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Diagnóstico fácil (1 notícias)

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Um equipamento de diagnóstico capaz de detectar até 20 doenças em apenas alguns minutos está sendo desenvolvido por um consórcio liderado por três instituições de pesquisa do Paraná. Chamado de plataforma para diagnósticos multiplex, okit será produzido industrialmente, a partir de 2014, pela empresa Lifemed, com sede em Pelotas (RS). No início, o aparelho será utilizado para diagnóstico de HIV, citomegalovirose, rubéola, sífilis, toxoplasmose e hepatite A, B e C em exames de pré-natal na Rede Cegonha, programa do Ministério da Saúde de assistência a mães e bebês. A pesquisa para o desenvolvimento do produto é liderada pelo Instituto Carlos Chagas (ICC), da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), e pelas universidades Federal (UFPR) e Tecnológica Federal (UTFPR), todos de Curitiba, além de outras sete instituições de outros estados, com a articulação promovida pelo Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) para Diagnóstico em Saúde Pública.

 

Segundo Marco Aurélio Krieger, pesquisador do ICC e coordenador do projeto, o novo equipamento foi desenvolvido baseado em dois conceitos, lab-on-a-chip (todo o laboratório contido em um cartão descartável) e point of care (de execução simples em consultórios ou ambulatórios). Assim, ele é portátil, pode funcionar a bateria e possibilita a realização do teste no próprio consultório médico ou até mesmo em locais remotos. "Além disso, todo o desenvolvimento do aparelho é nacional", diz Krieger.

 

De acordo com Carlos Gadelha, secretário de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde, a sua pasta investirá cerca de R$ 950 milhões, em cinco anos, na compra dos kits. O número de equipamentos produzidos irá aumentar de forma progressiva nesse período. De acordo com ele, a compra pelo governo federal irá gerar uma economia de mais de R$ 177 milhões no decorrer dos cinco anos e o preço unitário do produto terá redução de cerca de 30% no período. "No primeiro ano (2014) serão produzidos 2 milhões de kits ao valor unitário de R$ 30,40", explica. "No último ano (2019) vão ser fabricados 10 milhões de unidades ao valor de R$ 21,50 cada uma." São valores sem impostos que incidem normalmente no produto, apenas incluem aqueles relativos ao pagamento de pessoal.

 

O equipamento é composto basicamente de três partes: micropartículas de poliestireno (o mesmo material usado para fabricar isopor); um disco de polímero, semelhante a um CD, chamado pelos pesquisadores de chip; e o equipamento que o faz rodar. Quem desenvolveu as partículas foi a equipe do físico Cyro Ketzer Saul, do Departamento de Física da UFPR. Cada uma delas tem cerca de 10 micrômetros de diâmetro (um micrômetro equivale à milionésima parte do metro). "Por meio de reações químicas, envolvemos as partículas com antígenos de um determinado patógeno, como vírus ou outros microrganismos causadores de doenças", explica Krieger. O antígeno é uma proteína ou pedaço de proteína estranha ao organismo que provoca uma resposta imunológica com formação de anticorpos.

 

A segunda parte, o chip ou disco, também foi desenvolvida na UFPR, pela equipe do professor Wido Herwig Schreiner. Trata-se de um pequeno disco de três centímetros de diâmetro, com 40 "pocinhos", divididos em dois círculos concêntricos, cada um com 20 deles. Cada par de pocinho (um do círculo interno e outro do externo) é ligado por uma microcanaleta ao centro do disco. Na parte externa dele há uma borda de material absorvente, chamada pelos pesquisadores de fraldão. A terceira parte do kit é um equipamento, desenvolvido na UFTPR pelo grupo do pesquisador Fabio Kurt Schneider, que faz girar o disco e dá o resultado do teste, mostrando se um determinado paciente está com uma das doenças analisadas.

 

Todo o processo de realização do diagnóstico é simples. Em cada pocinho do círculo interno do chip são colocados milhares de microesferas com antígenos para um determinado tipo de doença. Nos 20 pocinhos do círculo externo são inseridos anticorpos capazes de reconhecer anticorpos humanos. Por isso identificarão qualquer um ligado aos antígenos. Sua função é agir como controle. O teste é feito colocando-se uma gota de sangue no centro do disco, que é inserido no tocador para girar. À medida que ele gira, o sangue escorre pelas canaletas até os pocinhos. Havendo no sangue testado anticorpo para uma determinada doença, ele vai grudar no antígeno para tentar matá-lo. Desse modo se sabe que a pessoa cujo sangue está sendo testado possui a doença. "Mas para que isso possa ser visualizado é colocada, de forma automática, outra proteína no centro do disco, que novamente é rodado", explica Saul. "A proteína é chamada de repórter e é capaz de grudar em qualquer anticorpo que tenha aderido à partícula com antígeno."

