RIO - A saída dos Estados Unidos do acordo do clima de Paris pode ter um efeito muito menor junto às empresas americanas do que o presidente Donald Trump desejaria ao tomar a decisão polêmica. De investimentos já avançados às pressões de acionistas e consumidores, passando pela própria necessidade de sobrevivência das empresas diante da avaliação de que o aquecimento global é uma realidade, há razões mais fortes para que as companhias persigam suas políticas em direção a uma economia de baixo carbono.
— O impacto (da saída dos EUA do Acordo de Paris) na economia americana tende a ser pequeno. As fábricas estão avançadas em seus planos de abandonar a energia do carvão nas próximas duas décadas e trocar por energia renovável e gás natural. Trump não pode reverter isso. (...) Muitas das tendências de consumo de energia e emissões que vão levar aos objetivos de Paris estão firmemente em curso. A saída (do acordo) não vai afetar isso e terá pouco benefício para a economia — afirma o diretor do Instituto de Energia da Universidade de Michigan, Mark Barteau.
Antes mesmo do anúncio oficial de Trump, na última quarta-feira, o mundo viu uma mostra da força dos investidores nas decisões das companhias nesse tema. Os acionistas da empresa de energia Exxon Mobil aprovaram, com maioria de 62%, uma proposta que vai forçar a companhia a endossar os termos do Acordo de Paris. A ideia é que haja uma avaliação de como a tecnologia verde e as regulações relacionadas com o aquecimento global vão influenciar os negócios até 2040 e depois disso. Inicialmente, a empresa tinha ido contra o plano, que era apoiado por apenas 38% dos acionistas. A decisão é ainda mais emblemática pelo fato de o atual secretário de Estado dos Estados Unidos, Rex Tillerson, ter vindo da Exxon Mobil.
Poder de pressão semelhante tem os consumidores, que podem se recusar a comprar de empresas que reneguem o aquecimento global. Professor titular de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB), Eduardo Viola lembra que uma parte importante da sociedade americana têm compromisso com a economia de baixo carbono.
O próprio potencial dos negócios é um argumento à parte. Estimativa da Economia da Energia Avançada (AEE, na sigla em inglês) — uma organização de líderes empresariais que defende um sistema global de energia limpa — estima em US$ 1,4 trilhão a receita global dessa indústria em 2016.
Os investimentos avançados feitos pelas companhias em tecnologias mais verdes também contam na hora de ignorar os movimentos de Trump. O bilionário Elon Musk foi um dos primeiros a protestar e deixou o Conselho de Trump. Ele comanda a Tesla, montadora que ultrapassou a Ford em valor de mercado recentemente e investiu pesado no carro elétrico. “Estou deixando os conselhos empresariais. O aquecimento global é real. Deixar Paris não é bom nem para a América nem para o mundo”, escreveu Musk em um tweet.
O diretor-executivo da Apple, Tim Cook, também expressou seu descontentamento com a decisão em e-mail a funcionários. “O aquecimento global é real e nós dividimos a responsabilidade de enfrentar isso. Eu quero reassegurar a vocês que os desenvolvimentos de hoje (decisão de Trump) não terá impacto nos esforços da Apple de proteger o meio ambiente. A energia de quase todas as nossas operações é renovável, o que acreditamos ser um exemplo de algo bom para o nosso planeta e que faz sentido para os negócios também”, dizia o texto.
Já o banco Goldman Sachs, por exemplo, reforçou recentemente seu interesse em financiar a economia de baixo carbono. A avaliação é de que há uma transição estrutural para as tecnologias de baixo carbono, que segue mesmo em meio a mudanças de políticas. Empresas fabricantes de bebidas, como a Coca-Cola, tem se dedicado a temas como a preservação da água também por um instinto de sobrevivência, já que o futuro do negócio fica totalmente comprometido.
— Essa posição do governo Trump não vai ter muito efeito prático. As petrolíferas já incorporaram questões desse tipo nas suas operações. As empresas de outros setores também já estimam isso. (...) É uma medida demagógica e que não vai pegar. As coisas já estão ocorrendo no combate ao aquecimento global sem muita participação dos EUA. A atitude pode atrasar um pouco, mas não vai inviabilizar — afirma o professor da USP e presidente da Fapesp, José Goldemberg.
Na avaliação do professor titular de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB) Eduardo Viola, o impacto na condução das políticas das companhias em direção a uma economia de baixo carbono será limitado e restrito às empresas que hoje ainda não têm essa preocupação:
— Hoje, as energias de baixo carbono — combinadas com redes inteligentes de transmissão e baterias — são competitivas com a energia fóssil. Isso é irreversível. Empresas da economia digital e de alguns setores estão fortemente investidas na tecnologia de baixo carbono. As empresas já internalizaram as mudanças climáticas no processo de produção industrial, isso não vai mudar. Companhias que não avançaram tanto no tema, como a indústria automobilística, podem sofrer mais influência, como sofrer alguma lentidão agora que há menos incentivos.
A polêmica de Trump pode até mesmo provocar uma reação oposta, segundo o diretor do Instituto de Energia da Universidade de Michigan, Mark Barteau, com um esforço maior por parte de prefeitos e governadores, que são responsáveis por legislações locais que precisam ser obedecidas pelas companhias:
— Esta pode ser uma das ironias. Eu acho que a retirada do Acordo de Paris pode na verdade pressionar por mais esforços de estados e cidades por agendas de defesa climática. Já estamos ouvindo de governadores e prefeitos de todo o país.