O modal de transporte ferroviário tem como característica básica o alto custo de operação e a grande exigência de capital para construção e manutenção das vias. Assim, para se tornar viável economicamente, precisa transportar grande quantidade de produtos por grandes distâncias.
Para atender o aumento da demanda pelo transporte os operadores de ferrovias podem investir na ampliação da malha ferroviária, duplicando ou construindo novas linhas.
Essa estratégia tem um alto custo devido às grandes distâncias percorridas pelos trens. Uma alternativa é buscar soluções que permitam o uso otimizado dos recursos já implantados, planejando de forma eficiente os cruzamentos entre os trens, os tempos de parada, as necessidades de manutenção da malha e a alocação de equipes de maquinistas.
A maior parte das ferrovias faz esse planejamento manualmente, ou utilizando ferramentas de otimização matemática tradicional. O problema surge quando ocorre uma situação imprevista. E elas não são raras.
Adicionalmente, o controle de operação tem uma grande quantidade de variáveis que se interconectam, e isso aumenta as chances de problemas, pois uma variável pode comprometer todo o sistema, provocando atrasos altamente onerosos para a empresa.
A falha de um trem ou a interdição de um trecho da malha, por exemplo, exige a reestruturação de todo o planejamento. “Em geral, ferramentas que utilizam métodos de otimização tradicionais podem levar horas para calcular um resultado. Já a solução da CFlex calcula uma solução viável em alguns segundos”, afirma Plínio Roberto Souza Vilela, professor da Faculdade de Tecnologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e pesquisador responsável pelo projeto Meta Planning Engine, desenvolvido pela CFlex.
Apoiado pelo Programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (PIPE), da FAPESP, a empresa concluiu a Fase 1 do projeto em 2014 e a Fase 2 está em andamento. O Meta Planning Engine oferecerá ao mercado ferroviário nacional e internacional uma solução para a gestão da circulação de trens. A ideia é conferir ao software atualmente utilizado para calcular as rotas dos trens na malha ferroviária – e que hoje opera com apenas um algoritmo – a capacidade de escolher o melhor algoritmo dentre vários disponíveis. “O software buscará sempre utilizar o melhor algoritmo poss&iacut e;vel, dentre aqueles disponíveis, para resolver qualquer situação de circulação”, explica Vilela.
O pesquisador faz analogia com o motor de um carro para explicar a vantagem do novo sistema: “Imagine um carro com motor flex; embora ele possa funcionar com combustíveis diferentes, ele não é totalmente otimizado nem para álcool, nem para gasolina. Ao conseguir que o software tenha vários algoritmos à disposição, é como se estivéssemos produzindo um carro com dois motores, ou seja, com a capacidade de escolher o melhor motor para cada situação e, assim, funcionar sempre com o máximo de eficiência”. Segundo Vilela, essa flexibilidade do software é qualidade fundamental quando se tem a complexa tarefa de controlar a circulação de trens em uma ferrovia.
A CFlex foi criada em 1996 como spin-off da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). A empresa já tem presença no mercado ferroviário nacional e internacional com sistemas computacionais que apoiam tomadas de decisão a partir da análise de um grande número de variáveis.
O CFlex Movement Planner, produto desenvolvido e comercializado pela CFlex, tem essa capacidade e atende grandes empresas no Brasil e no exterior. Seus principais clientes são mineradoras que operam trens para escoar a produção das minas para os portos. O maior cliente atualmente é a Rio Tinto, uma mineradora que atua principalmente na Austrália.
Com o Meta Planning Engine, desenvolvido com apoio da FAPESP, o pesquisador espera resultados ainda melhores. “Poderemos entregar o sistema com vários algoritmos diferentes, previamente instalados, e a ferramenta será capaz de escolher o melhor a ser utilizado em cada situação”, diz ele.
“Por exemplo: suponha que estamos em um período de alta demanda de minério e por isso temos muitos trens circulando na malha; essa situação pode exigir o uso de um algoritmo que tenha sido construído especificamente para operar bem nessa situação. A ferramenta irá automaticamente detectar que esse algoritmo fornece resultados melhores e passará a utilizá-lo. Se a situação de demanda mudar, o sistema novamente reconhecerá essa mudança e um algoritmo diferente do anterior poderá ser selecionado. Portanto, a grande vantagem é o aumento da flexibilidade e adaptabilidade da solução em tempo real.”
A empresa já tem uma versão do novo software em fase de testes realizados em laboratório. Segundo o pesquisador, em alguns meses serão feitos testes em situação real, como, por exemplo, na ferrovia da empresa Rio Tinto operando na Austrália. Também está pronto o plano de comercialização para os próximos dois anos, para o qual a empresa requisitará apoio da FAPESP. “Estamos na metade da Fase 2 e, como já temos resultados interessantes, a CFlex já está se inscrevendo na Fase 3”, informa Vilela.
Investimento em pesquisa
Para Plínio Vilela, o principal diferencial da CFlex tem sido, desde o início, o investimento em pesquisa, buscando a parceria de pesquisadores e universidades.
Doutor em Engenharia Elétrica (Automação) pela Unicamp, Vilela atua na empresa desde 2013, valendo-se da experiência adquirida tanto na área acadêmica quanto empresarial. “Sempre tive a intenção de seguir a carreira acadêmica. Mas ao final do doutorado acabei me mudando para os Estados Unidos para trabalhar no centro de pesquisas de uma empresa da área de telecomunicações”, lembra ele.
De volta ao país, Plínio Vilela atuou como diretor de Pesquisa e Desenvolvimento da CFlex e, mais recentemente, voltou à docência, na Unicamp, ao mesmo tempo em que segue trabalhando na empresa como consultor em projetos de fomento, como o que coordena atualmente. “Para a empresa, é bom contar com um pesquisador que já tenha trabalhado no mercado, ou um gestor que já tenha atuado na área acadêmica e consiga ligar as duas áreas – o que é raro no Brasil, em especial porque o ritmo da universidade e empresa é muito diferente.”
Ele considera que, às vezes, o pesquisador brasileiro não entende o timing empresarial, enquanto nos Estados Unidos o docente passa boa parte de seu tempo na empresa e, assim, entende suas necessidades. O empresário, por sua vez, busca não apenas os resultados rápidos que atendam ao mercado, mas também investe nas pesquisas com resultados em médio e longo prazos.
É essa integração – facilitada por projetos de fomento – que ele gostaria de ver com mais frequência no Brasil. Vilela avalia que não é muito fácil “passar pelo crivo da FAPESP”. Por isso, a empresa que se inscreve no programa PIPE busca não apenas o apoio financeiro, mas, também, benefícios indiretos como o ganho de experiência e, mesmo, a projeção no mercado. “Dedicar tempo à pesquisa é essencial para a empresa que pretende se manter à frente no mercado”, declara.