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Jornal Correio do Povo de Alagoas

Distância entre cotistas e demais cai ao fim do curso (21 notícias)

Publicado em 16 de maio de 2022

Pesquisa inédita com estudantes da USP revela diferença de nota de 0,7 ponto

Os primeiros cotistas da USP, que se formam neste ano, melhoraram o desempenho acadêmico ao longo dos cursos, encurtando a distância que os separava dos demais alunos. A conclusão é de pesquisa do Centro de Estudos da Metrópole, coordenada por Marta Arretche, com 11 mil universitários.

Mesmo nas faculdades mais concorridas da USP, a distância máxima registrada entre os oriundos de escolas públicas e os de particulares foi de 1,2 ponto nas notas, numa escala de 0 a 10. Essa diferença apareceu logo no início do curso, no 1º semestre de 2018. No fim de 2021, havia caído para 0,7.

A lei de cotas, sujeita a revisão neste ano, entrou em vigor em 2012. A universidade começou seu programa em 2018, com reserva de 37% das vagas gerais de cada faculdade, e a elevou gradualmente até os atuais 50% de cotistas por curso. Concorrem alunos egressos da rede pública, pretos, pardos e indígenas.

A mineira Jéssica Marcolino, 25, que está se formando em arquitetura na USP, diz que sentia, no início, um distanciamento em relação aos colegas. “Sempre me identifiquei mais com os funcionários da faculdade, nos quais eu via rostos conhecidos, do que com os professores e alunos.”

são paulo Na formatura da primeira turma da Universidade de São Paulo desde a implementação da política de cotas para estudantes de escolas públicas e para pretos, pardos e indígenas (PPI), uma pesquisa inédita obtida com exclusividade pela Folha revela que o desempenho dos cotistas foi pouco inferior ao dos demais alunos e melhorou progressivamente ao longo do curso, tornando a distância entre as notas cada vez menor.

O estudo acompanhou por quatro anos as notas dos cerca de 11 mil ingressantes da capital paulista de 2018, quando começou o programa de cotas. Parte desses estudantes, aqueles das faculdades de quatro anos de duração, graduaramse no início de 2022, em razão do atraso da pandemia, e estão recebendo agora o diploma.

De acordo com a pesquisa sobre o desempenho desses alunos, mesmo nas faculdades mais concorridas, a distância máxima entre os oriundos de escolas públicas e os de particulares foi de 1,2 ponto na mediana das notas, de 0 a 10. A mediana é a nota central de cada grupo —50% dos alunos estão acima dessa marca e os outro 50%, abaixo.

Essa diferença de 1,2 ponto se deu no 1º semestre de 2018. Já no 2º semestre de 2019, ou seja, no último boletim prépandemia, a distância havia sido reduzida para menos de um ponto, 0,9 na média. No fim de 2021, após quase dois anos de aulas online, foi de 0,7.

No início do programa de cotas da USP, em 2018, foram reservadas 37% das vagas de cada uma das unidades, que normalmente oferecem mais de um curso. A inclusão se ampliou de forma gradual, anualmente, e atingiu a meta final em 2021, quando 50% de cada curso e turno foram reservados para alunos de escolas públicas e, dentro desse conjunto, 37,5%, destinados a pretos, pardos e indígenas —a porcentagem de 37,5% equivale à proporção dessa população no estado de São Paulo, mas, como é aplicada na cota de 50%, ficam garantidas para alunos PPI 18,75% de todas as vagas da USP.

A pesquisa sobre o desempenho dos alunos foi realizada pelo Centro de Estudos da Metrópole, ligado à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e sediado na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH-USP) e no Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap). Intitulada Ações Afirmativas no Ensino Superior Brasileiro, é divulgada em um momento especialmente acalorado do debate.

Neste ano, está prevista a revisão da lei 12.711, que estabeleceu a reserva de 50% das vagas de universidades federais para quem fez o ensino médio em escola pública, além de determinar cotas para alunos PPI proporcionais à população de cada estado. A legislação, na qual a USP baseou a sua política de inclusão, estipulou que as cotas deveriam ser rediscutidas em um prazo de dez anos, que se encerra em agosto.

O estudo partiu do banco de dados de estudantes, e os dividiu em quatro grupos, considerando onde fizeram a educação básica e a autodeclaração racial: PPI de escola pública; brancos de escola pública; PPI de escola privada; brancos de escola privada. Esses últimos dois grupos, de escolas particulares, não são beneficiados por cotas, sejam os alunos brancos ou PPI.

Além disso, a pesquisa analisou separadamente os cursos que têm o vestibular mais concorrido (mediana da nota final na Fuvest superior a 600; como medicina e direito) e os menos concorridos (abaixo de 600, como letras e geografia).

