O professor e pesquisador Elisaldo Carlini, 90 anos, dedicou mais de 50 anos da sua vida profissional aos estudos com cannabis e se tornou um militante pela legalização da maconha medicinal no Brasil. Ele morreu na tarde desta quarta-feira (16) em decorrência de um câncer. Estava internado no Hospital Albert Einstein, em São Paulo, havia cerca de 40 dias.
Carlini era professor emérito na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Mesmo com a idade avançada nunca deixou de trabalhar e continuou atuando como orientador de mestrado e doutorado no departamento de Medicina Preventiva da instituição. Segundo José Sidney De Gerone, amigo pessoal do professor, mesmo doente ele continuava desenvolvendo projetos. “Ele era muito dedicado e queria estar sempre com a cabeça ocupada. A mente dele estava em pleno funcionamento”, afirmou.
Carlini era casado atualmente com a professora Solange Nappo e deixa seis filhos, seis netos e dois bisnetos. Torcedor do Corinthians “o suficiente para ser incomodado pelos amigos palmeirenses”, era apaixonado por cães – tinha oito cachorros, quatro em sua casa em São Paulo e quatro na casa de campo, em São Roque, no interior paulista. “Ele tinha adoração por cães. Um deles, o Samy, era a sombra do professor”, conta De Gerone.
Emocionado, De Gerone disse não ter palavras para descrever o professor. “Eu costumava dizer para ele que quando abrissem o peito dele iriam encontrar apenas um coração. Ele não tinha outros órgãos, apenas coração. Ele era uma pessoa muito boa.”
Ao longo da sua carreira, Carlini foi condecorado duas vezes pela Presidência da República por seu trabalho como pesquisador, foi citado mais de 12 mil vezes em pesquisas científicas nacionais e internacionais, foi presidente do Serviço Nacional de Vigilância Sanitária (que antecedeu a Anvisa) e membro do Conselho Econômico Social das Nações Unidas (ECOSOC/ONU). Também foi pesquisador do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e consultor da Organização Mundial da Saúde (OMS).
A reitoria da Unifesp emitiu uma nota lamentando o falecimento do professor. “Com enorme pesar, comunicamos o falecimento do nosso querido médico, professor e pesquisador Elisaldo Carlini. É um dos maiores especialistas em entorpecentes do Brasil, e um dos mais respeitados internacionalmente, tendo estudado os efeitos da maconha e de outras drogas em nível experimental durante toda sua vida profissional (...) Nossos melhores sentimentos à nossa querida professora Solange Nappo, a toda sua família, amigos, colegas, orientandos (as) e admiradores (as)”, diz a nota.
O Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (Cebrid) também emitiu uma nota de pesar. “Médico, pesquisador, fundador do Cebrid e professor emérito da Unifesp, professor Carlini parte aos 90 anos, mas deixando um legado de mais de 50 anos dedicados ao estudo de drogas psicotrópicas no Brasil. Em especial, seus trabalhos sobre a maconha medicinal, colocou o CDB no foco da ciência brasileira e do mundo para o tratamento de convulsões, epilepsia, esclerose múltipla e dor crônica. A memória do professor, hoje símbolo da pesquisa canábica no Brasil, permanecerá viva e sua herança norteando nossa ciência brasileira”, diz o comunicado.
A advogada Margarete Brito, presidente da Associação de Apoio à Pesquisa e Pacientes de Cannabis Medicinal (Apepi), lamentou a perda do professor. “Tive algumas vezes com o professor Carlini por causa da pauta da cannabis. Para minha trajetória ele foi um divisor de águas. Na época, eu não tinha ideia da importância dele quanto cientista. A comunidade canábica está de luto, está muito triste, é uma perda imensa”, disse.
Desde 2015 está em trâmite no Congresso Nacional um projeto de lei (399/2015) que trata da possibilidade de cultivo e produção de remédios à base de cannabis no Brasil. A luta da comunidade é para que, se aprovada, a lei tenha o nome de Lei Elisaldo Carlini, em homenagem ao professor, pioneiro nos estudos sobre os benefícios da cannabis medicinal para controle de epilepsia no Brasil. Ainda não há informações sobre o velório e o enterro do professor.