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Disputas políticas atrasam vacina e deixam brasileiros desorientados (13 notícias)

Publicado em 31 de dezembro de 2020

Por Bruna Lima E Maria Eduarda Cardim - 31/12/2020 - 17:53:57

O ano de 2020 é histórico. Na guerra mundial contra o inimigo comum, o novo coronavírus, mais de 1,8 milhão de vidas foram perdidas. As inúmeras batalhas silenciosas, travadas dentro dos hospitais lotados, potencializaram a necessidade de apostar num mecanismo de defesa coletivo, única maneira de derrotar este mal que assola o planeta. Nesse contexto, a vacina surge como resposta e renova as esperanças para um novo ano, pródigo em desafios.

Quando se ofereceu como candidata para testar uma vacina contra a covid-19, a cirurgiã-dentista Denise Abranches — primeira voluntária brasileira a participar do estudo clínico do imunizante do laboratório AstraZeneca em parceria com a Universidade de Oxford — não imaginava que, no mesmo ano, veria, pela tevê, a primeira idosa a ser imunizada contra a doença em um programa nacional de saúde, na Inglaterra. “Aquilo tomou conta de mim. Eu era inteira emoção. Um filme passou pela minha cabeça com uma sensação inexplicável de agradecimento por estar viva e fazer parte disso”, relata.

Ao recapitular a trajetória da pandemia, o diretor-geral do Hospital Sírio-Libanês, o médico Gustavo Fernandes, relembra que estava em uma conferência nos Estados Unidos quando debateu com colegas o início das mobilizações para conter um agente infeccioso novo, na China. “Era meados de janeiro, e discutíamos o fato de ter sido levantado um hospital inteiro, em poucos dias, para tratar chineses acometidos por essa doença desconhecida”, afirma. Dois meses depois, o mundo já estava tomado pelo novo coronavírus.

De forma desigual — ao considerar a capacidade de controle da disseminação do vírus em cada local —, o Sars-cov-2 fez vítimas em todo o planeta. Cerca de 5 mil pessoas morreram na China, número que, semanalmente, é registrado nos Estados Unidos, no Brasil e na Rússia, os três países com óbitos até o momento.

No Brasil, a divergência de discursos sobre a covid-19 e as disputas políticas foram marcantes ao longo do ano. “O prejuízo veio de maneira intensa e evidente. Durante o ano, gastamos boa parte das energias, que deveriam ser centralizadas com objetivo de vencer o vírus, focalizando na tentativa de evitar uma guerra. O Sistema Único de Saúde (SUS) é tripartite entre União, estados e municípios. Todas as vezes que essa harmonia, sinergia entre os entes da Federação se rompe, o SUS também se rompe”, ressalta o presidente do Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Saúde (Conass), Carlos Eduardo de Oliveira Lula. “O SUS é o maior programa de direitos humanos da história do país. É a estratégia que mais permitiu que pessoas com qualquer tipo de renda e, muitas vezes, invisibilizadas, tivessem direito a um tratamento seguro, digno e adequado. O sistema tem muitos problemas a serem corrigidos, muitas falhas, mas é essencial para a vida dos brasileiros e continuará demonstrando sua força no combate à pandemia”, frisa.

Sem harmonia entre gestores de estados e o governo federal, o Poder Judiciário ganhou um espaço relevante no cenário e é constantemente acionado. Em abril, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que os governos estaduais e municipais podem definir medidas de isolamento e restrição de atividades.

Ministério Público de diversos estados também provocaram tribunais na intenção de acelerar a tomada de decisões mais rígidas por parte dos gestores. Até mesmo a vacinação foi pauta do Judiciário. “A ciência e a mídia, em sua grande maioria, fazem um trabalho muito bem-feito, só que a sociedade está desorientada, porque os poderes políticos não conversam”, afirma Gustavo Cabral, imunologista e pesquisador da Universidade de São Paulo (USP) e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). “Por mais que a gente tenha a vacina, essa desunião pode fazer com que qualquer estratégia de vacinação vá por água abaixo. Temos de ter essa união dos Poderes para imaginarmos que, em 2021, conseguiremos controlar a doença.”

Compromisso conjunto

Apesar de indicar o início de uma nova vida para todos, a vacina contra o novo coronavírus não vai permitir, num primeiro momento, o relaxamento de todas as medidas preventivas incorporadas na pandemia, como o uso de máscaras. Isso ocorre por diversos motivos, como a impossibilidade de uma vacinação em massa, a princípio. Por isso, especialistas indicam que 2021 será crucial para o controle da crise sanitária e o descrevem como o ano da responsabilidade.

Gustavo Cabral, imunologista e pesquisador da Universidade de São Paulo (USP) e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), explica que, além da improbabilidade de vacinar 90% da população, ou pelo menos dois terços — número que é visto como o necessário para o controle da pandemia —, a vacina protegerá as pessoas da doença, mas não necessariamente porá fim ao vírus.

“O foco dessas vacinas primárias é evitar que a covid se desenvolva e, principalmente, de uma forma grave, mas proteger contra a doença não quer dizer que acabará com o vírus. Não estou falando que, necessariamente, todas as pessoas que são vacinadas podem transmitir, mas, em alguns casos, pode acontecer de as pessoas que forem vacinadas também transmitirem”, indica Cabral.

Isso pode acontecer porque, para desenvolver a doença, o vírus entra no corpo, infecta as células, prolifera e gera uma carga viral muito alta. Com a vacina, o sistema imunológico tem uma preparação prévia para lutar contra a proliferação do vírus, para não adoecer. No entanto, em alguns casos, mesmo com uma propagação controlada do vírus por causa do sistema imune fortalecido, ainda há uma carga viral, e o vírus consegue ser transmitido por aquela pessoa.

“Enquanto a gente não consegue ter uma vacinação de, pelo menos, dois terços da população, que é quando geramos a imunização de rebanho, precisamos continuar a usar máscaras, porque podemos ser um transmissor”, diz Cabral. Nesse cenário, é preciso responsabilidade coletiva.

“A vida é feita de alguns atos de amor. O fato de a gente se privar de um abraço é priorizar a vida, e nós só chegamos tão longe porque o que nos diferencia é que somos seres sociáveis, nós evoluímos cuidando um do outro. Vai ser um ano de responsabilidade, não um ano de caos e desordem, um ano de responsabilidade pela vida”, enfatiza.

O diretor-geral do Hospital Sírio-Libanês, Gustavo Fernandes, concorda com o pesquisador. Para ele, o que se leva de 2020 é a ressignificação de valores sociais. “Tudo se traduz no nível de cooperação. Países que enfrentaram bem a crise conseguiram alinhar um olhar para a sociedade. Solidariedade é uma chave de transformação.”