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Elevação do Rio Grande já foi uma ilha tropical na frente do Brasil (21 notícias)

Publicado em 14 de novembro de 2023

Por Herton Escobar

A Elevação do Rio Grande (ERG), uma formação geológica gigantesca que hoje repousa nas profundezas geladas do Atlântico Sul, já foi uma ilha tropical coberta de vegetação na frente do Brasil, segundo um novo estudo liderado por pesquisadores da USP. 

Localizada a 1.200 quilômetros da atual costa sudeste brasileira, a ERG é um conjunto de montanhas e cânions que, se estivessem em terra, formariam uma paisagem impressionante, marcada por fendas profundas e picos com mais de 4 mil metros de altura (o Pico da Neblina, maior montanha do Brasil, comparativamente, não chega a 3 mil metros). Hoje, todas essas estruturas estão completamente submersas, assentadas sobre um assoalho marinho de 5 mil metros de profundidade. Um viajante que pudesse retroceder no tempo, porém, veria uma paisagem completamente diferente ao navegar por ali no meio do Eoceno, entre 50 e 40 milhões de anos atrás.

Naquela época, segundo os pesquisadores, as partes mais altas da ERG estavam acima da superfície, formando uma grande ilha vulcânica, de clima tropical e, muito provavelmente, recoberta de florestas e rodeada por recifes. Com o passar do tempo, essa paisagem insular teria sido naturalmente erodida (pela ação do vento, da chuva, das ondas, etc.) e recoberta por sucessivos derramamentos de lava, dando origem ao que os cientistas enxergam hoje, debaixo d’água, como tapetes de argila vermelha (solo petrificado) espremidos entre camadas de basalto preto (rocha vulcânica).

As primeiras evidências desse passado tropical surgiram em fevereiro de 2018, numa expedição liderada por pesquisadores do Instituto Oceanográfico (IO) da USP e financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), que utilizou o navio de pesquisa Alpha Crucis para caracterizar depósitos minerais na ERG. Dragagens de pesquisa realizadas no topo da elevação trouxeram à tona uma amostra de argila vermelha, que os pesquisadores suspeitaram ser uma espécie de solo fossilizado (paleossolo) — algo que só poderia ter se formado em um ambiente terrestre e de clima tropical (ou seja, na superfície) —, além de outras feições geológicas que sugeriam a existência de praias, rios e erosão por chuva no passado.

A dragagem, porém, não permitia aos pesquisadores saber como aquela argila estava disposta no topo da ERG — a 650 metros de profundidade. Sabiam apenas que ela estava lá. O mistério só foi solucionado numa segunda expedição, realizada oito meses depois, desta vez com o navio de pesquisa RRS Discovery, do Centro Nacional de Oceanografia da Grã-Bretanha. O projeto foi realizado em parceria com pesquisadores da Universidade de Southampton, na Inglaterra. 

A embarcação britânica era equipada com um veículo submarino de operação remota (ROV), que possibilitou aos cientistas fazer imagens em alta resolução das camadas sedimentares que estavam expostas na borda de um gigantesco cânion que corta a Elevação do Rio Grande, conhecido como a “Grande Fenda” (ou Fenda Cruzeiro do Sul, na nomenclatura oficial). Foi lá que eles encontraram os “sanduíches” de rocha basáltica com argila vermelha no meio. 

A evidência definitiva — descrita agora pelos pesquisadores na revista Scientific Reports — veio com a análise detalhada da composição e das propriedades (geoquímicas, minerais e magnéticas) da argila coletada. Segundo os pesquisadores, os resultados indicam que essa camada argilosa é resquício de um solo orgânico, típico de ambientes tropicais, que só poderia ter se formado na superfície. “Fizemos todas as análises que podiam ser feitas e conseguimos entender a história geológica daquelas argilas”, diz o professor Luigi Jovane, do IO, que participou das expedições e coordenou as análises do material. “Não temos dúvida de que seja um paleossolo; não tem outra fonte para aqueles minerais.”

Em seu estado original, segundo Jovane, esse solo era idêntico ao daquela terra vermelha, típica do interior paulista. “O fato de que estamos encontrando esses indícios, de que essa área era uma ilha até pouco tempo atrás, é muito importante, porque mostra que havia uma relação direta com o continente”, avalia o pesquisador.

Isso não significa que a ERG chegou a estar conectada diretamente com o continente — ela é separada da plataforma continental e do Platô de São Paulo por um cânion profundo, chamado Canal de Vema, que chega a ter 50 km de largura e 4.800 metros de profundidade. Mas indica que ela tem uma história conectada com a do Brasil, afirma Jovane, com clima e solos idênticos no passado.

