Notícia

Gazeta Mercantil

Deus, o dono da vida

Publicado em 23 abril 1997

Por Ney Lopes *
Quando em 1991 comecei a trabalhar como relator-geral da nova Lei de Marcas e Patentes na Câmara dos Deputados, recebi visita de representante da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) no Congresso Nacional. A missão era alertar-me para o risco do patenteamento de "monstros de laboratório" (animais ou seres humanos). Achei aquela hipótese muito remota. Mas, logo, convenci-me de que todas as cautelas teriam de ser tomadas. Afinal, o dom da vida pertence a Deus. Há quase 10 milhões de anos observa-se a evolução do mamífero e teorias buscam explicar a origem do planeta Terra. Hoje, quando tudo parecia explicado, nasce a ovelha Dolly fabricada há mais de sete meses num laboratório escocês, sem pai definido e originária de três ovelhas fêmeas. O mundo parou, perplexo. O papa pede respeito à vida e exige proibições dos governos ante as tentativas de clonagem humana. A revolução da engenharia genética alcança o ponto mais alto. Já se sonha com medicamentos fabricados com células capazes de recompor aquelas destruídas pelo câncer. E - quem sabe - a produção genética de órgãos que facilitem os implantes. Tudo isso sob rigoroso controle ético e nos exatos limites da vontade do Criador. Sinto-me feliz. Desde a primeira redação do projeto que deu origem à atual Lei de Patentes permanece inalterado o dispositivo que escrevi, proibindo o patenteamento "no todo ou parte de seres vivos naturais e materiais biológicos encontrados na natureza, ou ainda que dela isolados, inclusive o genoma ou germoplasma de qualquer ser vivo natural e os processos biológicos naturais" (art. 10°, IX). Mais adiante, na mesma lei, voltei a reforçar essa proibição (art. 18, III e parágrafo único), ao declarar não-patenteáveis "o todo ou parte dos seres vivos", assim esclarecidos no parágrafo único como "o todo ou parte de plantas ou de animais". O então senador Marco Maciel, autor da Lei 8.974/95, teve idêntica preocupação ao propor a vedação da manipulação genética de células humanas. A ovelha Dolly da Escócia ou um sósia de laboratório jamais serão patenteados no Brasil. Sempre defendi a ciência a serviço do homem. Porém, nunca a negação de Deus. A intervenção humana é benéfica quando o cientista muda ou altera, por exemplo, um microorganismo (célula, fungo, bactéria), tornando aquela partícula diferente das demais em condições naturais, para o fim de produzir medicamento que cure doença específica. Nesta hipótese, o invento deve ser preservado, porque não é contrário à moral, aos bons costumes, à segurança, à ordem ou à saúde públicas. Ao contrário, traz tranqüilidade às famílias, na medida em que permite a volta ao convívio social de entes queridos com males até então incuráveis. A vida não se resume a proveta de laboratório ou a choque elétrico de células e óvulo, ambos femininos, formadores do embrião cedido a uma mãe de aluguel, como no caso de Dolly. O ser humano é mais que cópia xerografada. Ele envolve amor, inteligência, criação, temperamento e outros fatores. Porque, afinal, Deus é o dono da vida. * Deputado federal (PFL-RIM).