Quase metade da floresta amazônica pode estar exposta a fatores de degradação que levariam a Amazônia a um ponto de não retorno até 2025. A conclusão é de um estudo liderado por pesquisadores brasileiros publicado na revista científica “Nature” nesta quarta-feira (14).
Contexto: o ponto de não retorno é um estágio a partir do qual se inicia uma transformação irreversível. No caso da Amazônia, seria o ponto em que a floresta passaria a morrer de maneira acelerada, com modificações no bioma e extensas áreas começando um processo de colapso.
A pesquisa mapeou os principais fatores de estresse aos quais a Amazônia está exposta e como os diferentes tipos de degradação interagem entre si. O estudo estima que entre 10% e 47% da floresta amazônica esteja exposta a ameaças graves até 2050, que podem levar a transições no ecossistema.
A variação na porcentagem está diretamente ligada a como os fatores de impacto vão se combinar e interagir. Há uma heterogeneidade na atuação desses fatores em diferentes locais da Amazônia
— Marina Hirota, professora do departamento de física da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)
De acordo com os pesquisadores, ao atingir o ponto de não retorno, a Amazônia passaria por transformações significativas, com implicações para a biodiversidade e alteração na disponibilidade de recursos.
Ameaças à Amazônia
Para entender o potencial de colapso da floresta amazônica a médio prazo, os pesquisadores analisaram as principais causas de degradação do bioma, considerando especialmente o estresse hídrico.
Os fatores de impacto analisados na pesquisa foram:
Aquecimento global
Precipitação anual
Intensidade da sazonalidade de chuvas
Duração da estação seca
Desmatamento
Bernardo Flores, pesquisador de pós-doutorado em ecologia da UFSC e um dos líderes do estudo, destaca que é fundamental considerar também a ação humana em meio a todo o estresse que a Amazônia vem sofrendo.
“A Amazônia toda está esquentando significativamente. A temperatura média da estação seca pode aumentar quatro graus até 2050 e isso é muito prejudicial para o bioma”, alerta o pesquisador.
Ele afirma que a combinação de secas extremas, calor e queimadas pode acelerar o processo de colapso da região, contribuindo para uma mudança de grande parte da Amazônia.
Consequências irreversíveis
A pesquisa também aponta que, ao se aproximar do ponto de não retorno, se estabeleceria na Amazônia um sistema que se retroalimenta, com a aceleração de perda de florestas.
Nesse cenário, o estudo projeta três possíveis caminhos de transformação do ecossistema:
Floresta degradada
Se estabelece quando há a recuperação da floresta, mas em estado degradado, isto é, dominada por espécies nativas oportunistas, como cipós ou bambus. Essas plantas causam danos às árvores e têm se expandido sobre florestas queimadas na região.
Savana de areia branca
Esse tipo de ecossistema é antigo na Amazônia e ocorre normalmente em áreas que ficam sazonalmente inundadas. Evidências de satélite e de campo revelaram que as savanas de areia branca estão se expandindo onde a floresta foi destruída por incêndios. Depois do fogo, a camada superficial do solo nesses locais passa de argilosa para arenosa.
Áreas não-florestais degradadas
Ocorre em regiões em que a floresta não se recupera mais e permanece em estado de vegetação aberta, com incêndios recorrentes. Muitas vezes esse ecossistema é dominado por espécies tolerantes ao fogo e espécies invasoras. Estima-se que no sul da Amazônia 5% a 6% da paisagem já se transformou em ecossistemas degradados devido ao desmatamento e incêndios.
Bernardo também alerta que a transformação do bioma impactaria diretamente o clima da região. “A degradação contribui para a redução da ocorrência de chuvas na Amazônia. Haveria uma diminuição na capacidade do ecossistema de reciclar as águas das chuvas e a floresta precisa disso para viver”, analisa.
Alerta para o futuro
Além do impacto para o meio ambiente, os pesquisadores destacam os efeitos que todas essas mudanças já têm para as populações locais.
“Essas pessoas vão sentir as consequências antes de todo o Brasil. São as pessoas que vivem na Amazônia, os povos que vivem da floresta e que mantém a floresta em pé”, lembra a pesquisadora Marina Hirota.
Para as demais regiões do Brasil, a devastação da Amazônia pode significar uma alteração significativa no regime de chuvas.
Com a situação preocupante exposta pela pesquisa, os pesquisadores entendem que é urgente que medidas sejam tomadas para que se evite uma transformação irreversível da floresta.
Para eles, são necessárias ações locais dos países que compreendem a Amazônia para reduzir o desmatamento e expandir áreas de restauração florestal. Além disso, eles reforçam a importância de ações globais, com todos os países se comprometendo com a redução da emissão de gases do efeito estufa.