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Jornal de Brasília

Dr. Pinotti (1 notícias)

Publicado em 04 de julho de 2009

Depois do diagnóstico de uma doença grave, a pessoa habitante do planeta Terra no século XXI,  excluindo da lista um séquito de miseráveis que se encontram beyond the numbers, estarão inevitavelmente diante de duas alternativas. A primeira, a fé. Um terço, uns rosários como diriam os antigos, mesmo ligado aos tubos das máquinas mais sofisticadas, têm poder de cura, acredita-se. A segunda, um exército de "saber" e conhecimento envolvendo desde o diagnóstico da doença  até a espessura da agulha e o titânio do aparelho que, por hora, substitui os pulmões. A ciência provendo a extensão da vida, como podemos constatar.

Exatamente como numa equação matemática, os dois lados do enunciado possibilitam inúmeras entradas e saídas, dependendo das variáveis e da montagem final da expressão algébrica, mas, nunca, em tempo algum, esperança de  salvação. Sem solução à vista. Mas a vida é tão única e importante que, adiar esse fim previsível e viver confortavelmente esse adiamento é uma regalia e um privilégio cujas possibilidades podem ser perseguidas.

Ao feiticeiro da tribo, ontem no Himalaia e hoje em São Paulo, Nova York ou Dempasar, na Indonésia, cabe providenciar os travesseiros das melhores plumas, os mais mornos chás, os incensos refrescantes e as mirras atenuantes. Aos médicos, seja onde estiverem na superfície do Planeta Azul, caberá lançar mão do conhecimento e da tecnologia ao seu alcance para promover essa regalia: um fim adiado, no mínimo assistido.

Ciclo humano

Não importa se feiticeiro ou se doutor, para estabelecer esse vínculo tão sagrado e tão profundamente profano, porque humano. Há inúmeros requisitos de ordem meritória. Porém, nenhum desses requisitos substitui o amor e o envolvimento amoroso dos pajés e dos doutores com seus pacientes.  O amor distribuído indistintamente para os bípedes padecedores da inevitabilidade é a missão. O coração e a alma têm que ser dotados de qualidades de ordem superior. Nenhuma universidade treina ou distingue tal qualificação. Entre os feiticeiros há uma complicada hierarquia que promove a distinção e eleição para a função mágica. Entre os médicos, competência e amor.

A semana termina com a notícia da morte do dr. José Aristodemo Pinotti. Morreu na madrugada de quarta-feira, aos 74 anos, no Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, o médico e deputado federal licenciado. Pinotti ocupava a Secretaria Municipal Especial da Mulher e lutava contra um câncer nos pulmões, segundo informações de sua secretária.

Nascido em São Paulo, em 20 de dezembro de 1934, fez curso Primário no Grupo Escolar Marechal Floriano da Fonseca, Secundário no Colégio Nossa Senhora do Carmo e Universitário na Faculdade de Medicina de São Paulo. Fez residência no Hospital Pérola Byington e Pós-Graduação em Florença (Instituto Nazionale dei Tumori Prof. Veronesi).

Currículo invejável

Professor titular e chefe do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), 1972-1982; diretor da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp, em duas gestões: 1970-1971 e 1976-1980; reitor da Unicamp, 1982-1986; secretário de Estado da Educação de São Paulo, 1986-1987 (por nove meses); secretário de Estado da Saúde de São Paulo; presidente da Associação Brasileira de Reprodução Humana e Nutrição Materno-Infantil (Renumi), 1975-1988; presidente do Departamento de Obstetrícia e Ginecologia da Sociedade de Medicina e Cirurgia de Campinas, 1969-1971; consultor da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), 1975-1985; presidente da Comissão Científica do PAISM da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, 1988-1992; presidente da Fundação Pedroso Horta, 1997-1998; coordenador do Centro de Referência da Saúde da Mulher e de Nutrição, Alimentação e Desenvolvimento Infantil de 1991 a 1998; deputado federal eleito em outubro de 1994; membro do Conselho de Curadores da Fundação Padre Anchieta de 1986-1995.

Um extenso currículo. O resumo de uma pessoa que aparentava saber que "felicidade é uma jornada, não um destino". Era como se aconselhasse: trabalhe como se não precisasse de dinheiro. Ame como se nunca tivesse sido ferido. E dance como se ninguém estivesse vendo. E viva como se a doença nunca fosse te alcançar. Adeus e muito obrigada, doutor Pinotti, em nome de todas as sobreviventes de câncer de mama.