Em poucos meses, os cientistas que se debruçam sobre o Projeto Genoma Humano - um consórcio público que conta com o financiamento do governo dos Estados Unidos e que reúne pesquisadores norte-americanos, ingleses, alemães e japoneses - terão chegado ao fim de um trabalho cuja principal pretensão é localizar todos os genes que compõem o ser humano. Uma outra empresa, privada - a Celera Genomics, dirigida por Craig Venter -, também investiu pesado no mesmo projeto e disputa com o consórcio público o primeiro lugar no anúncio do genoma.
Rivalidades à parte, a busca pelo mapa genético do ser humano - que, estima-se, terá consumido, no final, um total de US$ 3,5 bilhões - deverá revolucionar o conceito de doença e trazer novas perspectivas para o ser humano. A principal delas, sem dúvida, está atrelada à longevidade e à possibilidade de o homem ultrapassar, com qualidade e saúde, a barreira dos 120 anos.
Embora a fonte da juventude ainda pareça soar distante, os pesquisadores envolvidos com o genoma (os brasileiros também estão contribuindo com suas pesquisas, em uma escala bem menor) não descartam a possibilidade de estar interferindo, diretamente, a médio prazo, no aumento da expectativa de vida.
Esforço nesse sentido tem feito o cientista brasileiro Tomas Prolla, radicado nos Estados Unidos. Professor da Universidade de Wisconsin, ele identificou em ratos os genes responsáveis pelo envelhecimento destes animais, e conseguiu retardar os seus efeitos. Agora, o que se procura é identificar esses genes no homem. Prolla defende a idéia de que o estudo do genoma possa levar os cientistas a desenvolver terapias que atuem nos genes, sem que isso implique alterar o código genético original daquele ser humano.
O estudo do genoma, acreditam os pesquisadores, poderá levar também ao desenvolvimento de tecnologias que detectem com precisão de que forma os genes reagem à passagem do tempo. A partir daí, poderão ser traçadas estratégias, de acordo com os cientistas, que detenham esse processo de desgaste.
Para quem ainda não sabe, o genoma é o conjunto de genes de cada ser vivo. Cada espécie tem o seu código genético ao nascer, já trazendo ali as doenças (de origem genética) que poderá vir a ter. Desvendado o mapa genético, nele poderá ser lido desde o sexo, a cor do cabelo e olhos, malformações congênitas, as doenças e os baixos riscos de vir a ter determinado problema de saúde.
Atualmente, a medicina conta com 6 mil doenças genéticas decifradas. Com o genoma, acredita-se que aumentará muito o número de pessoas que recorrerão a um geneticista para saber se têm ou não risco de gerar um bebê com problemas. E mais: como afastar essa possibilidade com segurança.
Num primeiro momento, os pesquisadores por trás do genoma têm a missão de descobrir onde se localizam os cerca de 140 mil genes do ser humano. Em seguida, eles devem seqüenciar as bases existentes nos 23 pares de cromossomos.
Vale lembrar que um adulto tem cerca de 10 trilhões de células. Cada uma delas é dotada de um núcleo, onde estão os cromossomos, em número de 23, em pares, herdados dos pais. As informações genéticas do indivíduo estão arquivadas dentro desses cromossomos - o chamado DNA (ou ácido desoxirribunucléico). A forma do DNA se assemelha à de uma escada retorcida, com muitos degraus, onde se alojam as chamadas bases nitrogenadas. Nessas bases é que está guardada a identidade genética dos indivíduos. Pesquisadores estimam que existam cerca de 3 bilhões de pares de bases, mas nem todos guardam informações.
*Especial para Gazeta Mercantil
CONCEITO SOBRE VELHICE TERÁ DE MUDAR
A terapeuta familiar Maria Amália Faller Vitale, professora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC), acredita que, do ponto de vista dos relacionamentos, viver até os 120 anos pode ser bastante positivo. "A sociedade já está começando a rever o conceito de velhice e isso traz mudanças profundas na maneira como os indivíduos se relacionam", afirma.
Se aumenta a expectativa de vida, aumenta também o convívio entre gerações. "Esse é o melhor lado da questão." O lado negativo é a carência dos mecanismos de proteção ao idoso, que deveriam estar lhe oferecendo conforto para uma velhice digna. "Falta assistência médica e psicológica adequada a essa população, faltam opções de trabalho e lazer, faltam recursos econômicos, o que acaba por coibir a independência do idoso."
Para a terapeuta, se esse problema fosse corrigido, o aumento da expectativa de vida naturalmente se estenderia a muitas pessoas mais e a sociedade teria muito a ganhar. "A transmissão dos valores, da história e da memória se daria de uma outra forma", acredita.
A coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas do Envelhecimento da PUC-SP Suzana Medeiros, também coordenadora do programa de gerontologia da universidade, acredita que não basta o homem estender seu tempo de vida. É preciso também que se modifiquem alguns conceitos sobre a velhice. "A própria ciência já vem derrubando alguns mitos sobre o envelhecimento, mas a maioria dos profissionais de saúde e da sociedade de forma geral ainda não se deu conta disso."
Para ela, é injusta a idéia que se faz do idoso - resmungão, sem memória, conservador, sem criatividade, doente, mal-humorado. "Existem muitos jovens nessas condições, mas só os idosos é que são lembrados como tal."
Segundo Suzana, são esses mitos, tão arraigados, que fazem com que alguém com mais de 40 anos já tenha dificuldade para arrumar emprego, não consiga fazer um empréstimo ou até mesmo ter um relacionamento sexual.
Hoje, na opinião de Suzana - que tem 74 anos - já não dá para afirmar, por exemplo, que o idoso tem um declínio da memória que o impede de trabalhar. "Existem medicamentos para suprimir o problema, mas ele não é prerrogativa da pessoa mais velha", assegura.
Vários outros indícios da decadência a que o idoso está associado também podem ser contornados, de acordo com a pesquisadora. "Já se discute a questão do declínio hormonal, da audição, da perda dos neurônios", afirma. "Para esses problemas existe tratamento, mas é preciso ficar claro que eles podem acontecer em outras fases da vida."
Para Suzana, o conhecimento do genoma é mais do que bem-vindo, pois ele irá ajudar o ser humano a superar suas dificuldades precocemente. "Só a discussão que esse assunto tem rendido já está valendo por si só", diz a pesquisadora. "Acho que tudo isso contribui muito para que se discuta o preconceito que existe contra o velho."
Hoje no Brasil, a população com mais de 60 anos de idade corresponde a 8% do total. Em 2020, de acordo com dados do Núcleo de Estudos do Envelhecimento, esse número será equivalente a 10% ou mais. "Não dá para ficar distante da discussão nem deixar de pensar em como se pretende lidar com essa população de idosos", afirma a pesquisadora da PUC.
Suzana afirma que hoje, envelhecer, especialmente em países em desenvolvimento, como o Brasil, é sinônimo de ficar doente. "Esse é mais um mito e, se não fosse assim, os planos de saúde não cobrariam uma fortuna dos idosos." Na sua avaliação, se fosse investido mais em prevenção e informação, as pessoas que hoje já vivem até os 80, 85 anos, estariam vivendo melhor e desempenhando ainda suas atividades sem problemas, com um ônus muito menor para a sociedade. "Junto com os avanços da ciência e da tecnologia, é preciso também avançar no respeito ao cidadão, entender que cada um tem direito de viver plenamente e de exercer sua cidadania até o fim da vida."
(M.L.P.)
Notícia
Gazeta Mercantil