorreu durante o período de treinamento em Empreendedorismo de Alta Tecnologia, o PIPE Empreendedor, oferecido pela FAPESP com o objetivo de alinhar os projetos inovadores às demandas do mercado, aumentando as chances de sucesso da empreitada. “Fizemos cerca de 100 entrevistas e constatamos que a principal dor das empresas do setor automotivo consultadas era a gestão de embalagens logísticas retornáveis.”
Em 2015, a Reciclapac submeteu proposta ao Edital Senai de Inovação para o desenvolvimento de projeto para o gerenciamento de embalagens retornáveis. “Pesquisamos tecnologias emergentes para desenvolver embalagens inteligentes. Para tanto, utilizamos dispositivo eletrônico que se comunica por meio de sistema desenvolvido pela Reciclapac que envolve redes e tecnologia de internet das coisas (IoT)”, ele explica.
O teste de conceito foi realizado na General Motors do Brasil (GM). Além de localização da embalagem, a plataforma criada pela Reciclapac oferece, por exemplo, informações sobre o tempo de trânsito entre a fábrica e o fornecedor, tempo de permanência na fábrica, entre outras. “A embalagem se comunica com a montadora”, resume Machado.
Outras empresas aderiram ao teste de conceito: a montadora Nissan, a Case New Holland (CNH), fabricante de veículos pesados, e a Cebrace, produtora de vidros planos, joint venture do grupo francês Saint-Gobain e do japonês NSG. “A Cebrace, por exemplo, entrega vidros planos transportados em cavaletes para mais de 500 clientes. Com o sistema da Reciclapac é possível visualizar onde esses cavaletes estão”, afirma.
Embalagem inteligente
Em março deste ano, a Reciclapac teve aprovado mais um projeto PIPE Fase 2, de desenvolvimento de embalagens inteligentes. “O nosso objetivo é utilizar conceitos da indústria 4.0 para fazer com que os racks se comuniquem com os integrantes da cadeia produtiva, dando visibilidade em tempo real da localização e fluxo de embalagens e produtos”, explica. O projeto encerra no início de 2020. “Nos primeiros PIPEs, o foco era a logística. Agora, o foco será a manufatura, a embalagem conversando com o robô.”
Em cinco anos, desde a sua criação, a empresa cresceu. “Dobramos o número de funcionários: éramos quatro; agora somos oito”, diz Machado. E, neste ano, a Reciclapac começou a gerar receita. “Em 2017, o faturamento foi de R$ 20 mil. Nos seis primeiros meses de 2018, já faturamos R$ 500 mil. Se tudo der certo, fecharemos o ano ultrapassando a casa do R$ 1 milhão”, prevê Machado.
Neste estágio de crescimento, o grande desafio é ganhar escala. “Há demanda para conectar 20 mil racks no curto prazo, e precisamos gerir o fluxo de caixa para comprar dispositivos eletrônicos”, diz. Machado não crê que, nesse momento, a solução seja buscar um investidor. “É complicado fazer a avaliação de uma empresa com faturamento não consolidado. Antes de qualquer coisa, temos que focar no faturamento.”