Isabel Gardenal
Workshop sobre doença falciforme é realizado na FCM
Pesquisadores de doença falciforme e imunoglobulinopatia da Unicamp e do King’s College London, do Reino Unido, discutiram nesta quarta-feira (11) as pesquisas e os avanços na área. Os temas foram abordados no Brazil-UK Workshop on Hemoglobinopathie, realizado no salão nobre da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) e que prossegue até esta quinta-feira (12). “As discussões vão no sentido de buscar a cura da anemia falciforme, novos medicamentos e entender melhor a doença”, afirma o professor Fernando Costa, coordenador do grupo de pesquisa sobre hemoglobina do Hemocentro, que possui no momento aproximadamente 40 projetos em andamento.
O workshop foi organizado pela pesquisadora do Hemocentro Nicola Conran, no contexto de uma colaboração firmada com o King´s College London há mais de dez anos. A iniciativa começou com dois projetos que tiveram apoio da Fapesp e intercâmbio de pesquisa. “O objetivo da parceria com o King´s College é ter uma grande coorte [grupo de pessoas que compartilham uma característica ou experiência comum] de pacientes com anemia falciforme. Fazemos agora várias pesquisas em parceria sobre modificadores genéticos e fisiopatologia da doença”, revela Nicola.
Segundo o professor Fernando Costa, a anemia falciforme pode se tornar uma doença crônica cujo tratamento possível, que leve à cura, seria o transplante, ou então a terapia gênica (inserção de genes nas células e tecidos, em especial para o tratamento de doenças hereditárias), mas que ainda não está disponível para a maioria dos pacientes. “Esse workshop foi planejado para ser realizado em conjunto com o King’s College, um centro destacado que tem feito grandes descobertas sobre doença falciforme. E o que era para ser um evento interno acabou sendo extrapolado para o Brasil.”
A geneticista do Centro de Biologia Molecular e Engenharia Genética (CBMEG) da Unicamp Mônica Barbosa de Melo, que fez a primeira fala do dia, conta que o seu grupo de pesquisa tem trabalhado com complicações associadas à doença falciforme. Ela explica que, apesar dessa patologia ser causada pela mutação em um único gene, observa-se uma grande variabilidade fenotípica e muitas complicações, que variam de paciente, tanto em número como em gravidade.
“Buscamos identificar marcadores genéticos que apontem por que um paciente pode ter um Acidente Vascular Cerebral (AVC) mais grave, não ter AVC ou ter retinopatia, AVC e mais alguma complicação, enquanto outro paciente pode ter complicações completamente diferentes e às vezes uma doença mais branda. É o que tentamos entender, os moduladores genéticos da anemia falciforme ou da doença falciforme", situa Mônica.
O professor Fernando Costa, coordenador de pesquisas sobre doença falciforme A pesquisadora Nicola Conran, organizadora do evento
Saúde pública
Uma das doenças mais prevalentes mundialmente, a doença falciforme, que compreende sobretudo a anemia falciforme e a doença da hemoglobina C, é considerada um grave problema de saúde pública. Acredita-se que haja cerca de 300 mil nascimentos por ano no país com doença falciforme, que em geral ocorre em países de média e baixa renda.
A anemia falciforme, de maior comprometimento para aquele paciente com maiores complicações, é causada por uma única mutação no sexto aminoácido do gene da betaglobina. Essa mutação faz com que haja uma modificação no formato da hemácia. De bicôncava, ela pode assumir a forma de uma foice que, ao longo de eventos de oxigenação/desoxigenação, acaba permanecendo nesse formato alongado, obstruindo os capilares. Com isso, eventos ocasionados por inflamação dentro dos capilares disparam crises de dor e uma maior propensão a AVC.
Já no caso da doença da hemoglobina C, outra doença falciforme, verifica-se uma maior frequência de retinopatia, que pode levar à cegueira, úlcera de perna e priapismo (condição que causa ereções involuntárias e às vezes permanentes nos homens). Muitas complicações associadas a essa doença produzem um alto custo e um grande sofrimento aos pacientes, diz Mônica.
A geneticista Mônica Melo e sua orientanda Letícia Carvalho
Placenta
A doença da hemoglobina C pode inclusive levar a complicações na gravidez como a pré-eclâmpsia (aumento da pressão arterial). Por isso, Mônica comenta que o seu grupo de pesquisa tem um projeto que avalia complicações na gestação, desenvolvido no Hospital da Mulher - Caism, com a participação das obstetras Maria Laura Costa Nascimento, Mary Angela Parpinelli e Fernanda Surita.
Placentas são coletadas imediatamente na hora do parto, algumas porções desse material são separadas e isso é levado para extração de RNA (ácido ribonucleico). "Normalmente, as mulheres com doença falciforme têm um risco maior para complicações na gravidez: restrição do crescimento uterino, os bebês são menores e a pré-eclâmpsia é muito frequente, com risco para a mãe e o feto."
A geneticista esclarece que essa pesquisa não avalia especificamente pré-eclâmpsia, pois mulheres com essa condição raramente são encontradas no rol de atendimento do Caism. Mas, estudando as placentas de pacientes falciformes sem complicações associadas à pré-eclâmpsia, já se pode notar claramente que as suas placentas são menores, apresentam malformações e os seus capilares são mais dilatados. Na sua histopatologia, também se observam alterações morfológicas. "Tentamos buscar genes que indiquem por que isso acontece, visto que provavelmente ocorre uma diminuição da oxigenação, associação com estresse oxidativo e inflamação relacionados à doença.”
A pós-graduanda Letícia Carvalho, que está cursando o doutorado sob orientação de Mônica e coorientação de Laura Costa, avalia a placenta das pacientes com doença falciforme neste projeto realizado no Caism. No seu mestrado, analisou o perfil de expressão gênica da via inflamatória e encontrou alterações de expressão para alguns genes. Por causa desses achados, investigou melhor o assunto fazendo um transcriptoma da placenta (avaliando a via inflamatória e todo o RNA).
Letícia informa que, após a extração do RNA, ela o leva ao Laboratório Central de Tecnologias de Alto Desempenho (LaCTAD), uma facility de sequenciamento. Esse laboratório devolve os resultados de bioinformática e eles são analisados. "Já encontramos alguns genes ligados à via do estresse oxidativo."
Se for possível validar esses marcadores no RNA extraídos a partir de sangue periférico, não tendo que passar por todas as etapas da cultura de células, eventualmente isso contribuirá para o acompanhamento do paciente, para que possa ser avaliado mais rapidamente e de modo mais simples. “Temos muitos trabalhos com culturas de células, com placenta, entretanto, se pudermos validar isso no soro dos pacientes, ou eventualmente um marcador do RNA extraído, chegaremos ao ponto de detectá-lo agilmente na paciente, informar o curso da doença e as ações a serem tomadas”, garante Mônica.
FCM
Brazil-UK Workshop on Hemoglobinopathie