Três pálidos pontos azuis aparecem mais ao sul do Brasil no mapa do Global Startup Ecosystem 2018, levantamento realizado pelo projeto Startup Genome, que há sete anos observa polos de inovação espalhados pelo mundo. Um deles, com certeza, é São Paulo, única cidade brasileira citada ao longo do documento – e identificada em versões anteriores. Os outros parecem representar o Rio de aneiro e Florianópolis.
A timidez brasileira demonstra a dificuldade de conexão com o universo das startups e nos deixa à deriva na atração de capital de risco – modalidade de investimento que aportou mais de US$ 140 bilhões, no ano passado, em iniciantes de base tecnológica. O relatório traz ainda outro dado importante: a geração de valor das startups na economia global alcançou US$ 2,3 trilhões entre 2015 e 2017, incremento de 25,6% quando comparado ao biênio 2014-2016.
“Os polos mais importantes como o Vale do Silício, Nova York e Londres continuam dominando a atenção dos investidores. Mas surgem novos arranjos em setores específicos como o financeiro, segurança digital e soluções baseadas em registro distribuído (blockchain)”, revela o estudo.
Não é a falta de boas startups – ou de um ecossistema significativo – que deixa o Brasil de fora de estudos como esses, mas a falta de informação, concordam os especialistas ouvidos. Para esta reportagem, o Valor contou com o apoio do Supera Parque Tecnológico de Ribeirão Preto na tarefa de vasculhar dados atrás dos principais polos de inovações do país.
“É uma tarefa difícil”, disse de pronto Eduardo Cicconi, gerente do parque. Para começar, informações arquivadas em diferentes bancos de dados, desconexas e desatualizadas – foram um verdadeiro labirinto. O Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) lista a infraestrutura de laboratórios, centros e institutos de pesquisa em diferentes sites. É preciso ir em cada um deles, contabilizar as unidades, identificar a linha de pesquisa e separá-las por unidade federativa.
O Ministério da Educação (MEC) apresenta a rede federal, em um mapa simples, cujos dados em textos também exigem agregação manual. Para saber os cursos oferecidos, só visitando o site de cada um deles.
O Portal Inovação, construído pelo MCTIC para organizar o Sistema Brasileiro de Tecnologia (Sibratec), está desatualizado e escondido entre as páginas do MCTIC. Sites dos governos estaduais guardam poucas informações, e o último censo realizado pela Associação Nacional de Entidades Promotoras de Empreendimentos Inovadores (Anprotec) data de 2016.
A instituição mantém um mapa de seus associados, de onde também foram extraídos dados. Para apresentar uma ideia da extensão da infraestrutura federal, foi preciso contar os Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCTs), criados para mobilizar e organizar as redes de pesquisa, os institutos federais, as unidades da Embrapa e da Embrapii, as aceleradoras, as incubadoras de empresas e os parques tecnológicos. Essa base, explica Cicconi, é importante para entendermos o esforço feito nos últimos anos na ampliação e descentralização do sistema de inovação. O resultado está no mapa nesta página.
A empreitada mostrou que há ainda muito trabalho a ser feito para fortalecer, integrar e promover o ecossistema nacional, que, além da rede federal, engloba instituições estaduais de ensino e pesquisa, laboratórios privados de pesquisa e desenvolvimento (P&D), laboratórios do Sistema S, como os do Senai, empresas e startups.
Sem informações consolidadas, há a tendência de sobrepor programas. “Tem muita gente fazendo a mesma coisa, trabalhando isolado”, comenta Geciane Porto, vice-coordenadora da Agência de Inovação da Universidade de São Paulo (Auspin). Para ela, é preciso racionalizar os investimentos e dar tiros mais certeiros em projetos com maior potencial. “Estamos diante de uma época de severos ajustes fiscais”, diz.
Na seara estadual, há informações acessíveis e atualizadas em São Paulo, Minas Gerais, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. “Sem conhecer o que temos em casa, fica difícil preparar alguma estratégia para divulgar o ecossistema no exterior e, até mesmo, para outros polos dentro do Brasil”, comenta Daniel Leipnitz, presidente da Associação Catarinense de Tecnologia (Acate).
Ao se debruçar sobre os dados catarinenses, a entidade identificou 14 verticais de atuação e 12,3 mil empresas no setor de tecnologia. Juntas, elas faturam R$ 15,5 bilhões – o equivalente a 5,6% do PIB estadual – e empregam 47 mil pessoas. Para impulsionar o setor, empresários e agentes de inovação embarcaram em missões para conhecer ecossistemas pujantes como o de Israel. A Acate também abriu um escritório nos Estados Unidos. “Queremos levar nossas empresas para o mundo”, diz Leipnitz.
