Muito se fala sobre a influência da dieta materna na saúde e no metabolismo dos filhos e é comum a mulher mudar seus hábitos alimentares durante os períodos de gestação e lactação. Agora, hum estudo publicado na revista Food Research Internacional sugere que a qualidade do que os pais consomem também deve ser observada, pois pode influenciar o eixo intestino-cérebro da prole, sistema que conecta os dois órgãos e está relacionado a problemas metabólicos, entre eles a obesidade.
O trabalho de pesquisa, financiado pela Fapesp por meio de dois projetos (19/09724-8 e 17/09646-1), examinou e dosou em proteínas proteínas e outros fatores relacionados à homeostase energética (manutenção do equilíbrio entre energia fornecida e dissipada) , processos inflamatórios e doenças metabólicas nos filhotes machos e alterações constantes que podem programar a suscetibilidade a doenças.
No início do experimento, os cientistas induziram nos roedores a obesidade tanto materna quanto paterna por meio de uma dieta com alto teor de lipídios e carboidratos (contendo banha e leite condensado). Para os machos, a alimentação hipercalórica foi fornecida durante as dez semanas que antecederam o acasalamento e, para as fêmeas, durante toda a gestação e a lactação.
Em seguida, o perfil foi avaliado em dois momentos. No primeiro, foram realizadas análises de sangue e tecidos logo após a lactação (21 dias de vida). Os testículos foram repetidos no início da vida adulta (90 dias de vida). Analisou-se a expressão de genes codificadores de proteínas envolvidas na via de sinal mediada pelo receptor TLR4 (que atua na ativação da resposta imune inata), do fator ZO1 (relacionado à permeabilidade intestinal), de neuropeptídeos orexígenos (estimulantes do apetite) e do receptor de leptina (envolvido na regulação da homeostase energética).
Também se observou no sangue a concentração de lipopolissacarídeos (LPS), proveniente da membrana de bactérias gram negativas ricas em endotoxinas e que, quando escapam do intestino, desencadeiam um processo inflamatório; da grelina, hormônios produzidos no estômago e no intestino, responsável pela sensação de fome; do neuropeptídeo Y, envolvido em processos fisiológicos nos sistemas nervosos centrais e periféricos.
E foram avaliados ainda os níveis de bactérias na microbiota intestinalcomo Bifidobacterium e Lactobacillus.
“Nos casos de dieta paterna rica em vitamina e açúcares, encontramos na prole mudanças importantes logo após a lactação, como o aumento na concentração sérica de lipopolissacarídeos, que foi associado positivamente à ativação de vias inflamatórias no hipotálamo [região cerebral envolvida no controle do apetite]”, diz Luciana Pellegrini Pisani, professora do Departamento de Biociências da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), campus Baixada Santista, e orientadora do estudo.
“Também tivemos uma diminuição de ZO1, que é associada ao aumento da permeabilidade intestinal, levando a uma maior translocação de lipopolissacarídeos [escape de LPS para fora do intestino].”
Além disso, nos dois momentos, foram encontradas alterações em fatores associados à homeostase energética. A pesquisadora cita o aumento do processo inflamatório, de adiposidade, além de ganho de peso associado ao aumento de neuropeptídeo Y e diminuição de grelina e de GLP1, hormônios do trato gastrointestinal que atuam na regulação do apetite.
“O mais interessante, no entanto, foi que na prole com 90 dias houve alteração na adiposidade e parâmetros de controle de fome e saciedade, independentemente da própria dieta”, afirma Pisani. “Ou seja, mesmo com uma alimentação equilibrada, observamos aumento de adiposidade e alteração de parâmetros relacionados à homeostase energética, e isso eleva a probabilidade de desenvolvimento de doenças metabólicas à obesidade na idade adulta.”
Já a obesidade materna induzida resultou em aumento do neuropeptídeo Y e redução fecal de Bifidobacterium e Lactobacillus na prole adulta.
O efeito combinado da dieta hipercalórica parental mostrou aumento do neuropeptídeo Y ao desmame e menor conteúdo de Bifidobacterium e Lactobacillus na prole adulta. Esses resultados permitirão concluir que a alimentação de ambos os genitores pode modular as bactérias na microbiota intestinal da prole e programar sua suscetibilidade a doenças metabólicas.
Perspectivas
“Essas descobertas significam que, ao nascer, a prole já está condenada a sofrer problemas metabólicos? Não, apesar de haver uma propensão maior, é possível diminuir esses efeitos deletérios com uma reprogramação pelo meio de mudança no estilo de vidaou seja, prática de atividade física, ingestão alimentar adequada, equilibrada e sem restrições diversas ou aumentos drásticos”, diz Pisani.
“O estudo abre a possibilidade para que, a partir do momento em que haja um planejamento para gestação, ocorra também uma mudança tanto no estilo de vida da futura mãe quanto do futuro pai —o que fará uma grande diferença na vida dos filhos por gerações .”
Ainda de acordo com a pesquisadora, os próximos passos são ampliar os estudos relativos à homeostase energética e à ação intestino-cérebro, analisando outros tecidos e incluindo filhotes femininos, nas quais já se provou uma resposta diferente no que se refere a parâmetros metabólicos associados com a resistência insulina e com o processo inflamatório.
– 15/12/2022 – Equilíbrio e Saúde