Notícia

Jornal da USP

EDUCAÇÃO - Hora de repensar o ensinar

Publicado em 17 maio 1999

Por MORGANA CAMPOS
Menino, pára de mexer nesse barro. "Queridinho, seu desenho não parece com o de um cachorro." Quantas vezes durante a infância ouvimos tais frases de nossos pais e professores, inibindo assim o potencial criativo de artistas mirins? Apesar das mudanças ocorridas com o passar dos anos, muitas pré-escolas ainda hoje mantêm essa postura: importa apenas que a criança saia dali sabendo escrever corretamente seu nome e de seus familiares, dispensando qualquer estímulo ao espírito inventivo do aluno. "O educador precisa chegar ao estado de 'recriança', ou seja, fazer uma limpeza dos valores que nos foram incutidos e que não nos deixam livres para interagir com as crianças, para a entrada de novas formas de conhecimento. É necessário quebrar a idéia de que, principalmente em artes, você tem que ser sempre perfeito e ainda passar pelo crivo de uma análise estética de um professor que não consegue entrar na intensidade daquilo que foi produzido", explica Angela Maria Pimenta, que defendeu recentemente a dissertação de mestrado "Aprendendo a Olhar a Paisagem Latino-americana: Arte e Ambiência na Relação do Indivíduo-Natureza, Pesquisa-Ação em São Paulo e Santiago do Chile", pelo Programa de Pós-Graduação em Integração da América Latina (Prolam). Engenheira geóloga por formação, foi durante seus quatro anos de trabalho em Rondônia que Angela começou a sentir falta do componente humano e social em seu trabalho. "Lá, no final dos anos 70 e início dos 80, defrontei-me com a carência e a desordem de um Estado que não parava de receber migrantes. Para construir a BR-364, traçou-se uma reta (a menor distância de um ponto a outro) e fez-se a estrada. Não importava se no caminho havia árvores ou aldeias indígenas", reclama Angela. Mesmo sem fazer o elo acadêmico formal - não se graduou pedagoga-, a pesquisadora iniciou em pré-escolas um trabalho de integração entre as dimensões intelectual, social, artística e o desenvolvimento motor. Também procurou inserir a questão ambiental, fruto de sua participação em grupos ecológicos de Ouro Preto durante o período de faculdade, aliando a tudo isso o uso das artes plásticas. "A criança sai da escola sabendo ciências, matemática etc, só que tudo compartimentado e muitas vezes dissociado do meio e da cultura em que ela vive. E no mundo atual, para resolver certos problemas, é necessário entrar no campo da interdisciplinaridade", enfatiza. Em 1995, Angela, com a sua orientadora professora Lisbeth Re-bollo Gonçalves, definiu a idéia de um mestrado que abordasse toda essa bagagem acumulada com o passar dos anos. Para tanto, contou com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), da" Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo e do Programa de Pós-Graduação em Integração da América Latina (Prolam). Ambiência e sensibilização Para sua dissertação, a mestranda realizou 12 workshops para estudantes e professores de pré-escola, 1º e 2º graus e de graduação, entre 1995 e 1998, sendo que um deles na Universidade do Chile. O tema geral era "Arte e Ambiência da Paisagem na Relação Indivíduo-Natureza". Os workshops iniciavam-se com a chamada sensibilização: "Peço para as pessoas fecharem os olhos para que elas possam mergulhar em si mesmas". Em seguida, Angela convida os participantes a contar o que imaginaram nesse momento de introspecção, como forma de estimular a capacidade de contar histórias. O próximo passo é representar, por meio das artes plásticas, aquilo que até o momento só existia no plano das idéias. Por último, o indivíduo expressa através do texto escrito o que passou pela sua cabeça durante as atividades. Os workshops se dividem em quatro oficinas, com temas mais específicos: "O outro ser". "Os quatro elementos", "A balança do tempo" e a "Visita guiada". Em O outro ser, as pessoas são estimuladas a se imaginarem como uma outra criatura. Surgem figuras dos mais variados tipos como siriemas, tigres, águias, Emília (do Sítio do Pica-pau Amarelo). Nos Quatro elementos, cada participante escolhe aquele com que mais se identifica para trabalhar. A Balança do tempo trata das relações entre passado, presente e futuro. Finalmente, a Visita guiada procura sair do contexto do cotidiano e entrar em um outro próximo, quer seja um parque ou mesmo uma quadra de esportes. Segundo Angela, a grande vantagem de tais atividades é permitir uma maior integração e conhecimento entre aluno e professor. "Ao usar o imaginário, o mundo lúdico, a sua forma de representação, a criança deixa marcas da sua personalidade, do seu modo de ser", afirma ela. Uma outra preocupação constante da mestranda foi sempre buscar um elo com o ambiente externo. "Uso o conceito de ambiência porque engloba tanto o meio ambiente quanto a cultura do meio em que o indivíduo está. Por isso, mesmo quando fazemos a oficina O outro ser, peço para que a pessoa situe o ser que ela escolheu. Afinal, trata-se de uma paisagem interior, mas que está ligada às experiências e vivências daquela personagem", ressalta Angela. São Paulo e Santiago do Chile São Paulo e Santiago são consideradas dois pólos importantes dentro da América do Sul, razão pela qual as duas cidades foram escolhidas como centros de estudos. Além disso, o Chile apresenta uma paisagem bastante diferente da existente no Brasil, com a presença de vulcões, desertos e cordilheiras. O fato que mais pesou, no entanto, foi o título ostentado pela capital chilena de segunda cidade mais poluída do mundo, problema enfrentado também pelos milhões de paulistas que moram na Paulicéia. Apesar de ter feito apenas um workshop na Universidade do Chile, Angela ficou bastante entusiasmada com o apoio e a participação dos professores e alunos. Lá, as oficinas renderam muitas instalações, desenhos e esculturas, enquanto que as brasileiras enfatizaram colagens, pinturas e painéis. Mesmo com todas as dificuldades encontradas para pôr em prática suas idéias, a pesquisadora está segura dos benefícios proporcionados. "Isso é algo que pretendo estudar melhor na minha tese de doutorado, mas tenho certeza de que, depois de realizar trabalhos como os de nossas oficinas com seus alunos, o professor nunca mais consegue voltar ao modelo antigo", reflete Angela. Resta agora esperar e conferir. Sabendo voar sem asas Imaginei um velho sentado numa estrela chorando sem parar porque os óculos haviam caído no universo sem fim. Ele queria pular, mas tinha medo de se machucar. Imaginei que se ele não pulasse iria ficar ali até morrer. Precisaria de coragem para conseguir pegar os seus óculos. Mas o medo era maior! Ele pulou, conseguiu alcançar os óculos. Colocou os óculos nos olhos. Num passe de mágica percebeu que estava voando num horizonte sem fim. (Jacqueline Carla Souza Oliveira, aluna da sexta série. Texto escrito na aula de português, integrando o Workshop "Arte e Ambiência da Paisagem da Escola Municipal Des. Theodomiro Dias")