Nos mais concorridos, a distância de notas entre cada grupo é um pouco maior do que nos menos concorridos, mas, em ambos, diminui ao longo do curso. Do mesmo modo, nos dois casos, o melhor desempenho é dos alunos brancos de colégios particulares, e o pior, dos pretos, pardos e indígenas de escolas públicas. Essa desigualdade se verifica desde o vestibular até o final de quatro anos de graduação, ainda que se reduza.

A diferença da qualidade de ensino da educação básica na rede pública e na privada, como se sabe, já se evidencia na Fuvest. Registrem-se os resultados do vestibular 2018, quando tiveram início a política de cotas na USP e o estudo do desempenho. A melhor mediana foi a de brancos/escola privada (560,4), seguida de PPI/privada (537). As mais baixas são de escolas públicas, sendo 464 a de brancos e 424,9 a de PPI.

Essa diferença se reflete na graduação, especialmente no mas os de escolas públicas conseguem, com o passar dos semestres, se aproximar das notas daqueles das particulares, e isso vale tanto para brancos quanto para pretos, pardos e indígenas.

Vejamos a evolução nos cursos mais concorridos (veja gráfico ao lado). No 1º semestre de 2018, a mediana mais baixa, a de PPI de escola pública, foi 6,5, e a mais alta, de brancos/particular, 7,7 —diferença de 1,2 ponto.

No 2º semestre de 2019, na pré-pandemia, a mediana de PPI/escola pública subiu um pouco, para 6,6, enquanto a de brancos/privada, caiu ligeiramente, para 7,5. Nos dois anos de pandemia, as notas de todos subiram, e a diferença, ao final de 2021, foi de 0,7 —mas é cedo para entender os reflexos das aulas online no desempenho.

A diferença nas notas é menor nos cursos menos concorridos. Pretos, pardos e indígenas de escola pública, no 1º semestre de 2018, tiveram mediana 6,4, ante 7,1 de brancos de escola privada. No 2º semestre de 2019, a mediana de PPI/pública subiu para 6,8, e brancos/ privada, para 7,2. Houve, portanto, uma distância de apenas 0,4 ponto entre os grupos até o início da pandemia. Ao final de 2021, as medianas foram de 8 e 8,3, respectivamente.

Para a coordenadora da pesquisa e professora da FFLCH, Marta Arretche, os dados demonstram que a inclusão dos cotistas não compromete a excelência da USP. A hipótese de que as cotas poderiam reduzir a qualidade da universidade costuma ser aventada por críticos das políticas de inclusão.

“Essa é uma preocupação legítima, mas que se baseia em suposições”, afirma. “Agora temos esse retrato do desempenho mostrando que a diferença de mediana entre cotistas e não cotistas não é tão grande, o que significa que a excelência da universidade não está ameaçada.”

Na sua opinião, entre as explicações para isso está a alta competitividade da Fuvest. “Embora a educação básica pública seja, de fato, um comprometedor no desempenho dos alunos na universidade, o vestibular seleciona os melhores, a elite de cada grupo.”

Além disso, Arretche lembra que há diversas iniciativas na USP, algumas da própria reitoria, como bolsas de estudo, e outras que surgiram espontaneamente nas faculdades, oficiais ou não, de apoio acadêmico aos alunos cotistas. Entre elas, na Poli, há um programa de reforço aos estudantes de escolas públicas, que têm um déficit significativo de matemática. Na FFLCH, alunos de pós-graduação dão aulas de reforço de leitura, interpretação de texto e redação.

Reitor da USP e professor de medicina, Carlos Gilberto Carlotti Junior afirma que a pesquisa sobre o desempenho dos estudantes comprova que “o programa de cotas acerta ao acreditar no potencial das pessoas”.

“São alunos que não tiveram uma educação da mesma qualidade que os de escolas privadas, mas têm potencial para superar essa diferença e chegar ao final da graduação com as mesmas condições.”

Arretche e Carlotti não acreditam na possibilidade de que a exigência nas aulas e nas provas tenha sido reduzida. A coordenadora da pesquisa aponta que, muitas vezes, há diferença grande de notas em cada grupo. “Há alunos escolas particulares, brancos ou PPI, que tiram dez e os que tiram zero, da mesma forma que os de escolas públicas.”

Ela pondera que “notas nunca são perfeitas para avaliar alunos”, mas são “o instrumento mais aproximado para observar empiricamente o desempenho”. Por isso, ressalta, é importante que o estudo seja prolongado.

Há que se considerar que nem todos os cursos se encerram em quatro anos, como direito, engenharia (cinco anos) e medicina (seis), e que é preciso ler com muita cautela os dados dos anos de ensino remoto.

Para o reitor, “não há, desde a implementação das cotas, nenhuma sinalização de queda de prestígio da USP, da produção acadêmica, científica”.

“A USP precisa mostrar para a sociedade que o programa de cotas é interessante, aumenta a diversidade e qualifica ainda mais as nossas pesquisas, porque temos alunos de diversas realidades, vivências e pensamentos”, afirma.

Autor: Laura Mattos

Fonte: pressreader.com/Folha de S.Paulo