A integração da pesquisa desenvolvida nas universidades com as demandas das empresas de construção civil brasileiras, bastante dependentes de inovações e avanços técnicos, é apontada por agentes da cadeia da construção civil como caminho de avanço para a engenharia, seja ela acadêmica ou empresarial. Para a universidade, embora muitas vezes desenvolva pesquisas que as empresas, focadas em resultados mais imediatos, não vão desenvolver, representaria oportunidades de conferir modelos utilizados pelo mercado e aplicar de modo empírico, e em larga escala, suas pesquisas. Para as empresas, uma forma de desenvolver e estudar métodos construtivos que promovam uma maior industrialização da construção, vital no atual momento de aquecimento da demanda.
Apesar dos benefícios, a aproximação entre universidade e mercado ainda é restrita no Brasil, e vista com ressalvas tanto pelas empresas quanto pela Academia. Os motivos vão desde o modelo sobre o qual foram fundadas grande parte das universidades brasileiras - mais humanista e menos voltado às questões práticas - até um desconhecimento da produção e necessidade de ambos os lados.
"Historicamente temos uma estrutura universitária que não favorece a integração. Somado a isso temos que o funcionamento das engenharias com o mercado não é adequado ao que a gente chama de ciência aplicada, como são a engenharia ou a medicina, por exemplo", explica Maria Angélica Covelo, engenheira e sócia da NGI Consultoria. Para ela é mais comum ver médicos atuando simultaneamente como pesquisadores e atendendo pacientes, diminuindo com isso a distância entre a prática da profissão e o desenvolvimento de pesquisas em sua área de atuação. "Na engenharia deveria ser assim também, mas a forma da estrutura universitária alterou isso, ao privilegiar, em primeiro lugar, a formação acadêmica em detrimento de quaisquer práticas de mercado, que sempre foram vistas como prejudiciais ao pesquisador", afirma Maria Angélica.
Critérios
Um dos fatores apontados como indutor desse distanciamento é o sistema de avaliação de docentes adotados pelas universidades, que atribui maior valor às contribuições dos professores para revistas acadêmicas do que às interações com o mercado. "A universidade tem um pouco de culpa nisso, e também as regras pelas quais os professores são julgados", pondera o professor Ubiraci Espinelli Lemes de Souza, livre-docente do departamento de construção civil da Poli-USP (Universidade de São Paulo).
Segundo ele, o modelo de avaliação dos docentes universitários "não valoriza nem o livro produzido, sob o argumento de que este não é julgado; mas quem chega ao mercado é o livro e não o artigo, que muitas vezes é publicado em revistas técnicas de pouca expressão", diz. "O professor não é julgado apenas por sua universidade, mas também por órgãos de fomento à pesquisa", ressalta Espinelli, e "se um professor não escrever artigos internacionais, mesmo se for respeitado em sua área, não obtém bolsas e não passa em um exame para dar aula em outra universidade, por exemplo. A regra é essa."
Já Francisco Cardoso, vice presidente da Antac (Associação Nacional de Tecnologia do Ambiente Construído), diverge dessa opinião. Ele destaca que no Brasil a pesquisa na área de construção é feita fundamentalmente pelas universidades públicas, "então esse pesquisador trabalha com bolsas públicas, para universidades que também são públicas, e raciocina, com certa razão, que o problema da pesquisa nas empresas é problema das empresas". Para Cardoso, o empresariado reclama bastante, mas investe muito pouco em pesquisa no Brasil. "Não dá para esperar que a academia vá bater na porta da empresa para perguntar quais as necessidades do mercado; precisa haver uma aproximação, até porque existe preconceito de ambas as partes", sentencia.
Entretanto, acredita que o momento atual favorece uma maior junção entre a pesquisa acadêmica e as necessidades do mercado: "é uma questão de maturidade. O preconceito do professor está diminuindo, pois ele está vendo que [essa junção] dá mais visibilidade e impacto para suas pesquisas, e as empresas também estão tentando minimizar esse preconceito para com a Academia porque já veem os benefícios dessa união".
Fomento
Parte da diminuição da distância entre produção acadêmica e mercado passa por uma reformulação no sistema de avaliação dos órgãos de fomento à pesquisa no Brasil, frisa Maria Angélica. "Seria necessário primeiro conversar com o ministério da Educação, com a Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), com o CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), com a Finep (Financiadora de Estudos e Projetos), para que mudassem os critérios de avaliação. Sem isso, nenhum docente vai deixar de atender algo que considere prioritário em suas pesquisas para fazer parte de ações do mercado", ressalta.
Já para o coordenador-geral do programa em engenharia, capacitação tecnológica e inovação do CNPq, Mareio Ramos Oliveira, "é sempre importante frisar que a missão principal da academia é a formação de recursos humanos qualificados. A geração de inovação tecnológica, seja por patentes, produtos ou serviços é papel primordial das empresas".
Ele reconhece que existem lacunas que contribuem para um distanciamento entre a formação do engenheiro e o que acontece no "chão de fábrica", e destaca que a formação de engenheiros e teenólogos está sob discussão em diversos fóruns, tendo sido alvo de vários programas de modernização. "Entretanto, a baixa procura por esses cursos, aliada à formação nem sempre adequada, impõe grandes desafios não só para a diminuição da distância entre o setor empresarial e o setor acadêmico, como também para o desenvolvimento pleno de nosso País."