Rochas vulcânicas adjacentes à camada de argila foram datadas com 44 milhões de anos. Naquela época, em meados do Eoceno, o clima da Terra estava aquecido e praticamente toda a sua área terrestre era coberta por florestas e outras paisagens de clima tropical. Os dinossauros já estavam extintos e os mamíferos estavam se diversificando rapidamente. A América do Sul já estava separada da África e da Antártida, mas o continente austral ainda não estava congelado.

A submersão da ERG não ocorreu em função de uma elevação do nível do mar, segundo Jovane, mas pela subsidência da própria Elevação do Rio Grande, que teria afundado à medida que a câmara magmática que existia abaixo dela (e a empurrava para cima) esfriou. Em outras palavras, foi a ERG que afundou, e não o oceano que a encobriu. É possível que isso tenha ocorrido mais de uma vez, dependendo do comportamento do magma.

Os pesquisadores não sabem dizer qual era a altura ou o tamanho exato da antiga ilha, já que o estudo é baseado em uma única amostra, de um único ponto da ERG. A elevação inteira, considerando todas as suas estruturas geológicas, tem o tamanho da Espanha (cerca de 500 mil km2) e só o seu maciço principal, a ERG Ocidental, de onde a amostra foi tirada, é maior do que o Ceará (150 mil km2).

Implicações

O interesse do Brasil na Elevação do Rio Grande não é apenas científico. Desde o fim de 2018, o País pleiteia junto à Organização das Nações Unidas o reconhecimento da área abrangida pela ERG como uma extensão da sua plataforma continental, além do limite padrão de 200 milhas náuticas (370 km), que configura a Zona Econômica Exclusiva (ZEE) e delimita o que a Marinha do Brasil chama de Amazônia Azul.

Dependendo do ponto de referência adotado, a Elevação do Rio Grande começa entre 1 mil e 1.200 km da costa. A incorporação dela à margem continental brasileira garantiria ao País soberania sobre a exploração de recursos minerais e outras possíveis riquezas encontradas lá. Uma decisão da Comissão de Limites da Plataforma Continental (CLPC) da ONU sobre o pleito é aguardada para os próximos anos.

A área é especialmente cobiçada pela presença das chamadas crostas de ferro-manganês e nódulos polimetálicos, ricos em metais raros e de importância estratégica para aplicações tecnológicas, como cobalto, níquel, platina, selênio, molibdênio, nióbio e telúrio. São os chamados “elementos E-tech”, essenciais para a produção de baterias, painéis solares e outras tecnologias essenciais do mundo moderno. 

“Nosso programa de pesquisa visa melhorar a compreensão da concentração de elementos E-tech em depósitos minerais do fundo do mar, que são considerados a maior — porém, menos explorada — fonte de elementos E-tech em nível global”, diz o resumo do projeto de pesquisa que deu origem às pesquisas na Elevação do Rio Grande, coordenado pelo professor Frederico Brandini, do IO, e concluído em 2019. “Ao identificar os processos que resultam em depósitos de maior qualidade, pretendemos desenvolver um modelo preditivo para a ocorrência (de elementos E-tech) em todo o mundo. Também abordaremos como minimizar os impactos ambientais da exploração mineral. A mineração do fundo do mar terá um impacto no meio ambiente. Só pode ser considerada uma opção viável se for ambientalmente sustentável.”

A descoberta de que a ERG já foi uma ilha foi um desdobramento inesperado da pesquisa, segundo os pesquisadores. A análise do material coletado nas expedições sofreu atrasos em função da pandemia de covid-19, que obrigou muitos laboratórios a suspenderem operações naquele período.

Além de Jovane, assinam o trabalho na Scientific Reports pelo IO os pesquisadores Priyeshu Srivastava e Muhammad Bin Hassan; pelo Instituto de Energia e Ambiente (IEE) da USP, Lucy Gomes Sant’Anna; e pelo Instituto de Geociências (IGc) da USP, Julia Guerra e Valdecir Janasi; além de pesquisadores do Indian Institute of Geomagnetism, da Índia; do Istituto Nazionale di Geofisica e Vulcanologia (INGV), da Itália; e do National Oceanography Centre (NOC) da Grã-Bretanha.

Mais informações: e-mail jovane@usp.br, com Luigi Jovane

*Estagiária sob supervisão de Moisés Dorado