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Empreendedor

"Empreender está, no DNA do brasileiro"

Publicado em 01 agosto 2003

O avanço do empreendedorismo é fundamental para fortalecer a economia de qualquer país, pois alavanca o desenvolvimento regional e torna-se uma alternativa para o desemprego. Sobre esse tema, Armando Correa Tupiniquim, consultor, palestrante e professor de MBA na Media Marketing School (MMS), nas áreas de Desenvolvimento Gerencial e Negociação Avançada, avalia as principais contribuições e iniciativas do empreendedorismo para o desenvolvimento regional. "Podemos relacionar hoje muitas iniciativas regionais da ação empreendedora que vão traçando perfis notáveis com contornos nacionais", afirma. Tupiniquim também analisa, nesta entrevista, quais os principais fatores que fazem do povo brasileiro um dos mais empreendedores do mundo. Para o consultor, há uma enorme disposição, uma habilidade nata e sobretudo muita criatividade do brasileiro para superar crises e dificuldades. Mas, segundo ele, é necessário fazer um planejamento adequado do negócio para que o empreendimento seja bem-sucedido. Por isso, indica o que deve ser priorizado no planejamento de um negócio para construir e gerenciar empresas de sucesso e conta quais são as perspectivas do empreendedorismo no país. Empreendedor - O Brasil é um dos países mais empreendedores do mundo, estando em 7º lugar no ranking mundial de empreendedorismo. Quais os principais fatores e características que fazem do povo brasileiro um dos mais empreendedores do mundo? Armando Correa Tupiniquim - Se analisarmos a evolução política e econômica no Brasil sob uma perspectiva histórica, veremos que já estão arraigadas no DNA do povo brasileiro uma enorme disposição, uma habilidade nata e sobretudo uma criatividade esplêndida para superar crises e dificuldades. O enfrentamento de inúmeras crises monetárias e cambiais, a luta interminável para o controle da inflação, o esforço descomunal para resgatar uma dívida social que remonta à época do descobrimento, as desigualdades inomináveis que permeiam o acesso à educação, cultura e saúde pública, e muitas outras questões não menos importantes. Definitivamente, o povo brasileiro ocuparia o primeiro lugar num ranking mundial de sobrevivência se houvesse um. Obviamente que a criticidade destes fatores históricos compõe um cenário permanente de superação, e dele resultam brasileiros realizadores com foco em resultados; planejadores com uma visão articulada de curto, médio e longo prazos; empreendedores com senso de realidade, sempre prontos a desenvolver ajustes criativos e eficazes; profissionais comprometidos com objetivos que são sempre desafiadores; pessoas determinadas a fazer do sucesso um caminho no rumo de suas metas; fartura de disposição e energia mesclada com um gosto genuíno pelo lidar com gente; aí então temos um resumo das principais características que nos fazem um povo tão empreendedor. Empreendedor - Com base nessas características, quais as principais contribuições e iniciativas do empreendedorismo para o desenvolvimento regional? Tupiniquim - Notadamente o crescimento e o fortalecimento das economias regionais, respeitadas as suas características peculiares. Podemos relacionar hoje muitas iniciativas regionais da ação empreendedora que vão traçando perfis notáveis com contornos nacionais. Pólos de alta tecnologia deixaram de ser uma exclusividade da região Sudeste brasileira e hoje podem ser encontrados nas regiões Sul e Norte e também no Nordeste do país. Fronteiras agrícolas vão sendo empurradas por todo o país e a produção de grãos bate sucessivos recordes. Os novos e modernos meios de telecomunicação alavancaram um boom surpreendente em todas as modalidades de serviço e produção, além de multiplicar exponencialmente os meios de distribuição. Obviamente que precisamos reconhecer o papel decisivo que entidades e instituições como Anprotec, Sebrae, Fapesp, Endeavor e muitas outras estão tendo nesse processo, mas é inegável admitir que o motor que o impulsiona está nas potencialidades regionais. Empreendedor - Para o país quais os benefícios diretos do empreendedorismo? Tupiniquim - O principal benefício está no desenvolvimento da economia como