Historicamente, a ciência tem sido vista como uma atividade masculina. Até mesmo a imagem que costuma representar um cientista é a do homem de óculos, vestindo um jaleco branco, geralmente idoso.
'Esse estereótipo do cientista homem que está no inconsciente coletivo é uma imagem equivocada', observa a bióloga da Universidade Federal do RJ (UFRJ) Jacqueline Leta, uma das organizadoras da conferência 'Mulher-Ciência: Mulheres Latino-Americanas nas ciências exatas e da vida', que acontece de quarta-feira (17/11) a sexta, no Hotel Othon do RJ.
A conferência terá um enfoque muito mais sociológico do que histórico. 'A proposta é focar nos problemas que as mulheres enfrentam na ciência, visando à formulação de políticas públicas', explica Jacqueline.
Estudos apontam que a participação das mulheres na ciência sempre foi significativamente menor que a dos homens e que elas costumam enfrentar discriminação.
No artigo As mulheres na ciência brasileira: crescimento, contrastes e um perfil de sucesso, Jacqueline mostra dados que sustentam o contraste.
Na Academia Brasileira de Ciência, por exemplo, as mulheres ocupam cerca de 8% das cadeiras: são apenas 26 num total de 353 membros.
O estudo aponta também a disparidade no sistema de concessão de bolsas, especificamente na questão das bolsas de produtividade, que são as de maior nível hierárquico.
Segundo dados do CNPq, em 2002 havia, para cada pesquisador homem, 0,84 pesquisadora cadastrada no Diretório de Grupos de Pesquisa.
A relação diminui muito na concessão de bolsas de produtividade: para cada pesquisador contemplado com essa bolsa, há apenas 0,48 pesquisadora na mesma situação. 'Homens e mulheres são avaliados da mesma forma, mas têm papéis distintos. O mérito não é pautado pela contribuição científica', afirma Jacqueline.
Desequilíbrio insistente
Por quê a física ou a astronomia são áreas tidas como predominantemente masculinas? Qual a causa para esse desequilíbrio de gêneros nas ciências? As mulheres são excluídas ou simplesmente não querem ocupar esses cargos?
'São tantas as informações contra a inserção de mulheres na ciência que elas podem não saber que querem entrar para essas áreas', acredita a pesquisadora, referindo-se aos estereótipos criados pela sociedade como uma das causas da escassez de mulheres no meio.
"Somos seres socialmente construídos, sofremos influência do meio. Se a mãe ou a professora dizem para uma criança que matemática não é coisa de menina, ela vai procurar outra área, mesmo tendo aptidão para a matemática. É necessário um trabalho no país de desconstrução desses mitos', acredita.
Além disso, as diferenças salariais por discriminação de sexo e até mesmo problemas de assédio sexual podem ser fatores que afastam as mulheres dos centros científicos.
Há alguns anos, o artigo Nepotism and sexism in peer-review, publicado na Nature, causou polêmica no meio científico ao revelar que as pesquisadoras suecas recebiam 50% a menos do que colegas do sexo oposto.
Temas em discussão
Os participantes da conferência no RJ discutirão temas como as dificuldades sofridas no local de trabalho, carreira e família, estrutura de poder e ascensão profissional.
Uma das propostas é a atração de jovens para as diversas áreas da ciência. Para isso será analisado o papel da mídia e da educação na formação de estereótipos.
A mesa redonda 'Políticas Públicas em Ciência e Tecnologia' contará com a presença da ministra Nilcéia Freire, da Secretaria Especial da Mulher.
A contribuição da mulher na ciência e no desenvolvimento da América Latina também será enfocada. Cientistas como a tcheca naturalizada brasileira, Johanna Dõbereiner (1924-2000), serão lembradas.
A bióloga descobriu, no século passado, a íntima associação de determinadas bactérias com plantas e percebeu que essas agiam como uma espécie de adubo natural.
Quando colocadas junto às sementes de soja, estimulavam o surgimento de estruturas nas raízes que facilitavam a maior absorção do nitrogênio do ar para as plantas.
Esses estudos permitiram a redução a zero dos custos com adubos nitrogenados, já que a bactéria fornecia 'gratuitamente' esse elemento diretamente à planta.
O resultado foi uma economia gigantesca na lavoura da soja - estimada em US$ 1,5 bilhão por ano -, tornando o país um dos líderes na produção mundial de soja.
Mais informações: http://www.cbpf.br/~mulher
(Agência Fapesp, 17/11)
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Jornal da Ciência online