Uma casa formada por duas salas de reuniões, um banheiro, uma sala de estar, uma cozinha e um escritório. Tudo isso dentro de três contêineres de aproximadamente 70 metros quadrados. Aconchegante, o ambiente será o cenário de um projeto inédito no Brasil, que está em fase de execução por parte da Faculdade de Odontologia (FOB/USP) de Bauru. O objetivo é tratar, de forma intensiva, uma das sequelas de pacientes que já tiveram Acidente Vascular Cerebral (AVC).
Coordenadora da iniciativa, Magali de Lourdes Caldana, que também é fonoaudióloga e livre-docente da USP de Bauru, explica que a ideia partiu da pesquisadora norte-americana Janet Whiteside. Inclusive, ela a colocou em prática na faculdade onde atua, na Universidade da Flórida Central (UCF é a sigla em inglês), desde junho de 2010: é a chamada “Aphasia House” ou “Casa da Afasia”, em português.
O nome dado à residência é homônimo ao da sequela que será tratada dentro do novo espaço. “Construiremos uma casa de verdade. O objetivo é trabalhar a comunicação no ambiente mais próximo possível do familiar. Como ainda é um projeto, utilizaremos contêineres, porque não demora a construir. Depois, a ideia é implantar na nossa clínica de fonoaudiologia”, justifica.
Magali frisa que a afasia corresponde à alteração de comunicação decorrente de uma lesão, como o AVC, podendo afetar a expressão e a compreensão dos pacientes. Para tanto, há terapia, porém, no País, ele ocorre, em média, duas vezes por semana. A proposta é ampliar essa frequência, fato que a torna inédita.
A ideia é de que a “Casa da Afasia” fique dentro da FOB, perto da Clínica de Fonoaudiologia. Magali pretende realizar um tratamento de quatro horas diárias, durante cinco semanas. Tudo gratuito. O público-alvo só será selecionado em janeiro do ano que vem, faltando um mês para o início da parte prática do projeto, mas ela já adianta: para participar dessa fase de pesquisas, os pacientes deverão ter tido lesões recentes, ter sido acometidos por diferentes tipos de afasia pós-AVC e não poderão ter feito terapia anteriormente.
Por outro lado, Magali pontua que a “Casa da Afasia” possui um contraponto, que é a adesão propriamente dita dos pacientes. “Gente de fora de Bauru não tem como ficar viajando ou onde dormir e se alimentar, por exemplo. A iniciativa é gratuita, mas não banca viagem, hospedagem e alimentação. É um ponto que analisaremos bastante para verificar a viabilidade do projeto, assim que ele for concluído, em maio de 2018”, destaca.
Primeiro contato
Segundo a coordenadora da “Casa da Afasia”, já existe um convênio entre a UCF e a FOB. Em 2012, alguns professores de odontologia e fonoaudiologia da universidade bauruense visitaram a instituição norte-americana para formar possíveis parcerias.
Magali integrou esse grupo e teve o primeiro contato com o trabalho da pesquisadora Janet Whiteside. “Nos interessamos pela iniciativa, por ser inovadora no Brasil e porque acreditamos que a terapia fonoaudiológica deva ocorrer dessa maneira”, pontua.
Em 2014, as fonoaudiólogas Natalia Gutierrez Carleto e Elen Caroline Franco ficaram quatro meses na Flórida, acompanhando de perto o programa. “Em cima disso, elaboramos o nosso projeto, que foi aprovado pelo órgão de fomento”, revela.
E o dinheiro?
Segundo a coordenadora do projeto, ele foi aprovado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) em junho deste ano. O órgão de fomento, inclusive, já liberou a verba para sua execução, que totaliza aproximadamente R$ 179 mil.
Equipe
As fonoaudiólogas e doutorandas Natalia Favoretto e Cristina do Espírito Santo também integram o projeto, que tem uma parceria com a Unesp de Botucatu. De lá, participam um fonoaudiólogo, um fisioterapeuta e os neurologistas Luiz Eduardo Betting, Rodrigo Bazan e Gabriel Pereira Braga.
O professor da FOB José Roberto de Magalhães Bastos, a psicóloga Marina Bighetti Godoy e a enfermeira Vanessa Clivelaro Bertassi Panes também fazem parte da equipe.
Paciente vê projeto ‘com bons olhos’
O advogado Roberto Luiz Mattar, de 69 anos, teve um AVC em junho de 2013. “Senti tontura e comecei a vomitar. Em seguida, perdi o equilíbrio e minha fala ficou ‘amarrada’. Desde então, faço tratamento fonoaudiológico”, relata. Inclusive, a terapia de Mattar já dura mais de dois anos. Quando informado sobre a “Casa da Afasia”, o paciente ficou surpreso e viu “com bons olhos” a ideia de proporcionar um tratamento intensivo.
Mattar acabou se afastando da profissão que tanto o fazia feliz. “Também tenho dificuldade de escrever e achei por bem parar de advogar. Porém, a terapia ajuda muito, já estou quase 100%”, elogia.