um todo através de mecanismos de reação empreendedora que, na maioria dos casos, independem de sustentação, mas apenas de incentivos se houver. Se levarmos em conta que o país ainda não reúne condições estruturais capazes de permitir que os governos adotem políticas desenvolvimentistas de longo prazo, isso combinado com a longa conjuntura de contenção do crescimento para que se possa domesticar uma inflação renitente, nós estaríamos realmente num beco cruel e sem saída se as características empreendedoras do povo brasileiro não fizessem brotar diariamente milhares e milhares de novas iniciativas, desde o camelô de chinelos até o novo empresário da área de alta tecnologia. É uma rematada falácia tachar o povo brasileiro de acomodado e preguiçoso; isso é coisa de quem não anda pelas ruas deste imenso país e assim deixa de ver milhões de brasileiros que pulam da cama ainda no escuro da madrugada em busca do aproveitamento de oportunidades idealizadas a partir de suas necessidades de superar dificuldades. O verdadeiro empreendedor no Brasil é aquele que não perde um minuto sequer do seu tempo reclamando do governo, da política ou da economia. Ele está ocupado demais buscando soluções concretas para sua vida, sua família, seus negócios e para o seu futuro. O empreendedor bem-sucedido é aquele que faz o possível enquanto não alcança o perfeito. Empreendedor - Na sua opinião o empreendedorismo é uma alternativa para o desemprego? Tupiniquim - Sem sombra de dúvida, a própria natureza da necessidade de sobrevivência empurra as pessoas em busca de novas alternativas geradoras de renda e dos meios de subsistência. Segundo o consultor americano Larry Farrel, autor de Entrepreneurial Age, nos Estados Unidos os maiores responsáveis pelo surgimento de novos negócios são profissionais que foram demitidos de seus empregos e precisaram encontrar uma forma de sobreviver; são gestores que viraram empreendedores por necessidade. Veja que, não tendo de onde obter os meios mínimos necessários à subsistência, a pessoa se vê compelida a examinar muito criteriosamente cada oportunidade de negócio, cada possibilidade de iniciativa, cada menor lampejo de criatividade, imaginação e inventividade, sem descuidar jamais de verificar suas disponibilidades de meios e recursos para empreender com os pés fincados no chão. Empreendedor - Mas empreendedorismo por necessidade não é a principal responsável pela alta mortalidade empresarial no país? Tupiniquim - Definitivamente não. Relatórios e mais relatórios de pesquisas sobre esse assunto estão aí para quem se interessar. Estamos falando de levantar estatisticamente quantas empresas, depois de abertas, acabam fechando suas portas e, principalmente, por quais motivos. Depois que a vaca foi para o brejo de nada adianta o lamento. Isso nos alerta para a importância de avaliar criteriosamente tanto a vaca quanto o brejo, pois é a meio caminho dos dois que está o pasto, chamado mercado, onde viceja a grama chamada de resultados. Vistas as razões do fechamento (mortalidade das empresas), impressionantes 30% estão cravados na alegação da falta de clientes, aqueles que na hora de abrir o negócio todo mundo acha, ingenuamente, que vão "chover" à sua porta. Outros 20% especificam diversas razões de ordem unicamente pessoal, tais como problemas familiares, gravidez, divórcio, etc., enquanto que um outro tanto, também perto de 20%, se justifica pela falta de capital. Perto de 15% se respaldam na alegação de ter "tomado o cano" de seus clientes, mais 10% para justificativas ligadas à concorrência, custos altos, impostos, encargos, e 5% para desavenças com seus sócios. Mesmo somando já 100% até aqui, há que se considerar mais 20% de outras alegações de todo tipo, já que quase ninguém se explica com apenas uma razão, afinal o choro é livre. Empreendedor - Nesse contexto, qual a importância de um planejamento para que o negócio seja bem-sucedido? Tupiniquim - O empreendedor tem que enxergar além do próprio umbigo, ou seja, ter a capacidade de visualizar cenários e situações de longo prazo, de modo a planejar com determinação quais passos deverá dar no curto e no médio prazo. Há questões estratégicas que demandam um planejamento minucioso e detalhado, sempre considerando