Os habitantes do Sul da Califórnia, nervosos com as previsões de| um inverno extraordinariamente úmido, se prepararam enquanto o furacão Linda, o mais violento jamais registrado no Pacífico, varreu o litoral mexicano. Em Malibu, a cidade esgotou o estoque de sacos de areia que entrega aos moradores para proteger suas casas dos deslizamentos de lama e raja-| das de chuva. Na praia de Hermosa, máquinas de terraplenagem construíram acostamentos de areia com dois metros e meio de altura para proteger os prédios do litoral.
Felizmente Linda voltou para o mar em 14 de setembro, deixando em direção ao litoral uma chuva suave, que apagou um incêndio nas montanhas de San Bernardino. Mas os californianos não baixaram a guarda. Linda foi um subproduto de EI Nino, um fenômeno que surge no Pacífico a cada dois a sete anos e altera os padrões climáticos por todo o mundo.
O El Nino deste ano promete ser colossal, já tendo excedido a intensidade do de 1982-83 em seu ápice. Os metereologistas advertem os californianos para esperar três vezes o volume normal de chuva entre janeiro e março. Neste momento, El Nino provoca uma devastação econômica mundo afora, causando secas no Sudeste da Ásia e nas Américas Central e do Sul.
O último grande EI Nino, o de 1982-83, causou prejuízos superiores a US$ 8 bilhões por todo o mundo - equivalentes a US$ 13 bilhões em dólares de 1996, de acordo com estimativas do governo dos Estados Unidos. "Estamos nos preparando para o pior e esperando o melhor", diz Douglas P. Wheeler, Secretário de Recursos da Califórnia.
El Nino, "Menino Jesus" em espanhol, foi o nome que os pescadores peruanos deram às correntes quentes que aparecem com intervalos de poucos anos logo antes do Natal. Em muitos anos, ventos alísios sopram através do Pacífico tropical de Leste para Oeste, acumulando-se quando o calor emergenas águas vindas da Ásia. Mas quando tais ventos perdem a velocidade ou revertem a direção, a água chapinha de volta e o mundo experimenta um El Nino.
Neste ano, o oceano ao longo da costa oeste das Américas Central e do Sul está cerca de cinco graus centígrados acima do normal. Como resultado, países da região estão tendo tempestades e enchentes em alguns lugares e seca em outros. O Peru já declarou estado de emergência em mais de metade de seu território. Espera que El Nino provoque prejuízos de US$ 1,2 bilhão e derrube o crescimento de seu produto nacional bruto (PIB) em dois pontos, para 5% no próximo ano.
El Nino está causando danos às exportações peruanas, uma fonte essencial de expansão econômica para o país. Germán Suárez Chavez, presidente do banco central peruano, prevê que os embarques de peixes, baseados na pesca de anchovas e maior item de exportação do país, cairão 43% no próximo ano. "As altas temperaturas do oceano conduziram os cardumes de anchovas para águas mais profundas ou para o sul, em direção ao Chile", diz Alejandra Martínez, uma pesquisadora do Instituto de Geofísica do Peru. Isso deverá ter uma repercussão por todo o mundo, porque os preços da soja subirão à medida que os fazendeiros buscarem fontes alternativas de proteína para ração animal.
Enquanto isso, o Norte do Peru aguarda chuvas torrenciais. O país já gastou mais de US$ 20 milhões para reforçar pontes, limpar rios e canais e reformar os sistemas de drenagem. O governo encoraja agricultores a plantar arroz em vez do algodão habitual, mesmo que isso signifique que terá de importar 20% mais algodão para abastecer as fábricas têxteis do país.
A Guatemala e a Costa Rica também declararam estado de emergência. As autoridades guatemaltecas dizem que 40% a 50% das safras de milho, feijão e café do país se perderam na seca de verão. Na Costa Rica, 25% da safra de arroz se perdeu, e a produção de café, que responde por 8,9% das exportações do país, poderá cair em até 40%. "Deixou de ser um problema agrícola para se tornar um problema nacional", diz Ricardo Garrón, ministro da Agricultura da Costa Rica.
As coisas não estão muito melhores no outro lado do Pacífico. Privados da água quente que alimenta as monções, a Austrália, a Indonésia e as Filipinas sofrem com secas severas. O Departamento Australiano de Recursos Agrícolas e Econômicos prevê que a seca na Costa Leste absorverá US$ 1,4 bilhão das exportações agrícolas, com base numa queda de 12% na produção. O organismo prevê que a safra de trigo, a maior commodity do país, cairá 30%.
Na Indonésia, o presidente Suharto advertiu o país, no final de agosto, sobre uma possível escassez de alimentos se a temporada de chuvas atrasar três meses, até dezembro, como prevê a Agência de Meteorologia e Geofísica da Indonésia. Os arrozais começaram a secar no início de agosto, as plantações de milho foram destroçadas e a produção de café deste ano caiu 30%.
Nos EUA, El Nino geralmente tem um efeito misto. Em geral, ele parece empurrar os ventos, fortes pára o Sudeste, onde pode desviar melhor furacões. Isso também contribui para invernos mais quentes e secos no Norte e mais quentes e úmidos - e talvez inundações - no Sul da Califórnia e no Golfo do México. No El Niño de 1982-83, as inundações causaram um prejuízo de US$ 1,2 bilhão, e a seca do ano seguinte custou US$ 10 bilhões aos agricultores, mas no Nordeste os consumidores pouparam US$ 2,5 bilhões nas contas de calefação. Com os efeitos do El Nino vergastando o globo, o Congresso dos EUA realizou audiências sobre o fenômeno no último dia 11.
Agricultores e operadores de commodities há longo tempo prestam atenção ao progresso do El Nino. Os preços dos contratos futuros de cacau, café, trigo, e milho já estão em alta. E neste ano, executivos de todos os tipos de empresas também prestam atenção. "Se o inverno for mais quente, isso puxará para baixo os preços do combustível", diz John H. Dasburg, presidente e principal executivo da Northwest Airlines Inc. "Quando examinamos nossa estratégia de 'hedging', consideramos o fator El Nino".
Os cientistas percorreram um longo caminho na previsão do início do El Nino desde a ocorrência de 1982-83, que apanhou o mundo de surpresa. Confiando nos dados das, bóias meteorológicas no Pacífico e técnicas de modelos por computador, o Serviço Meteorológico Nacional dos EUA começou a advertir sobre o El Nino deste ano cinco meses antes que os primeiros efeitos fossem sentidos.
Ainda assim, é difícil fazer planos com base em previsões climáticas. Todos sabem que nas porque o homem do tempo da TV previu 70% de probabilidades de chuvas, você não precisará necessariamente de um guarda-chuva no dia seguinte. Pergunte a Craig Underwood de Oxnard, Califórnia. Ele perdeu oito dos 250 acres que tinha cultivado quando um rio cheio inundou sua propriedade durante o último grande El Nino. "Alguns fazendeiros estão pensando em ajustar seus planos de plantio por causa do El Nino. É arriscado demais, porque não é possível prever o clima", diz ele. Vivendo e aprendendo.
Notícia
Gazeta Mercantil