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Jornal da USP

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Segundo informações recentemente divulgadas, o novo ministro da Ciência e Tecnologia, Eduardo Campos, está procurando estabelecer uma maior aproximação entre o governo e a comunidade científica por meio da revisão de algumas práticas adotadas pela gestão anterior do Ministério, como a de regionalizar a distribuição de recursos destinados às atividades de pesquisa científica, tecnológica e de inovação. Sobre essa e outras medidas o Jornal da USP ouviu alguns cientistas atualmente envolvidos com problemas e questões relacionados à administração, organização e formulação de estratégias e políticas públicas voltadas para o desenvolvimento do sistema de pesquisa brasileiro. Para Ennio Candotti, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e membro do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia (CCT), não existe nenhuma ruptura na descentralização das atividades de pesquisa, processo iniciado há anos e não na gestão anterior do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT). "Na prática, trata-se de uma revisão dessa política de regionalização de recursos baseada na intenção de se criar um planejamento estratégico de longo prazo, que permita o maior desenvolvimento da pesquisa em regiões atualmente carentes nessa área, sem comprometer o funcionamento dos institutos e universidades onde essas atividades estão amadurecidas e têm gerado excelentes resultados", afirma. "O Programa de Apoio a Núcleos de Excelência, o Pronex, por exemplo, permitiu, ao longo dos anos, que uma série de grupos de pesquisa de todo o País se tornassem referência em suas áreas de atuação. É a partir de programas dessa natureza, criados como parte de políticas públicas de longo prazo, que vamos conseguir fundar novos núcleos de excelência em pesquisa científica e tecnológica." Desde 1996 o Pronex distribuiu R$ 180 milhões para 206 grupos de pesquisa, que reúnem cerca de 3.500 pesquisadores de 43 instituições espalhadas por 20 Estados. Graças a esse apoio, esses grupos temáticos e tornaram núcleos de excelência mundialmente reconhecidos, por meio da publicação de artigos em renomadas revistas internacionais e por terem contribuído significativamente para o aumento do número de doutores formados pelo sistema brasileiro de pesquisa. "Os fundos setoriais são importantes, mas eles têm outra função, pois são voltados principalmente para o investimento na pesquisa voltada para a resolução de determinadas demandas do setor produtivo. Claro que eles contribuem para o processo de descentralização da pesquisa, mas o grande investimento tem que vir de um planejamento estratégico de longo prazo, que dê ênfase fundamentalmente para a pesquisa básica, cujo papel é o de dar suporte para as demais atividades do sistema", defende Candotti. "Ou seja, a descentralização da pesquisa é uma equação extremamente complexa, que precisa ser encarada pelo governo como parte de um amplo projeto de desenvolvimento nacional e não apenas como um problema de distribuição de recursos. Isso inclui etapas que precisam prever a transferência de pesquisadores para as áreas onde novos grupos e institutos de pesquisa serão formados e sua posterior fixação, com incentivos que diminuam as probabilidades desses profissionais irem embora diante das enormes dificuldades que existem nessas situações. Ao que parece, o ministro Eduardo. Campos percebeu isso e está empenhado em responder ao desafio após ouvir as idéias da comunidade científica." De acordo com Luiz Nunes de Oliveira, pró-reitor de Pesquisa da USP, ainda é cedo para tirar conclusões sobre os rumos que o MCT vai tomar. "Com a mudança de comando, o Ministério ainda está redefinindo sua política. Um dos fatos positivos é que o ministro está consultando a comunidade científica e os setores empresariais envolvidos no desenvolvimento tecnológico e na geração de inovação", afirma. "Outro dado interessante é que o ministro pretende rever o projeto da lei de inovação, que está em tramitação no Congresso, dedicando atenção especial para a regulamentação das relações entre as universidades, as empresas e os docentes envolvidos na fundação de empresas de base tecnológica." Patentes - O pró-reitor lembra que as patentes representam outra questão que não pode ser deixada de lado pela lei de inovação. Para aumentar o número de registros de patentes, as universidades precisam contar com mecanismos menos burocráticos e onerosos que os previstos na legislação atual. E as empresas precisam de incentivos que as estimulem a criar seus centros de pesquisa e, em conseqüência, a registrar mais patentes. Recentemente foi publicado pela Organização Mundial de Propriedade Intelectual (Ompi) um relatório que mostra o Brasil como responsável por 0,2.