Em '0 Clone', bastou a imaginação fértil de uma novelista para se fazer uma cópia de um ser humano. Mas a simplicidade com que o processo está sendo tratado na ficção tem deixado os geneticistas preocupados
26 de novembro de 2001, segunda-feira: noticiários alardeiam a primeira experiência com clonagem humana.
"No mesmo dia, após reportagem especial no Jornal Nacional explicando todo o complicadíssimo processo, entra no ar a novela O Clone, com uma cena dedicada a Leozinho, uma criança clonada no 'laboratório global", mas perfeita como qualquer ser humano saudável.
O garotinho é a prova viva ou melhor, televisiva - de que na ficção esse avanço genético ocorreu faz tempo, ainda na década de 80, pelas mãos de um único cientista brasileiro, Albieri (Jucá de Oliveira), em um processo fácil, simples e rápido como aquelas experiências com lactobacilos vivos que muita gente fez em laboratórios de colégio.
Segundo a fértil imaginação da novelista Glória Perez, a 'receita' para fazer um Leozinho foi simples: bastou juntar uma pipeta, uma lâmina, uma pinça, um microscópio, um forninho, um pedaço de pele de Murilo Benício e, finalmente, um óvulo de uma manicure com o sugestivo nome de Deusa (Adriana Lessa). Colocou-se o embrião na barriga de uma mãe de aluguel - no caso, recorreu-se novamente à Deusa - e nove meses depois nasceu um clone lindo e saudável.
"Na ficção até voar é possível, mas faltou delicadeza ao se tratar do tema", pondera a geneticista Mayana Zatz, responsável pelo Centro de Estudos do Genoma Humano da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São paulo). "A simplicidade com que a clonagem está sendo retratada na trama da novela pode levar o público a acreditar que seja fácil copiar pessoas", completa a Mayana, que deu palestras sobre clonagem para o elenco da novela da Globo.
Apesar das pesquisas com clonagem estarem em pauta desde os anos 50, o processo, óbvio, não é tão fácil quanto aparece na TV. Até o nascimento da ovelha Dolly, em 96, houve antes mais de 270 tentativas de fertilização e desenvolvimento do embrião.
Mesmo os cientistas do centro americano ACT (Advanced Cell Technology) que alardearam as primeiras experiências com clonagem humana não conseguiram ir muito adiante com a experiência. O embrião desenvolvido pelos cientistas americanos só conseguiu sobreviver três dias e se dividir em seis células, sendo que o necessário para a fertilização seria alcançar de 80 a 100 partes.
Fã do conflito humanidade versus avanços científicos, Glória Perez se debruçou no assunto e teve consultoria dos geneticistas Walter Pinto, Aline Chaves Alexandrino e Sérgio Simões.
Alheia à chiadeira da comunidade científica, Glória reivindica a si o direito de usar a 'licença poética' comum aos escritores e apresenta a todo o País um Leozinho perfeito. E argumenta: "Quero discutir a questão ética e os aspectos psicológicos de se clonar um ser humano. Vale a pena trocar a diversidade da natureza na evolução da espécie por uma humanidade programada em laboratório?", pergunta a autora. Está posta a questão.
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Jornal da Tarde