Debate na COP28 chamou a atenção para implementação de técnicas de rastreabilidade e aprimoramento de legislações anti-desmatamento, como o Regulamento da União Europeia
Proposto pelas organizações da sociedade civil ISPN, Global Canopy e National Wildlife Federation, com participação de WWF e Fern, o evento “Protegendo a natureza: as NDCs, as leis e os dados que podem impulsionar a mudança” (Protecting nature: the NDCs, the laws and the data that can drive change, em inglês), em Dubai, mostrou a importância de conseguir rastreabilidade para a origem dos produtos exportados, a necessidade de mais investimentos em soluções baseadas na natureza, a valorização dos direitos humanos e o aprimoramento das leis anti-desmatamento. Essa receita seria o caminho de sucesso para redução das emissões de gases de efeito estufa e, consequentemente, o alcance das metas do Acordo de Paris.
O evento fez parte da programação da 28ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças do Clima (COP28), no dia 8 de dezembro, momento em que especialistas destacaram a exequibilidade de um plano para mudar o cenário e encerrar o desmatamento em todos os biomas brasileiros, incluindo os não florestais, como é o caso do Cerrado, o mais ameaçado pelo avanço descontrolado do agronegócio.
Apesar de o Brasil comemorar sucessivas quedas de desmatamento na Amazônia, o Cerrado segue como o bioma de sacrifício. Dados divulgados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) mostram que a perda de vegetação nativa da savana brasileira saltou 238% no mês de novembro, em comparação ao mesmo mês do ano anterior. O número é recorde.
Lei anti-desmatamento
A maior responsável pelo desmatamento no Brasil é a agropecuária. De acordo com o Mapbiomas, a abertura de novas áreas de pasto para produção de carne bovina tem sido o principal vetor de mudanças em florestas, savanas e outros ecossistemas. A realidade, entretanto, pode ser diferente. A gerente de produção e consumo sustentável da Fern, Nicole Polsterer, lembrou no evento da COP28 que, há exatamente um ano, ambientalistas comemoravam a aprovação da primeira lei anti-desmatamento do mundo, o Regulamento da União Europeia para Produtos Livres de Desmatamento (EUDR), um marco mundial na proteção de florestas. Suas regras, apesar de importantes, ainda não valem para o Cerrado, ponto criticado e reivindicado pelos painelistas.
“Essa lei ajuda a reduzir o desmatamento e avançar em políticas nacionais dos países exportadores. Ela não apenas exige que as empresas verifiquem o desmatamento em suas cadeias de produção, como também exige que as empresas não estejam relacionadas à violação de direitos humanos, adotando práticas como o consentimento livre e esclarecido”, explicou.
O coordenador de Políticas Públicas e Advocacy do ISPN, Guilherme Eidt, falou sobre a necessidade de ampliação do Regulamento para uma conservação ambiental efetiva. Uma revisão de avaliação da EUDR é prevista para os primeiros anos de validade do texto, mas ainda não há data definida. A ocasião futura, de toda forma, é uma oportunidade de inclusão de biomas não florestais no escopo da proteção.
“Quase 12% da população brasileira vive no Cerrado, nas cidades e no campo. Há milhares de comunidades tradicionais, que sofrem constantes ameaças provocadas pelo avanço do agronegócio na região”, destacou. “Seus modos de vida tradicionais estão promovendo a conservação ambiental. É importante que a legislação e as políticas públicas protejam esses povos e seus territórios. Dessa forma, nós vamos alcançar nossos objetivos de biodiversidade e clima”, reforçou.
Rastreabilidade
A EUDR exige que as empresas tenham controle da rastreabilidade das suas cadeias de fornecimento, e o gerente de Políticas Públicas do WWF, Jean Timmers, esclareceu que é, sim, possível rastrear toda a cadeia, até mesmo os fornecedores indiretos mais distantes. “Há progresso em rastreamento. No caso da soja, os comerciantes sabem exatamente de onde vem o produto e eles podem saber de onde vem o fornecimento indireto. É possível rastrear”, destacou.
De acordo com estudo recente publicado pela Nature-based Solutions Initiative da Universidade de Oxford, coordenado pela cientista ambiental Aline Soterroni, metade do desmatamento legal futuro até 2050 pode acontecer no Cerrado, totalizando a perda de mais 16 milhões de hectares em trinta anos. Isso sem contar o desmatamento ilegal, que segue ameaçando a sociobiodiversidade.
Investimento na natureza
No que diz respeito ao Acordo de Paris e às metas climáticas em discussão em Dubai, o Brasil e a maioria dos países têm um caminho longo pela frente para cumprir seus objetivos. A diretora da NWF, Nathalie Walker, criticou no evento as contribuições nacionalmente determinadas de uma forma global. “O que percebemos é uma falta de consideração [dos governos]. Apenas 14% das Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDC) consultam as comunidades tradicionais”, compartilhou.
Ainda segundo o estudo de Oxford, a implementação completa do Código Florestal pode reduzir as emissões de GEE em apenas 38% em 2050. O bioma Cerrado é inversamente protegido em relação à Amazônia pela Lei de Proteção da Vegetação Nativa (Lei 12.651/2012), conhecida como Código Florestal: apenas 20% de vegetação nativa de uma propriedade deve ser mantida intacta no Cerrado, enquanto no bioma amazônico esse percentual é de 80%. No caso dos imóveis rurais de Cerrado localizados em alguma porção dos nove estados da Amazônia Legal, a proteção sobe para 35%.
O evento na COP28 em Dubai mostrou que, com mais investimentos e esforços na eliminação do desmatamento ilegal e legal, e em soluções baseadas na natureza, como a recuperação de áreas degradadas, a valorização da agroecologia e outras ações, o Brasil garantiria uma situação de benefícios múltiplos: alcançaria as metas do Acordo de Paris, mitigaria as mudanças climáticas com eficácia, conservaria a sociobiodiversidade e não precisaria de soluções onerosas de engenharia pelos próximos vinte anos.
Os especialistas reunidos na Conferência do Clima ressaltaram que, enquanto países e empresas não aumentarem suas ambições socioambientais e climáticas, e de fato aplicarem esforços para a conservação de todos os biomas e a proteção de seus povos, ecossistemas diversos como o Cerrado, a Caatinga e outros, correm o risco de desaparecerem nos próximos anos.
Sobre o ISPN na COP28
O ISPN participou nesta edição da Conferência do Clima com dois eventos chamados “side-events”. Além deste debate realizado na programação oficial da COP28, o Instituto promoveu uma discussão sobre a economia da sociobiodiversidade na programação do Pavilhão Brasil, com participação de representantes do setor público, privado e sociedade civil.
Mas, a presença do Instituto em Dubai não se restringiu às mesas de discussão. Ao lado das organizações que compõem a Rede Cerrado, o ISPN também esteve presente em ato popular de lançamento da campanha “Cerrado e Amazônia: conectados pela água”. A ação reuniu dezenas de defensores do bioma Cerrado no que hospedou a Conferência.