% das patentes registradas em 2003, num total de 221 registros. Desses, sete foram feitos por universidades, dez por outras instituições públicas de pesquisa, 103 por pessoas físicas e 101 por empresas. "O fato de a maior parte das patentes ter sido registrada por pessoas físicas mostra que o setor produtivo precisa urgentemente de estímulos para desenvolver essa cultura, através da criação de centros de pesquisas próprios ou por meio de parcerias com universidades e institutos", afirma Oliveira. "Nos países mais desenvolvidos nessa questão a participação desse setor é muito maior. Entretanto, a média das universidades é a mesma no Brasil, algo em torno de 3% a 4%. Se considerarmos nossas universidades somadas aos institutos públicos de pesquisa, esse número passa para cerca de 7%. O problema é que, num todo, patenteamos pouco e a questão somente será resolvida por meio da criação de um ambiente que favoreça o registro de patentes pelas universidades e institutos de pesquisa, com menos entraves burocráticos e, principalmente, pela participação do setor produtivo." A idéia de que a maior participação do setor produtivo nesse processo é fundamental é compartilhada por Candotti e Carlos Vogt, presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), vice-presidente da SBPC e coordenador do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor) da Unicamp. Para Vogt, as universidades patenteiam, mas esta não é sua função fundamental. "A transformação do conhecimento em produtos e, portanto, em crescimento econômico é, fundamentalmente, uma atribuição do setor produtivo", diz. "Daí a necessidade de aperfeiçoarmos o projeto da lei de inovação, pois ela será um instrumento fundamental para a pesquisa e o desenvolvimento, ou seja, para o florescimento de processos que ajudem a criar melhores condições de transformação do conhecimento em riqueza, por meio principalmente da criação de mecanismos legais que otimizem as relações entre as universidades, os institutos de pesquisa e as empresas." Vogt também acredita que ainda não há resultados tangíveis que permitam afirmar que há diferenças entre a administração anterior do MCT e a atual, mas vê como um sinal positivo o fato de o ministro estar empenhado em ouvir a comunidade científica antes de tomar novas decisões. "Há outras questões que precisam ser resolvidas, como a falta de oportunidades para os novos doutores, que poderia ser melhor equacionada no curto prazo com uma política que levasse as universidades privadas a investir mais na criação de centros de pesquisa e resolvida no longo prazo com uma política de criação de centros de pesquisa, pelas empresas", explica. "Outra questão é que o governo precisa definir algumas áreas nas quais serão feitos investimentos de longo prazo, com a meta de colocar o País em uma posição estratégica e competitiva. Uma das que merecem atenção especial é a de biotecnologia, pois ela dá suporte para a expansão do agronegócio, uma vocação nacional, e também permite maior crescimento do setor farmacêutico, uma área em que não temos tradição", defende. "Entretanto, para esta e outras iniciativas os investimentos na ampliação da nossa infra-estrutura são urgentes, especialmente os relacionados aos transportes, pois estes permitem uma diminuição das perdas nas safras e a entrada do País em outros mercados." Para Oliveira, da USP, há muitas áreas que poderiam ter grandes investimentos, como a de softwares, vacinas, petróleo, nanotecnologia, programa espacial, entre muitas outras. Entretanto, o governo, juntamente com a comunidade científica, precisa definir os focos principais, evitando a fragmentação dos recursos disponíveis e o risco de que nenhum dos programas acabe dando resultados satisfatórios. "Além disso, não basta o governo apenas distribuir recursos. O fundamental é ter planejamento e liderança." Essas opiniões são compartilhadas por Candotti, que lembra que foi o que ocorreu nos anos 70, quando o governo investiu em muitas frentes, o que levou à falta de recursos em momentos decisivos para determinadas atividades. "Não que não tenhamos tido ganhos, mas, se a concentração e o planejamento tivessem sido maiores, com certeza estaríamos em uma posição melhor em determinadas áreas, como na informática", afirma. "Uma das formas de o ministro promover essa ação é por meio do fortalecimento da ação integradora do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia, o CCT, que nasceu com a missão de contribuir para uma maior sinergia entre o MCT e outros Ministérios, já que 60% do orçamento de ciência e tecnologia não está no MCT, mas sim pulverizado nos outros, principalmente nos Ministérios da Educação, Minas e Energia e Agricultura." Em princípio, está prevista para o próximo dia 29 de março, uma visita do ministro Eduardo Campos à Fapesp com a meta de estreitar relações com a comunidade científica paulista. Segundo Vogt, a idéia é que os conselheiros e diretores da instituição possam trocar idéias com Campos. "Também pretendemos convidar os reitores da USP, Unicamp e Unesp para participar do debate."