Um levantamento inédito, conduzido por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) e publicado na prestigiada revista Science, traçou o maior mapa genético já feito da população brasileira. O estudo analisou mais de 2.700 genomas completos de todas as regiões do país, incluindo áreas urbanas, rurais e ribeirinhas. No Espírito Santo, os dados revelam que 58,22% da população possui origem europeia, enquanto 30,49% tem ascendência africana e 11,29% é descendente de nativos americanos.
A distribuição no Estado acompanha de perto a média nacional, que aponta ancestralidade europeia em cerca de 60% da população, africana em 27% e indígena em 13%. O estudo faz parte do projeto DNA do Brasil, que busca entender como a miscigenação moldou o povo brasileiro ao longo dos séculos e como isso pode influenciar em políticas públicas de saúde, diagnóstico e tratamento de doenças.
Espírito Santo espelha o Brasil miscigenado
De acordo com os pesquisadores, o Espírito Santo representa bem a diversidade genética nacional. A maior presença de ancestralidade europeia é observada nas regiões Sul e Sudeste, enquanto o Norte e o Nordeste concentram maior proporção de genes africanos e indígenas. Exceções notáveis são os estados da Bahia, com 48,30% de ancestralidade africana, e o Amazonas, onde a presença indígena chega a 43,53% em determinadas regiões.
O estudo também revelou que o Brasil possui uma das populações mais miscigenadas do mundo, com combinações genéticas únicas resultantes de séculos de interações forçadas e voluntárias entre europeus, africanos e indígenas. Muitos dos povos originários, ainda que extintos fisicamente, permanecem vivos no DNA dos brasileiros.
Avanços científicos e reflexos históricos
A pesquisa identificou mais de oito milhões de variantes genéticas inéditas, o que representa um avanço significativo para o desenvolvimento de terapias personalizadas e para a compreensão da incidência de determinadas doenças em grupos populacionais específicos. Essa base de dados também pode contribuir para o desenvolvimento de políticas de saúde mais precisas e inclusivas.
“O genoma dos brasileiros revela cicatrizes biológicas da nossa história, desde a colonização violenta até a formação de laços sociais e familiares entre diferentes etnias. Conhecer nosso DNA é desvendar o que nos faz únicos como povo”, afirma a geneticista Lygia da Veiga Pereira, uma das líderes da pesquisa.
O levantamento ainda evidenciou o padrão histórico de acasalamento assimétrico: enquanto 71% das linhagens do cromossomo Y (herdado pelo pai) são de origem europeia, as linhagens mitocondriais (transmitidas pelas mães) são majoritariamente africanas (42%) ou indígenas (35%). O resultado confirma relatos históricos sobre a predominância de homens europeus nas primeiras levas de colonização, frequentemente envolvidos em relações desiguais com mulheres negras e indígenas.
Com o passar dos séculos, esse padrão se transformou. A pesquisa observou, nas gerações mais recentes, um aumento do chamado “ acasalamento seletivo ”, com maior tendência de casamentos dentro de grupos étnicos semelhantes.
Comparações internacionais
A pesquisadora Tábata Hünemeier, também da USP, destaca que a formação genética brasileira é incomparável, inclusive quando comparada à dos Estados Unidos. “Lá, foram cerca de 450 mil africanos escravizados. No Brasil, mais de seis milhões. Isso mostra o tamanho da contribuição africana na formação do povo brasileiro”, explica.
Ela acrescenta que, apesar das tentativas históricas de “branqueamento” da população, o Brasil teve muito mais miscigenação do que os Estados Unidos, que até recentemente mantinham legislações segregacionistas. “Nosso grau de mistura é único e deve ser valorizado”, completa.
Um novo olhar sobre o Brasil
O estudo reforça a importância da diversidade como riqueza biológica e cultural. Para o Espírito Santo, que apresenta um perfil genético equilibrado entre as três grandes ancestralidades, o levantamento representa uma oportunidade de compreender melhor sua própria formação social e histórica, além de oferecer dados valiosos para aprimorar estratégias de saúde pública.
Além disso, ao mostrar que grupos hoje inexistentes fisicamente seguem vivos nos genes da população, o trabalho também lança luz sobre a necessidade de preservar a memória cultural dos povos indígenas e africanos, fundamentais para a construção da identidade brasileira.