A geneticista francesa Eliane Béraud-Colomb está fazendo uma espécie de viagem no tempo. No Instituto Nacional de Saúde e de Pesquisas Médicas (INSERM), ela lidera uma equipe que está conseguindo extrair porções de DNA de ancestrais humanos que : viveram há 12 mil anos.
"Os principais aplicações deste estudo é compreender a história das doenças genéticas e a evolução e migração das populações humanas ancestrais", explica Eliane. Ela extraiu fragmentos de DNA e analisou o gene da betaglobina de 10 amostras arqueológicas de ossos humanos.
Metade das amostras é originária de sítios na África. A mais antiga pertencia a um homem cromanóide, morfologicamente relacionado com o homem de. Cromagnon. Esta amostra corresponde a um salto qualitativo na evolução, quando os caçadores-coletores do período paleolítico foram superados pelos agricultores do neolítico.
As pesquisas de Eliane não significam que os cientistas poderão fazer clonagens de homens pré-históricos, como sugerem filmes como Parque dos dinossauros. Mas os arqueólogos podem descobrir diversas coisas a partir do DNA fóssil.
Mãe — Até então, os trabalhos mais interessantes no assunto haviam sido obtidos através da análise de DNA da mitocôndria, a casa de força da célula, e não de seu núcleo. Já foram obtidas amostras de DNA mitocondrial de ossos com até 6 mil anos. São estas amostras que estão sendo utilizadas para estudar as migrações das populações.
"Esta molécula é transmitida apenas pela mãe. Não há recombinação possível com o DNA do pai. Logo, a interpretação dos resultados é mais fácil", diz a geneticista. No entanto, a análise de DNA mitocondrial tem limitações para se entender as populações antigas.
A análise genética de uma população pode revelar como são seus integrantes, como eles evoluíram, como migraram até onde estavam e qual é a variação que ocorre dentro daquele grupo. Também é possível desvendar questões mais complexas através do gene da betaglobina. Por exemplo: existe alguma tendência para os homens e mulheres casarem com membros de outra comunidade? Se existem classes sociais, elas se estruturam segundo graus de parentesco?
A maior dificuldade enfrentada pela equipe do INSERM é evitar a contaminação de porções de DNA moderno nas amostras de ossos antigos. A equipe tomou medidas quase obsessivas de segurança. O processo de extração de material genético, por exemplo, foi realizado em um laboratório que nunca havia analisado DNA humano antes.
Raspagem — Além disto, todos os materiais envolvidos, de substâncias a aparelhos de laboratório, foram testados para averiguar se continham traços de DNA moderno. A equipe também examinou independentemente amostras colhidas diversas vezes de um mesmo osso, conferindo se os resultados eram iguais. Para evitar a contaminação na superfície do osso, a equipe raspou a camada exterior e retirou apenas material que ainda não havia sido exposto.
Ainda para garantir que o DNA extraído pela pesquisa realmente era uma relíquia do passado, a equipe de Eliane revelou que a variedade genética daquela amostra era consideravelmente diferente da encontrada hoje. A equipe analisou as regiões chamadas D-loop, extremamente mutantes no DNA mitocondrial. E as seqüências obtidas das amostras de 12 mil anos eram completamente diferentes de tudo que se conhecia até então.
Com as amostras, os pesquisadores realizam um processo de! ampliação e clonagem do material genético. O resultado é submetido a um seqüenciador automático, que identifica as bases químicas. "Nós conseguimos obter seqüências completas dos fragmentos amplificados", explica Eliane.
Mais do que a idade dos ossos, é o estado de conservação do sítio arqueológico que determina se é possível ou não extrair um DNA adequadamente preservado. O próximo projeto de Eliane é estudar o DNA de primatas próximos do período em que viveu o homem de Neandertal, entre 35 mil a 70 mil anos atrás.
Notícia
Jornal do Brasil