O documento base para as discussões da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+20), bem como para a declaração final da cúpula, apresentado em janeiro deste ano pela ONU deveria destacar, de forma mais clara e objetiva, o princípio de que há um limite natural para o planeta - um conceito central para o desenvolvimento sustentável, segundo a opinião de Carlos Joly, coordenador do programa Biota-Fapesp e titular do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI).
"O principal problema com o documento é o fato de não partir do princípio de que há um limite natural para o planeta, e que inevitavelmente teremos que nos adaptar à sua capacidade de suporte. Este é um conceito chave do desenvolvimento sustentável, que não está posto de forma clara e objetiva em parte alguma do documento. Partir desse princípio pode ser a única chance para que a Rio+20 alcance objetivos palpáveis", destacou Joly à Agência Fapesp.
De acordo com Joly, que é professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), o tema da capacidade de suporte da Terra, longe de ser uma "discussão puramente filosófica", é justamente a maior promessa de resultados concretos para a conferência. Se os chefes de Estado reunidos no Rio de Janeiro em junho de 2012 aprovarem o princípio dos limites na capacidade de suporte da Terra, segundo o pesquisador, isso levará a uma mudança de paradigmas que definirá uma nova trajetória para o planeta.
"Concretamente, esse me parece o único objetivo palpável que a Rio+20 poderá alcançar. Sem o reconhecimento desses novos conceitos, como Economia Verde, a criação de novas estruturas, assim como a reorganização institucional da área ambiental das Nações Unidas, na melhor das hipóteses, apenas retardarão o colapso ambiental", afirmou Joly.
Segundo ele, o Zero Draft (Rascunho Zero) deveria ter já em seu preâmbulo do documento, cujos tópicos descrevem o cenário no qual ocorre o debate, uma menção clara ao limite natural da capacidade de suporte do planeta. "Trata-se de uma questão extremamente concreta. Se esse princípio constar no intróito do documento, a discussão já se desenvolverá com um sentido completamente diferente. Se todos os países endossarem a posição de que temos um limite de esgotamento do planeta, as convenções terão que trabalhar necessariamente nessa base. Isso determinará a agenda de como vamos modificar nossos padrões de destruição dos habitats, da biodiversidade, dos serviços ecológicos, de emissão de gases de efeito estufa e assim por diante."
"Por enquanto, o texto está muito parecido com o do documento final da RIO+10, realizada na África do Sul em 2002, que teve impacto muito baixo fora dos meios diplomáticos e frustrou as expectativas de todos. Na RIO+20 não teremos a assinatura de nenhuma nova convenção, portanto o mínimo que precisamos fazer é propor uma agenda muito clara" - Carlos Joly. Críticas ao esboço
Outras autoridades e especialistas ambientais também criticaram o documento, conforme noticiado recentemente pelo EcoD. Entre eles estão o ministro das Relações Exteriores, Antônio Patriota, e a ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, que pediram maior detalhamento dos objetivos de desenvolvimento sustentável no texto do esboço, além da inclusão de menção a padrões insustentáveis de produção e consumo.
Produzido por uma comissão da ONU envolvendo estados membros, agências internacionais, ONGs e grupos políticos, o documento também foi criticado publicamente por autoridades ambientais da Europa, mas em sentido oposto: elas atribuem "falta de foco" ao texto, já que ele estabelece como prioridades da conferência temas como economia verde e desenvolvimento sustentável.
Segundo os europeus, a conferência deveria ter mais foco na questão ambiental propriamente dita e na reorganização institucional dos órgãos internacionais voltados ao tema. A ministra francesa do Meio Ambiente, Nathalie Morizet, ressaltou ao jornal O Estado de S. Paulo, em reportagem publicada no dia 1º de fevereiro, que "quanto mais falamos sobre crescimento verde e menos sobre governança, mais estamos perdendo o foco". Jean Jouzel, vice-presidente do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), também concorda que a Rio+20 precisa ser "mais conclusiva e menos filosófica".
Pontos positivos
Apesar das limitações, o Zero Draft também tem pontos positivos, na avaliação de Joly, que elogiou o documento por fazer significativas referências ao avanço científico e tecnológico na promoção do desenvolvimento sustentável. "O texto reafirma a importância da transferência de tecnologia para que todos os países possam avançar mais rapidamente nessa direção. Reforça também a necessidade da colaboração científica entre países, sem perder o foco nas soluções e inovações locais", observou.
Outro aspecto positivo é que o esboço aponta para a necessidade de ampliação do relacionamento entre a comunidade científica e os formuladores de políticas e tomadores de decisão. "Ele reconhece que as decisões governamentais na área ambiental devem, cada vez mais, basear-se no resultado de pesquisas científicas", acrescentou o pesquisador.
A divergência de pontos de vista, segundo Joly, confere ainda mais importância ao evento que será realizado conjuntamente pelo Biota, Programa Fapesp de Pesquisa em Bioenergia (Bioen) e Programa Fapesp de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais nos dias 6 e 7 de março. De acordo com ele, o Bioen-Biota-Climate Change Joint Workshop: Science e policy for a greener economy in the context of Rio+20 foi planejado para que a comunidade científica possa discutir os temas da Rio+20.
De acordo com Joly, a participação da comunidade científica será determinante para o aprimoramento do documento, que será objeto de intenso debate nos próximos meses. Para ser endossado por mais de 190 países, o texto final terá que conciliar posições amplamente divergentes. Mas discutir a questão de governança e a reformulação dos órgãos da ONU será tão importante como priorizar os temas do desenvolvimento sustentável e da Economia Verde, de acordo com o especialista.