oportunidades e ameaças diante de forças e fraquezas, tais como aquelas que são associadas à segmentação (perfil, demanda, previsão e potencial de mercado, tendências, mudanças e comportamentos), ao posicionamento de mercado (modelo de concentração, tamanho de mercado, potencial de crescimento, taxas de ocupação e níveis de satisfação), além de questões delicadíssimas relativas a produto, preços, pontos-de-venda, promoção, propaganda, sem desconsiderar temas também estratégicos como a estrutura do seu investimento e o seu planejamento financeiro. Empreendedor - O que deve ser priorizado no planejamento de um negócio para construir e gerenciar empresas de sucesso? Tupiniquim - Vamos tratar dessa questão no que se refere ao seu estágio mais sensível e inicial, a investigação da viabilidade do empreendimento. Costumo dizer que empreender é como subir uma longa escada de muitos degraus rumo aos resultados e ao sucesso, mas nesse momento vamos tratar de subir apenas sete deles. O primeiro degrau recomenda que, mais do que se deixar levar pela convicção, muitas vezes ilusória, de que se tem uma boa idéia, o futuro empreendedor precisa fazer um auto-exame para saber se reúne algumas características fundamentais como imaginação, criatividade, senso de realidade, capacidade de visualizar cenários de curto, médio e longo prazos, disponibilidade para dedicação e esforço pessoal intensivo, comprometimento e, principalmente, gosto para lidar com gente. O segundo degrau exige que o empreendedor defina se está efetivamente empenhado na busca por resultados ou se está apenas buscando satisfazer uma vaidade. No terceiro degrau se espera que ele pondere sobre a idéia que teve, analisando se há expectativas realistas ou se está lidando apenas com uma grande vontade de dar certo, para só então tratar de avaliar quanto custará transformar aquela idéia em um empreendimento. No quarto degrau o empreendedor deve se perguntar o que e quanto conhece de fato do ramo em que pretende atuar, sem esquecer de relacionar qual experiência e vivência pessoal tem na área. Chegando ao quinto degrau recomenda-se levar em conta o que ele faz hoje para viver, se vive bem ou não, ou ainda, se vive bem mas quer mudar de vida. Então é necessário refletir sobre ter que começar sozinho ou contar com sócios e de que tipo. No sexto degrau é chegada a hora de saber se ele está com todo o dinheiro necessário "no bolso" ou se vai ter de se endividar e com quem. É nesse ponto que o empreendedor precisa considerar a importância de já ter "tocado" antes algum outro empreendimento. Atingindo o sétimo degrau, mas não o último nessa longa escada, é chegado o momento de saber se ele já pesquisou a fundo a concorrência a ser enfrentada e se já levou em conta o impacto desta concorrência nas chances de sobrevivência do empreendimento. Trocando em miúdos, é preciso saber se, grosso modo ao menos, vai enfrentar formigas ou elefantes no mercado. As respostas a todas essas reflexões aqui resumidas resultam no que nós chamamos de plano de negócios. Empreendedor - Finalizando, quais as perspectivas do empreendedorismo no Brasil? Tupiniquim - Excelentes, para dizer o mínimo. Veja que o Brasil está passando por um processo determinado de ajustes e reformas, numa envergadura tal que o Estado findará por passar por uma lipoaspiração, enxugando o montante do custeio fiscal, dando base efetiva para o trato da questão previdenciária, além de dar contornos mais justos às questões tributárias. Isso tudo findará por reduzir significativamente o que chamamos de Custo Brasil, de modo tal que investir neste país voltará a ser interessante em qualquer que seja a escala. A economia sairá dessa letargia em que se encontra e voltará a crescer expressivamente, multiplicando oportunidades de empreendimento, ampliando a oferta de empregos, incentivando os investimentos em tecnologia e fazendo assim com que o bolo cresça e possa ser dividido em fatias de justiça social, níveis aceitáveis de saúde, educação e expansão cultural. Quer perspectiva melhor do que essa? Só se você estiver fora do Brasil e se decidir a mudar para cá, pois este país hoje reúne, como nunca antes, a faca, o queijo e a tábua. Otimista, eu? Claro que sim, sou um tupiniquim de nascença.