 

O último passo é fazer incidir luz ultravioleta sobre o disco. A proteína repórter vai brilhar nos pocinhos com anticorpos, imagem que é captada por uma câmera do equipamento, tanto naqueles do círculo externo de controle como no interno que tiver sangue contaminado por uma determinada doença. "É importante o círculo de controle", diz Krieger. "Se algum pocinho daqueles não brilhar, o teste é invalidado. É prova de que houve algum problema em sua realização."

 

Até agora, o projeto já passou pela fase de bancada de laboratório, que comprovou sua viabilidade. "Já temos o que se chama uma prova de conceito", explica Saul. "Sabemos que funciona e como funciona. Agora queremos produzir o equipamento industrialmente." Para isso foi assinado em janeiro um convênio entre a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), a Fiocruz e o Instituto de Biologia Molecular do Paraná (IBMP), que prevê a liberação de R$ 8 milhões para as próximas fases de desenvolvimento, validação e registro do kit. O ICC vai coordenar esta nova etapa, que será desenvolvida com participação de duas outras unidades da Fiocruz, Instituto Aggeu Magalhães, de Pernambuco, e Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos (Bio-Manguinhos), do Rio de Janeiro, além da UFPR, da UTFPR e do IBMP.

 

Teste do protótipo

 

Essa fase também terá a participação da Lifemed. Segundo seu gerente comercial nacional, Carlos Passos, em primeiro lugar, o projeto vai envolver a área de pesquisa e desenvolvimento (P&D) da empresa. "A partir de uma configuração inicial e das características do equipamento que atendam às necessidades do Ministério da Saúde vamos desenvolver primeiro um protótipo", explica. "Ele será testado em bancada de laboratório, antes de ser feito qualquer teste em pacientes. Depois disso, que normalmente é um processo demorado, será realizada a parte de testes clínicos. A produção propriamente dita é a última etapa e deve ocorrer de acordo com o contrato do Ministério da Saúde."

 

Não deverá faltar mercado para o uso dos kits. Segundo dados do Ministério da Saúde, todos os anos nascem no Brasil cerca de 3 milhões de crianças. Levando--se em conta que 75,5% da população brasileira não tem plano privado de saúde, estima-se que cerca de 2,3 milhões de gestantes dependem do SUS para suas consultas e exames do pré-natal. Ainda de acordo com o ministério, considerando-se que o número mínimo de consultas realizadas no Brasil é quatro por gestação durante o pré-natal, quando a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda não menos de seis - e que em cada consulta sejam realizados os testes recomendados para HIV, rubéola, sífilis, toxoplasmose e hepatite B -, o número estimado deles é de 9,1 milhões por ano.

 

Ainda não existem dados disponíveis sobre os gastos do SUS com a realização desses testes, mas, considerando que um imunoensaio na plataforma Elisa custa, para outros programas do ministério, cerca de US$ 2 cada um, estima-se que seriam gastos anualmente cerca de R$ 247,8 milhões por ano com os exames.

 

Outros dados do ministério também mostram a importância dos investimentos para desenvolver tecnologias nacionais para o atendimento em saúde, principalmente no pré-natal. Eles mostram que em 2009, por exemplo, foram realizados 19,4 milhões de consultas com gestantes. Um aumento de 125% no acesso aos serviços de saúde para as consultas do pré-natal em relação a 2003.

 

Com a implantação total do programa Rede Cegonha em 2014, que tem como um dos seus objetivos a ampliação do acesso das gestantes aos serviços de saúde, o Ministério da Saúde espera um aumento significativo no número de consultas. Para Gadelha, do ministério, os acordos com instituições de pesquisa e empresas nacionais para o desenvolvimento de produtos e tecnologias possuem um caráter sistêmico de inovação, envolvendo o avanço em novas abordagens biotecnológicas e o esforço para a produção de equipamentos e dispositivos médicos no Brasil.

 

Um dos objetivos do projeto é a máxima de nacionalização possível do equipamento. Dispositivos como o chip e a câmera devem ser importados. A meta é que outros componentes do kit sejam nacionalizados como as proteínas (antígenos e anticorpos), o disco de polímero da base do chip, as micropartículas de poliestireno que se ligarão às proteínas e o dispositivo acionador do chip. "No caso das micropartículas já está em andamento um processo de solicitação de patente pela Fiocruz", diz Saul. Além da Lifemed, que produzirá o dispositivo acionador do chip e fará a montagem e comercialização do produto, a Fiocruz está apoiando a criação de empresas spin off para a produção dos componentes plásticos que comporão o disco do chip.

 

Autor: Evanildo da Silveira

Fonte: Pesquisa FAPESP Online