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Jornal do Brasil

Em defesa das universidades federais (1 notícias)

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Por EUNICE RIBEIRO DURHAM
Ontem, após quatro dias de debates, terminou em Florianópolis mais um encontro da Associação Nacional de Dirigentes das Instituições de Ensino Superior (Andif). Como não poderia deixar de ser, o tema dominante foi a situação atual das universidades federais. Neste país, as universidades federais já gozaram de enorme prestígio. Tempos houve em que a principal bandeira da educação era a criação de novas universidades públicas federais. Nessa época, julgava-se que o progresso do país dependia da nossa capacidade de formar pessoal altamente qualificado; que o desenvolvimento tecnológico dependia de nosso esforço em consolidar competência na área de pesquisa científica; que não haveria políticas adequadas para promover a melhoria das condições de vida da população se não produzíssemos o conhecimento necessário da nossa realidade econômica, social e cultural. Nada disso, julgávamos, poderia ser conseguido se não investíssemos na criação de universidades públicas, pois só nessas era possível associar o ensino à pesquisa e à produção de conhecimento. Além disso, era indispensável que fosse atribuído prioritariamente ao governo federal a responsabilidade pelo ensino superior público, pois só assim seria possível compensar desigualdades econômicas regionais, assegurando a todos os estados os benefícios decorrentes da existência de universidades que associem ensino e pesquisa. Tudo isso ainda é verdade e foi por isso que se investiu muito no ensino superior e se criou uma rede de 52 instituições federais, que cobre hoje todo o território nacional. As universidades públicas vêm cumprindo a função para a qual foram criadas, embora nem sempre no padrão que gostaríamos que tivessem. Ao contrário do que comumente se pensa, não são freqüentadas apenas pelos ricos; quem as conhece e as percorre, quem pesquisou o nível socioeconômico dos ingressantes sabe muito bem que abrigam um,grande número de estudantes pobres, para os quais oferecem a única oportunidade de que esses alunos dispõem de desenvolverem seu potencial intelectual. A quase totalidade da nossa capacidade de pesquisa (excetuando-se o caso de São Paulo, com suas universidades estaduais) está concentrada nessa rede federal. São elas que mantêm os cursos que exigem maiores investimentos como os de engenharia, ciências agrárias, geologia e ciências básicas. Foi nessas universidades que se formou a maior parte da nossa liderança política, e elas alimentaram as burocracias governamentais com os melhores técnicos. Com todas as deficiências que possuem em termos de infra-estrutura, é nelas que se localizam as melhores bibliotecas do país, os melhores hospitais públicos e a maior parte dos laboratórios em operação. Por que então, subitamente, se acumularam as críticas e as universidades passaram a ser vistas como parasitas da nação, consumidoras perdulárias de recursos públicos? Talvez, em parte, porque, existindo as universidades, acostumamo-nos a contar com os serviços que ela presta e não nos damos mais conta da falta que fariam se fossem extintas. Mas há também um outro motivo: é que, de todo o funcionalismo público, as universidades foram os únicos organismos que produziram uma autocrítica contundente de suas próprias deficiências. As críticas que lhes são dirigidas hoje se baseiam em estudos e análises que elas próprias produziram. As críticas são pertinentes. Há, efetivamente, irracionalidade no uso de recursos, há ociosidade e incompetência que precisam ser corrigidas. Mas essas deficiências são as mesmas que afligem todo o serviço público. Não nasceram das universidades, mas de nossa antiga tradição burocrática e centralizadora. As universidades são vítimas desta tradição. Seu custo elevado decorre, em grande, parte, de privilégios que foram assegurados ao funcionalismo como um todo e que hoje são responsáveis pelo paradoxo de que os professores ganham pouco, mas custam muito, em face do acúmulo de vantagens corporativas que beneficiam uma minoria. Só a reforma da administração pública pode corrigir esta situação. A contenção salarial e a drástica diminuição das verbas de custeio e capital apenas tornam as universidades mais ineficientes, sem resolver o problema crucial que é o de multiplicar os benefícios do investimento que já foi feito. As universidades federais estão hoje ' esmagadas por uma quantidade imensa de leis e regulamentos, muitos dos quais contraditórios, que impedem sua renovação. Qualquer universidade que tente racionalizar sua administração e diminuir pessoal ocioso é penalizada com a redução do seu orçamento. Não há nenhum incentivo para melhorar cursos e serviços, para racionalizar gastos. Muito pelo contrário, as leis e regulamentos dificultam e às vezes mesmo impedem qualquer iniciativa nesta direção. Houve nesse desenvolvimento, é verdade, conivência dos interesses corporativos da própria instituição. Mas a parte saudável da universidade liderou a crítica e a denúncia, exigindo reformas. As reformas são imprescindíveis, mas, como ainda não ocorreram, as universidades hoje estão temerosas da mudança, ante a ferocidade da crítica externa e ausência de garantias de uma estabilidade mínima no fluxo de recursos que lhes são essenciais. As universidades precisam ser reformadas e renovadas, não destruídas. As universidades federais precisam ser preservadas e fortalecidas porque têm uma missão muito importante a cumprir neste país: a de colaborar para o desenvolvimento regional auto-sustentável. É da universidade renovada que podemos esperar a colaboração indispensável para melhorar a qualidade dos demais níveis de ensino, através da formação em serviço de milhares de professores do ensino básico; é dela que podem vir as soluções para melhorar a produção agrícola e industrial, para preservar o ambiente, para desenvolver políticas eficazes contra a violência urbana e rural, para encontrar modos de produzir casas populares melhores e mais baratas, para analisar os problemas do trânsito e do custo dos transportes coletivos, para encontrar a cura das molésticas tropicais. Dela se espera que continuem a denunciar as mazelas dos sovemos e da iniciativa privada, além de suas próprias. Se não elas, quem? Não se conseguirá nada neste sentido, diminuindo os recursos do ensino superior público sem reforma administrativa, nem submetendo ás universidades a uma crítica unilateral, que apenas aponta defeitos e ignora tanto as qualidades como o imenso potencial que pode ser liberado e posto a serviço do país. Também não ajudaremos as universidade através de uma defesa míope, que ignore as evidências e que se apegue ao status quo, mantendo privilégios corporativos injustificáveis, como a aposentadoria precoce, a estabilidade intocável, a promoção automática. Precisamos dar autonomia ás universidades públicas, liberá-las das amarras burocráticas, garantir um, fluxo regular de recursos e, ai sim, através da avaliação permanente, exigir a racionalização dos gastos, o aumento da produtividade do ensino e da pesquisa, a ampliação dos serviços de extensão. O governo federal está comprometido com este projeto. Precisamos de universidades publicas mais produtivas e mais competentes e não de universidades mais pobres, que gastem cada vez menos e, se estiolem na mediocridade. Secretária de Política Educacional do MEC e professora da USI