Lindsay Waters, numa palestra em comemoração pelos 20 anos da Editora UNESP, afirma que docentes são estimulados a publicar o maior número possível de trabalhos, em prejuízo da qualidade das obras
Entre as comemorações por seus 20 anos de atividade, a Editora UNESP promoveu, em São Paulo, no dia 11 de outubro, uma palestra de Lindsay Waters, editor-executivo da área de Humanidades da Harvard University Press, uma das mais conceituadas editoras universitárias norte-americanas. Waters é autor do livro Inimigos da esperança — publicado no Brasil pela Editora UNESP —, que causou polêmica ao questionar a qualidade dos títulos científicos publicados nos Estados Unidos. (Leia quadro.)
Participaram do evento o diretor científico da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), Carlos Henrique de Brito Cruz, e o vice-reitor da UNESP, Hermann Jacobus Cornelis Voorwald, além do diretor-presidente e do diretor-executivo da Editora, respectivamente, José Castilho Marques Neto e Jézio Hernani Bomfim Gutierrez.
Na palestra, Waters destacou que o sistema universitário de seu país enfrenta uma crise provocada pela hegemonia dos critérios quantitativos na avaliação do desempenho dos docentes. "As universidades cada vez mais confiam no número de publicações e os professores só têm valor se publicarem livros ou artigos", afirmou, destacando que essa tendência leva ao enfraquecimento do debate acadêmico. (Leia entrevista abaixo.)
O debate no Brasil
Brito Cruz assinalou que o ensino superior do Brasil também discute pouco sua identidade e função social. O dirigente da Fapesp apontou, ainda, problemas resultantes da ênfase na produção quantitativa na comunidade universitária. "Hoje, os departamentos costumam ter suas próprias publicações, o que é uma maneira de inflacionar as publicações docentes", comentou.
Após parabenizar a Editora pelo evento, o professor Voorwald destacou que a avaliação é um tema muito discutido no Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão Universitária (Cepe) da UNESP. O vice-reitor afirmou que hoje a sociedade espera que o docente tenha um desempenho de padrão internacional. "Precisamos estar envolvidos em atividades de extensão e inclusão, além das tarefas de educação e pesquisa", concluiu.
Em sua intervenção, Castilho abordou o trabalho da Editora UNESP ao longo de duas décadas. Segundo ele, o catálogo da Editora já soma mais de mil títulos, de clássicos do pensamento ocidental à produção de importantes intelectuais brasileiros. "Além disso, cerca de 200 títulos que lançamos são de autoria de pesquisadores da UNESP", afirmou.
Gutierrez analisou Inimigos da esperança, argumentando que o livro mostra como a valorização quantitativa de publicações acadêmicas enfraquece as editoras, reduz a qualidade dos títulos lançados e, por fim, gera um desastre informacional, pela profusão de dados divulgados sem critérios rigorosos. "Essas conclusões justificam o interesse que a obra de Waters desperta", destacou.
Autor encontra editores na Bienal do Rio
Durante a 13a Bienal Internacional do Livro do Rio de Janeiro, realizada entre 13 e 23 de setembro, a Editora UNESP promoveu um encontro de Lindsay Waters com integrantes da Abeu (Associação Brasileira de Editoras Universitárias). O encontro, que ocorreu dia 14, promoveu o livro de Waters, Inimigos da esperança, publicado pela Editora.
Também foram lançados na Bienal seis títulos da Editora: A ciência ri, de Sidney Harris; A duração da pessoa — mobilidade, parentesco e xamanismo mbya (guarani), de Elizabeth Pissolato; Contraponto — O ensino e o aprendizado no curso superior de Música, de Vera Helena Massuh Cury; Desequilíbrios regionais e concentração industrial no Brasil, de Wilson Cano; A Revolução Francesa explicada à minha neta, de Michel Vovelle; A sátira do parnaso — Estudo da poesia satírica de Olavo Bilac publicada em periódicos de 1894 a 1904, de Alvaro Santos Simões Junior.
Entrevista/Lindsay Waters
Visão crítica do ensino superior
Lindsay Waters tem uma visão muito crítica do ensino superior e do mercado editorial dos EUA. Nesta entrevista, ele aborda a obsessão pela quantidade na produção universitária, as deficiências na avaliação docente e as dificuldades das editoras universitárias.
(André Louzas)
Jornal UNESP: O seu livro se tornou conhecido por sua reprovação da ênfase no crescimento das publicações acadêmicas, nos Estados Unidos. Como o senhor vê essa repercussão?
Lindsay Waters: Eu acho que, hoje, o problema que detectei no meu país está internacionalizado. No panorama acadêmico norte-americano, há cerca de 30 anos, não havia a obrigação de publicar para se garantir o posto de professor. Mas a partir dos anos 1970, em função da sua própria expansão, o sistema universitário começou a contratar mais docentes e houve a construção de uma "maquinaria" que automatizou a produção dos professores e levou ao lançamento de mais livros. Os dirigentes das universidades começaram a enfatizar a quantidade de publicações na avaliação docente. E muitos editores estimularam os acadêmicos a publicar trabalhos que não representam verdadeiras contribuições a suas áreas.
JU: Quais são os problemas que essa tendência causa no processo de avaliação acadêmica?
Waters: Um dos danos causados é a falta de rigor nos critérios de avaliação e ausência de debates nos departamentos. Um amigo da Universidade de Pittsburg me contou que uma vez queria levantar algumas questões sobre a qualidade dos trabalhos de um candidato a professor no seu departamento. E o chefe do departamento lhe disse, então, que não era o caso, porque o candidato havia publicado um livro pela Editora da Universidade da Califórnia e, por esse motivo, não seria preciso questionar o valor dessa obra.
Jornal UNESP: Como esse fenômeno foi sentido entre as editoras universitárias?
Waters: Muitas editoras incentivam essa expansão de publicações para aumentar seus lucros. Várias editoras universitárias, que antes publicavam 500 títulos por ano, atualmente lançam 5 mil obras anualmente. Mas, em função dessa expansão de títulos, estão caindo as vendas dos livros. E isso leva as editoras a publicar mais títulos para manter o nível de seus lucros.
Jornal UNESP: Como está o contexto editorial nos Estados Unidos?
Waters: A venda de livros caiu muito depois dos atentados de 11 de setembro. Grandes redes de lojas fecharam suas portas e os jornais dão cada vez menos espaço para a crítica literária. Diante dessa situação, estamos dando mais ênfase à publicidade de nossos produtos e valorizamos eventos como festivais literários. Buscamos, ainda, divulgar nossas obras nas TVs a cabo e em blogs, e ficamos atentos às sugestões da área comercial da editora. Além disso, um livro pode estar disponível na Internet e também ser vendido na versão de papel.