Em 1960, eram 13 milhões. Em 1995, já eram 82 milhões de estudantes universitários no planeta. Expansão sem igual que, aliada à revolução tecnológica, mobilizou universidades, governos e Unesco no sentido de fixar metas comuns para que o ensino superior nos países em desenvolvimento seja renovado, não só para atender a demanda, mas para ser a mola propulsora que, estimule o crescimento econômico e social. Para isso, é fundamental a indissociabilidade entre ensino e pesquisa, essa prática de gerar conhecimentos que beneficia toda a sociedade e, por isso, precisa de um fluxo contínuo de recursos, como ficou claro na conferência mundial sobre educação superior (1998). Aqui, a despeito do discurso oficial, a realidade dos pesquisadores, em 1999, vem se resumindo na palavra "corte".
Desta vez, o choque cambial foi o motivo maior para apertar o cinto. As atividades de pesquisa, que exigem pessoal especializado e materiais caros, foram atingidas em cheio. Restrições impostas ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), o órgão de fomento à pesquisa ligado ao Ministério da Ciência e Tecnologia, levaram ao corte de bolsas de bancada, referentes a despesas com projetos, e de mestrado, prejudicando a formação de pesquisadores e melhora na titulação de docentes - uma exigência do MEC.
O Brasil forma 13 mil mestres e 4 mil doutores por ano, o que não basta para atender toda a graduação e mais 1.700 programas de pós-graduação. O CNPq aumenta o número de bolsas de doutorado na ordem de 10 por cento ao ano, o que também é pouco, pois temos menos de 20 mil doutores no ensino superior (60% no Sudeste). As de mestrado caíram de 9.652.7 em 1995 para 6.255,5 em 1998 e a situação tende a piorar. Resumindo, não temos gente qualificada para desenvolver projetos e orientar novos pesquisadores.
O Conselho Deliberativo do CNPq, em março, recomendou ao MCT articulações com governos estaduais e fundações que garantissem o fluxo financeiro para os programas em curso e ampliasse programas de bolsa e fomento à ciência, como o Pronex (Programa Nacional de Excelência em Ciência), que, criado em 1996, apóia 208 grupos multidisciplinares (embora alguns pesquisadores digam que "ganharam, mas não levaram"). Previa-se financiamento anual de R$ 250 milhões para o Pronex, mas a realidade hoje se restringe a R$ 40 milhões...
Entre os pesquisadores que ganharam e levaram, do Pronex de qualquer outra fonte, também há insatisfação, pois agora se deparam com as dificuldades de colaboradores que, sem bolsa de mestrado, trabalham fora e deixam a pesquisa em segundo plano. Muitas vezes, desembolsam dinheiro do material para financiar despesas dos alunos. Não há como evitar o prejuízo, pois há materiais caros que precisam ser importados e que, para piorar, sofrem restrições alfandegárias como se fossem tão importantes quanto uma caixa de uísque.
Há ilhas de progresso, como São Paulo, onde a Fapesp, fundação de amparo à pesquisa do Estado, em 1998, desembolsou R$ 320 milhões, onde a USP, nossa maior universidade de pesquisa, com orçamento anual de R$ 800 milhões, se compara a uma universidade americana de porte médio. Já na segunda maior, a UFRJ, 95% dos R$ 500 milhões de orçamento são gastos em salários e chegou-se ao cúmulo de a biblioteca parar de comprar publicações, pois o Governo Federal cortou verba destinada a isso.
A Faperj, fundação de amparo à pesquisa no Rio, prometeu R$ 48 milhões para este ano, contra R$ 9 milhões do ano passado (0,1% da receita). O Governo Estadual promete chegar a 2% da receita. Os pesquisadores querem receber para crer. Hoje, duvidam até dos R$ 5 bilhões que o Governo Federal diz investir por ano em pesquisa e desenvolvimento, já que, na prática, têm de suar para resolver problemas como o conserto do ar-condicionado de um laboratório.
E agora, como não bastasse, o governo resolveu investir só em "boa pesquisa" (os critérios de escolha são discutíveis) e em quem já realizou bons trabalhos. Ou seja, alguns grupos vão inchar e novos talentos serão desestimulados. No Brasil, com uma gama enorme de diferentes problemas, em todas as regiões, a exigirem soluções urgentes, não se pode encarar o dinheiro destinado à geração de conhecimentos como "'gasto'", e sim investimento garantido. Tampouco se entende o governo impor restrições ao novo. Ao contrário, precisa arriscar mais. Mas, se o Sudeste reclama de recursos escassos, é fácil imaginar o quadro no resto do país.
A impressão é de que o governo brasileiro percebeu que as universidades trabalham em benefício da sociedade (até quando seu objetivo é apenas formar bons profissionais). Por isso, têm de dispor de meios para investir em suas linhas de pesquisa, especialmente as que se propõem a resolver problemas regionais. Uma autonomia administrativa real permitirá às universidades públicas parcerias com organizações e empresas privadas, evitando que fiquem atreladas a uma única fonte. É certo que para isso.
Se é verdade que instituições de ensino superior têm um ranço exagerado contra o contato com a iniciativa privada e devem entender que as empresas precisam investir em novos talentos, também é verdade que recursos públicos são fundamentais para que universidades de pesquisa garantam a autonomia didático-científica e cumpram o compromisso com a sociedade. E não tem sentido elas precisarem brigar tanto para obtê-los, já que pesquisas não são realizadas para o bem do pesquisador, e novas idéias não beneficiam apenas quem as teve. Conceder recursos só para pesquisas em todos os níveis não é favor do governo a grupos acadêmicos. É obrigação social da qual nenhum governo foge sem que o país todo saia perdendo.
Notícia
O Estado do Maranhão