Conectar o Brasil aos polos globais é um dos grandes desafios para promover a inovação no país, afirma Franklin Ribeiro, líder de ecossistema na agência InvesteSP. “Startups precisam atuar em projetos com relevância internacional”, destaca. O executivo coordenou o mapeamento do ecossistema paulista – facilitando o acesso a informações de empresas, startups e investidores à infraestrutura de pesquisa, serviços técnicos e mercado financeiro.
A publicação do mapa ampliou às consultas aos programas de inovação do Estado. “A colaboração entre os agentes do ecossistema é fundamental para o avanço das iniciativas”, comenta Ribeiro. Segundo ele, a iniciativa privada tem de se enxergar dentro desta rede para motivar a inovação colaborativa.
Carlos Américo Pacheco, diretor-presidente do conselho técnico-administrativo da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), explica que as startups orbitam os polos de conhecimento, inserindo tecnologia de fronteira em seus negócios. “Elas estão perto das universidades, surgem dentro dos laboratórios”, diz. Pacheco destaca iniciativas privadas para agrupá-las e fomentá-las. “Em São Paulo, o Itaú Unibanco criou o Cubo e o Bradesco tem o Habitat.” Segundo ele, o interesse das grandes corporações está na aproximação com as startups para revigorar seus negócios e ampliar a capacidade de inovação. “Setores como o financeiro e o de agronegócio estão aplicando recursos em startups. É uma demanda presente”, diz.
A trajetória da startup Cujo, fundada nos Estados Unidos, é um bom exemplo da dinâmica internacional das novatas e de um ambiente de negócios sem fronteiras. A Cujo utiliza técnicas de inteligência artificial e ciência de dados na construção de sistemas para segurança digital. O negócio é centrado em proteger, de ataques virtuais, os equipamentos utilizados nas residências – como os roteadores que conectam os lares à internet.
Considerada pioneira pelo Fórum Econômico Mundial e citada pelo Gartner – instituto global de pesquisa e aconselhamento sobre tecnologia da informação e comunicação – como um negócio promissor no ramo de internet das coisas, a Cujo mantém suas equipes de desenvolvimento na Lituânia e no Brasil. “É uma empresa que já nasceu internacional, conectando suas equipes a centros de especialidades”, explica Lourival Vieira Neto, que lidera 25 engenheiros de software em um escritório compartilhado na cidade do Rio de Janeiro.
Eles estão ocupados com o desenvolvimento do firmware, o software instalado dentro dos equipamentos. “Na Lituânia, o time atua com soluções que vão operar nos sistemas ligados à computação em nuvem”, explica. Por que o Rio de Janeiro? A resposta de Neto é automática: pela proximidade e parceria com o LabLua – laboratório de pesquisa da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, a PUC-Rio.
Sob o comando do professor Roberto Ierusalimschy, o LabLua criou uma linguagem de programação (a Lua), leve e simples o suficiente para permitir o desenvolvimento de sistemas que vão operar dentro de equipamentos com capacidade limitada de processamento, como os roteadores. “A Lua é mais utilizada em outros países do que no Brasil”, diz Neto.
A estratégia da Cujo não difere das grandes corporações. O Rio de Janeiro mantém instituições de ponta como o Coppe/UFRJ e o Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa). Abriga, no Parque Tecnológico da Ilha do Fundão, ligado à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), centros de pesquisa de 16 empresas de grande porte, entre elas a GE e a L’Oréal. “Não precisamos mudar de país para trabalhar”, destaca Neto.
Já a Qualcomm escolheu Sorocaba (SP) para inaugurar um centro de pesquisa em internet das coisas (IoT, na sigla em inglês). A unidade ficou pronta em setembro deste ano. Entre as justificativas para a escolha da cidade está a facilidade para chegar à capital paulista e a Campinas, cidade que abriga o Centro de Pesquisas e Desenvolvimento em Telecomunicações (CPqD), que tem a IoT entre suas especialidades.
“O currículo da Faculdade de Engenharia de Sorocaba também pesou na decisão. A entidade modificou recentemente sua grade de cursos e nos identificamos com a proposta de formação profissional”, complementa Roberto Medeiros, diretor sênior de desenvolvimento de produtos da Qualcomm.
A decisão da empresa em instalar um centro no Brasil foi balizada pelo Plano Nacional de Internet das Coisas. “Percebemos que há vontade do governo federal em estimular o desenvolvimento da tecnologia”, diz Medeiros.
Em Ribeirão Preto, o Supera Parque vai receber as instalações da americana BioProphecy, especializada em biotecnologia. A proximidade com a Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo, e com um arranjo produtivo local na área da saúde foram fundamentais. Nos Estados Unidos, a BioProphecy está ligada à Universidade Harvard e ao Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT). No Brasil, a companhia pretende atuar na produção da vacina contra o vírus zika.