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Correio Popular (Campinas, SP)

E o palhaço o que é... (1 notícias)

Publicado em 06 de julho de 2003

Felizes as pessoas que, entre as acalentadas lembranças da infância, guardam na memória a ida ao circo com a família, num domingo à tarde - de preferência, ensolarado. Mário Fernando Bolognesi é uma dessas pessoas que, marcadas pela lembrança do palhaço grotesco, sem papas na língua, que dizia e fazia coisas ridículas no picadeiro quando nas idas ao circo na cidade de Salto (49 quilômetros de Campinas), decidiu estudar e entender a fundo essa arte. Ele é autor de Palhaços (249 págs., R$ 29), livro que lança dia 27 de agosto, em São Paulo, pela Editora Unesp. A delícia de ir ao circo e rir com o palhaço talvez tenha explicação na frase destacada do livro: "O apelo e a pressão da moral familiar foram suplantadas pelo divertimento e pelo prazer da 'irrealidade' proposta pelo palhaço". Com linguagem acadêmica, mas acessível, Palhaços traz prefácio da pesquisadora Regina Horta Duarte e uma extensa bibliografia sobre o assunto. Bolognesi mora em Assis e trabalha como professor de História da Arte, Filosofia da Arte e Estética no curso de Filosofia da Unesp (Universidade Estadual de São Paulo) de Marília. Nascido em Salto, antes de ingressar na universidade, trabalhou com circo em São Paulo, entre 1982 e 1987, quando tinha 25 anos. Palhaços nasceu da pesquisa Clowns: dramaturgia, interpretação e encenação. A necessidade de se aprofundar no tema partiu do fato de que, entre as artes cênicas, a circense ainda não tem tradição de pesquisa no Brasil. O autor viajou, de 1997 a 2001, por diversas cidades, principalmente do Sudeste e Sul do País, onde visitou circos de diferentes portes ao lado do fotógrafo Kiko Roselli, entrevistou cerca de 80 palhaços e aproveitou 28. As viagens tiveram apoio da Fapesp, CNPq e Capes. Nos circos visitados, Bolognesi assistiu e reviveu sensações parecidas com as de sua infância em Salto, porém filtradas pelas lentes antropológicas que adquiriu na universidade. E percebeu uma coisa: "Ao contrário do que muita gente acha e afirma, o circo não está em extinção, ele está em transformação", disse o autor ao Caderno C. "Mas ainda não sei como vai ficar". HISTÓRIA Palhaço, tramp, clown, clown branco, clown-tribuno, augusto, estas são as várias denominações que este profissional ganhou ao longo da história. Na primeira parte do livro, intitulada O Circo e Seus Palhaços, o autor traça um panorama reflexivo da história do circo e do palhaço no Brasil e no mundo, e aproveita para revelar a situação atual dos circos e dos palhaços. Bolognesi consegue não somente descrever as condições e a forma de trabalho do palhaço atual, como mostrar o lado humano, cotidiano desses profissionais. O primeiro capítulo começa com a descrição do Circo Atsley, da cidade de Nova Aliança (SP), em 11 de dezembro de 1997, então com cinco mil habitantes. "Era uma tarde ensolarada de verão e o predomínio do amarelo na lona de cobertura, que ofuscava o olhar curioso e não acostumado à luminosidade excitante, parecia duplicar a intensidade da luz solar". Essa cena poética e inesquecível aos olhos de uma criança foi observada pelo autor num circo de precárias condições. O autor entendeu que o palhaço de circo, apesar da falta de recursos e de registros de sua técnica e dramaturgia, não morre graças à oralidade passada de pai para filho - a foto trazida na capa do livro de Bolognesi, inclusive, exemplifica essa tradição, pois traz a imagem do palhaço Jurubeba (Valdir Sampietro Leme, 1954-1998), se maquiando ao lado do filho, que o observa curioso, antes de entrar no picadeiro do Circo Sandraiara, de Fernando Prestes (SP). REGISTRO INÉDITO Outra contribuição da pesquisa feita pelo autor é o registro inédito, detalhado e ilustrado do repertório apresentado pelos palhaços Brasil afora, descrito na segunda parte do livro, Entradas e Reprises (duas maneiras de descrever as esquetes cômicas). "Fiz uma compilação da dramaturgia dos palhaços circenses da atualidade", comenta Bolognesi. "Gravei e depois transcrevi todas as esquetes que assisti. E percebi que as histórias e gags se repetem bastante em vários circos, com alguma mudanças, e isso é resultado da transmissão oral". O livro apresenta 46 entradas e reprises dos palhaços. É interessante ler esta segunda parte do livro porque, algumas cenas, só de lê-las e imaginá-las, já provocam o riso. Em suas visitas aos circos, Bolognesi observou que o chamado circo-teatro, que apresenta o palhaço como contador de histórias, é o tipo que faz mais sucesso nas pequenas cidades. "As pessoas querem ouvir histórias e rir delas, e não somente assistir a números repetitivos de trapézio". O autor também ressalta que o lugar onde o palhaço habita é o circo. No teatro, pelo contrário, ele não existe. "O que há no teatro é uma idealização do palhaço, com um refinamento que não lhe é original", analisa. Os palhaços entrevistados advém dos pequenos circos e vivem em estado de arte, misturando a vida comum com o picadeiro, itinerando pelo Brasil e sentindo um imenso prazer no que fazem. "Eles demonstraram amar o ofício de palhaços. Muitos nasceram no circo e só sabem e querem fazer aquilo", conclui Bolognesi.