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É o custo nivelado do Hidrogênio Verde, estúpido!

Publicado em 26 outubro 2021

Por Carlos Peixoto

Durante a campanha presidencial norte americana de 1992 que culminou com Bill Clinton desalojando da Casa Branca a George Bush (o pai), James Carville cunhou a expressão “It’s the economy, stupid”. Ele conclamava seus correligionários a concentrar esforços no baixo desempenho econômico dos EUA como mola mestra da vitoriosa estratégia democrata. Até hoje variações do bordão são usados em economia e política ao redor do mundo. Expressões como “é o câmbio, estúpido”; “é a bolsa, estúpido”; é o planeta, estúpido”; “é o vírus, estúpido”; são repetidas, muitas vezes, sem se conhecer a origem do bordão.

No recém-saído do forno “Global Hydrogen Review 2021” a Agência Internacional de Energia (IEA) nos apresenta um quadro bastante crítico com relação ao timing dos projetos de Hidrogênio no mundo, comparados com os ambiciosos objetivos de chegarmos a 2050 neutros em emissão de carbono na atmosfera. Comenta que por ocasião do lançamento do relatório “The Future of Hydrogen” em 2019, só França, Korea e Japão haviam oficializado estratégias nacionais para o uso do Hidrogênio. Hoje são 17 países com estratégias formais, enquanto outros 20 anunciaram que estão trabalhando no assunto.

Por aqui o Governo Federal lançou o Programa Nacional do Hidrogênio (PNH2) que declaradamente não é uma estratégia, mas uma “proposta de diretrizes e um conjunto de ações para o desenvolvimento dos 3 pilares para o desenvolvimento da economia do H2”.

A questão é que embora os planos a nível global sejam arrojados, ainda segundo a IEA, os resultados parecem tímidos. Em 2020 a demanda de hidrogênio (H2) foi de 90 milhões de toneladas (Mt), em quase sua totalidade produzida pela reforma de combustíveis fósseis, gerando a emissão de aproximadamente 900 Mt de CO2.

A má notícia é que por essa análise mais recente da IEA, mesmo que todos os projetos anunciados mundialmente sejam de fato concluídos, parece que os novos cálculos demonstram que em 2030 deveremos estar bem longe de alcançar alguns marcos intermediários como: (i) a demanda por hidrogênio parece apontar para 105 Mt/ano, quando deveria estar em 200 Mt/ano; (ii) a produção de hidrogênio de baixo carbono que deveria ser de 136 Mt/ano, agora deverá alcançar apenas um oitavo da meta; (iii) a capacidade instalada de eletrolizadores chega a 90 GW, diante da meta de 850 GW; (iv) estimava-se que em 2030 deveríamos ter 15 milhões de veículos a célula combustível (FCEV’s), porém muito provavelmente alcançaremos apenas a marca dos 6 milhões.

A IEA faz uma série de recomendações de políticas a serem implementadas para nos trazer de volta ao caminho do NetZero2050 e estima que seria necessário canalizar para inovação em energias limpas a quantia de USD90 bilhões em recursos públicos a nível mundial, sendo a metade disso para investimento em tecnologias associadas ao hidrogênio.

Uma barreira relevante para a implementação da economia do H2Verde é o seu ainda alto custo, comparado com o H2Cinza, obtido pela reforma de combustíveis fósseis. Hoje o H2 produzido com o gas natural, dependendo da região, tem um custo médio entre USD0,50 e USD1,70 por Kg. Usando a tecnologia de captura de carbono (CCUS), que reduz a pegada de Carbono e classifica o produto como Hidrogênio Azul (H2Azul), o custo nivelado de produção passa para USD1,00 a USD2,00 por Kg. Já a produção de um Kg H2Verde, que é obtido pela eletrólise da água usando eletricidade de fonte renovável, portanto, livre da emissão de GEE, sai por algo entre USD3,00 e USDUSDS8,00.

A aposta que se tem feito para conseguir alcançar os objetivos de NetZero2050 (zero emissões de GEE no ano 2050) é que o custo nivelado de produção do H2V possa ser pelo menos igualado ao custo do H2Azul mais rapidamente. Um dos fatores preponderantes para essa redução de custos é o aumento de escala na produção de H2V, pois é natural termos um custo alto para um produto que ainda não alcançou a escala que se espera. Os fabricantes têm investido no aumento da capacidade instalada para produzir eletrolizadores. Vemos também um aumento nos investimentos em P&D para dar escala à tecnologia PEM que se adapta melhor às características de intermitência das energias renováveis. Há um evidente aumento de oferta na geração solar e eólica, com forte redução no custo do MWh. Nesse particular, a Europa volta especial atenção ao Brasil devido à qualidade da insolação e a constância dos nossos ventos, além da forte presença de geração hidráulica em nossa matriz elétrica. Fora as alternativas que temos com etanol., biomassa, etc. Por outro lado, a Alemanha, por exemplo, está pondo em prática um engenhoso programa de estímulo à demanda pelo qual durante um período determinado o governo comprará o H2V a preço de mercado e revenderá com subsidio para bater o preço do H2 de origem fóssil. Dessa forma alguns setores da economia como cimento, siderurgia, calefação, transporte pesado, etc., podem reduzir o impacto financeiro de sua transição energética, estimulando o estabelecimento de um mercado de H2V.

A despeito dos enormes desafios, é inegável que o futuro é bastante promissor para os negócios associados à Economia do Hidrogênio. No Brasil, não estamos “deitados em berço esplêndido”. Várias iniciativas estão em curso como o Hub do Hidrogênio Verde do Governo do Ceará no Porto do Pecém; investimento em educação, como é o caso do curso “Hidrogênio e Transição Energética” do GESEL/AHK; acordos de colaboração firmados pelo governo brasileiro com os governos da Alemanha sobre Hidrogênio Verde e do Reino Unido principalmente em biocombustíveis e eólica offshore; investimentos em P&D por parte de grupos privados em parceria com USP, IPEN e Unicamp para desenvolvimento de célula combustível; projetos de P&D entre montadoras e universidades com apoio da FAPESP e Finep, entre tantas outras iniciativas.

E você, que papel planeja desempenhar nesse contexto?

https://en.wikipedia.org/wiki/James_Carville

https://www.h2verdebrasil.com.br/

https://iea.blob.core.windows.net/assets/e57fd1ee-aac7-494d-a351-f2a4024909b4/GlobalHydrogenReview2021.pdf

https://www.complexodopecem.com.br/complexo-do-pecem-detalha-hub-de-hidrogenio-verde-para-governo-e-potenciais-investidores-da-alemanha/

https://www.ipen.br/portal_por/portal/interna.php?secao_id=39&campo=10521

http://www.gesel.ie.ufrj.br/index.php/Posts/index/1303