Apesar disso, Oliveira considera que as agências de fomento apresentaram, ao longo dos anos, uma participação importante e pioneira no processo de formulação das políticas ligadas à inovação. "Tanto CNPq quanto Capes e Finep contam com uma série de programas voltados para a interação entre academia e indústria", diz Oliveira, acrescentando ser possível verificar uma mudança de perspectiva nessas agências, por meio do envolvimento cada vez maior de pesquisadores em fóruns de discussão de políticas de ciência e tecnologia, nas esferas governamentais e entidades de classe.
Opinião esta corroborada pelo professor Guilherme Sales, coordenador da área de engenharia da Capes: "os órgãos de fomento (Capes, CNPq, Fapesp, etc.) têm procurado induzir a integração da produção acadêmica e do mercado, por exemplo, com editais que prevêem que os pesquisadores podem atuar nas empresas".
Cardoso, da Antac, conta que a entidade está buscando outros representantes do setor, como a CBIC (Câmara Brasileira da Indústria da Construção) e os Sinduscons (Sindicatos da Indústria da Construção Civil), para desenvolver uma pauta conjunta de pesquisa e inovação para negociar com as agências de fomento, desde as ligadas ao ministério da ciência e tecnologia, Finep, CNPq, ou ligadas aos Estados, como a Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo). "A construção dessa estratégia vai permitir reivindicar uma pauta temática frente a essas agências, ao ministério, e essa pauta também servirá para balizar os investimentos das empresas, e a pesquisa na Academia", diz. Ele acrescenta que, se não houver priorização de temas, "vamos continuar repetindo pesquisas, ou fazendo-as em áreas que não sejam relativas a problemas imediatos, com perdas também para as empresas , que muitas vezes têm problemas em comum, e ficam cada uma tentando resolver sozinha".
Iniciativas
De que o momento atual do mercado imobiliário favorece o movimento de aproximação entre universidades e empresas, não há dúvidas. Mas para tanto são necessárias iniciativas que busquem minimizar o desconhecimento mútuo.
Uma delas foi a realização 1º Workshop Integração Universidade-Empresa para a Inovação na Construção, organizado pela CBIC em maio deste ano, para reunir professores do Brasil inteiro e empresários do setor de construção. Dentre os principais pontos debatidos no evento estiveram: a necessidade de derrubar os preconceitos entre setor privado e instituições de pesquisa, estabelecendo mecanismos de comunicação entre academia, setor privado e governo; desenvolver linhas prioritárias de pesquisa; modificar o sistema de avaliação na carreira acadêmica (Capes) para ser possível que os trabalhos com o setor privado também contem para a avaliação do pesquisador (desde artigos até participação em eventos e normas); e a articulação com as agências de fomento (Finep, CNPq, Fapesp) para traçar formas de utilização dos recursos disponíveis para pesquisa com o setor privado compatíveis com a estrutura das empresas ou estruturar formas por meio das entidades de classe do setor.
Geórgia Grace Bernardes, engenheira civil e assessora técnica da CBIC (Câmara Brasileira da Indústria da Construção), explica que um dos principais objetivos do evento foi estabelecer canal de diálogo entre esses dois atores da cadeia de construção, um gerador e um aplicador de conhecimento. Ela destaca que hoje no País existem ações que os unem, "mas de forma pontual; e queremos estabelecer esse canal para que essa contribuição não seja espaçada, mas contínua".
Dentre outras iniciativas que caminham no mesmo sentido Geórgia aponta também o comitê de mercado do Núcleo de Real Estate da Poli-USP, grupo de empresários e professores que se reúnem sistematicamente, focando as necessidades do mercado e pesquisa aplicada. "Esse é um projeto-piloto na Poli, vamos buscar a disseminação desse modelo de levar empresários para dentro das universidades, avaliando a necessidade de desenvolvimento tecnológico de acordo com a região."
O objetivo é deixar mais específica a pauta de pesquisa: "de repente uma região pode precisar de um determinado material com uma característica térmica específica para o clima, ou podem ser inovações em processos, talvez em inovação em gestão de obras, engenharia de custos, capacitação", estipula a assessora técnica da CBIC.
Segundo Maria Angélica, outra área que poderia provocar parcerias refere-se ao desempenho de sistemas construtivos, em especial de desempenho térmico e acústico: "há muito conhecimento sendo produzido, mas não se sabe exatamente quem são as universidades ou centros de pesquisa que desenvolvem isso. Esse conhecimento poderia ser mais bem aproveitado, mas só agora é que está sendo descoberto, pois ficou um pouco esquecido na academia".
Outra maneira de estimular essa integração, diz Maria Angélica, é por meio de convênios e contrate que possibilitam à empresa contratar uma universidade para um desenvolvimento tecnológico específico "E viável, existem formas de se fazer isso, mas é m comum em outros ramos da engenharia, espec mente a mecânica. Na indústria de materiais, exemplo, o número de inovações que surgiram academia ainda é muito pequeno, a maior parte gerada por conhecimento próprio [das empresas]"