Os primeiros resultados foram apresentados pela pesquisadora do CRG Julia Ponomarenko, no dia 7 de junho, durante a programação do FAPESP/EU-LIFE Symposium on Cancer Genomics, Inflammation & Immunity. O evento de três dias realizado na sede da FAPESP teve como objetivo fomentar a colaboração entre cientistas do Estado de São Paulo e da Europa.
“Coletamos amostras de saliva de 1.502 crianças entre 15 e 16 anos, de 25 cidades espanholas. Pensamos que seria divertido para elas cuspir em um tubinho”, comentou Ponomarenko em entrevista à Agência FAPESP.
Os pesquisadores extraíram e sequenciaram o DNA contido nas amostras. Para facilitar o processo de identificação dos organismos presentes, o grupo usou como alvo o gene 16S rRNA, que é encontrado em todas as espécies de bactéria com pequenas variações.
“Nosso método de análise permite construir um perfil das bactérias presentes na boca de cada criança. Mas conseguimos chegar até o nível do gênero. Não foi possível aprofundar a análise para identificar todas as espécies”, contou a pesquisadora.
Os gêneros mais abundantes nas amostras analisadas foram Streptococcus, Prevotella, Haemophilus, Neisseria, Veillonella, Rothia, Porphyromonas, Actinomyces, Fusobacterium e Gemella.
“Bactérias do gênero Streptococcus foram encontradas em 100% das amostras e, em 68% dos casos, foi o grupo de bactérias mais abundante”, contou Ponomarenko.
Com base nesses dados e também em questionários respondidos pelas crianças, nos quais elas comentaram seus hábitos alimentares, de higiene e outros fatores relacionados ao estilo de vida, como contato com animais de estimação e tipo de moradia, o grupo do CGR tem feito correlações.
“Essas análises nos permitem ver, por exemplo, quais bactérias tendem a estar mais presentes na boca de crianças que consomem bebidas açucaradas, bebidas energéticas ou salgadinhos. Agora vamos começar a analisar as informações mais profundamente e estreitar as correlações. No futuro, podemos aumentar nossa amostra para estudar um aspecto específico, como consumo de refrigerante, e concluir quais são os efeitos desse hábito”, explicou.
Entre os brasileiros que se apresentaram no primeiro dia do simpósio estava Emmanuel Dias Neto, pesquisador do A.C. Camargo Cancer Center e coordenador do Projeto Temático “Epidemiologia e genômica de adenocarcinomas gástricos no Brasil”, apoiado pela FAPESP.
“Esse é um tipo de tumor extremamente agressivo, o segundo mais letal no mundo. No Brasil, são cerca de 20 mil novos casos e 15 mil mortes por ano”, ressaltou Dias Neto.
O projeto será conduzido em três diferentes frentes, contou o pesquisador. No bloco de epidemiologia, cerca de 2 mil voluntários serão entrevistados. O objetivo é investigar uso de medicamentes, consumo de alimentos e aditivos alimentares, tabaco, álcool e outros fatores que podem ter influência no desenvolvimento do tumor.
“Teremos dois grupos controle: um de pessoas sem qualquer queixa de problema gástrico e outro de indivíduos com alguma lesão, mas sem diagnóstico de câncer. O terceiro grupo será de pacientes diagnosticados com a doença – diferentes tipos e estágios. Pretendemos também obter amostras de sangue e do tumor”, disse Dias Neto.
O material coletado será usado no segundo módulo do projeto, voltado a estudos de biologia molecular e genômica. Serão avaliadas as bactérias presentes no estômago e sua relação com o desenvolvimento de um tumor mais ou menos agressivo. Também serão investigados os tumores de origem familiar, em busca de marcadores moleculares que auxiliem o diagnóstico, a avaliação do prognóstico e o tratamento.
O terceiro bloco será dedicado a estudar a resposta dos pacientes à quimioterapia neoadjuvante – feita antes da cirurgia. “Hoje o protocolo padrão é tratar o paciente por um período e, somente depois, operar. Mas, em muitos casos, observamos durante a cirurgia que o tratamento não teve efeito. O paciente perdeu tempo, dinheiro e saúde com a espera. Se encontrarmos um meio de identificar previamente quem se beneficia da quimioterapia neoadjuvante, será um ganho importante”, afirmou Dias Neto.
Ainda na área de oncologia, o holandês Wilbert Zwart, membro do The Netherlands Cancer Institute, apresentou dados de estudos voltados a entender como os receptores de hormônios femininos (proteínas existentes nas células que são ativadas pelo estrogênio ou progesterona) se ligam ao DNA e influenciam a proliferação de tumores de mama.
“Cerca de 75% dos tumores de mama são positivos para receptores de estrógeno [apresentam essas proteínas nas células cancerosas], ou seja, são potencialmente tratáveis com drogas que inibem a ação dessas proteínas, como o tamoxifeno”, disse Zwart.
Muitos pacientes se curam com a terapia hormonal, acrescentou o pesquisador, mas alguns apresentam recaída após alguns anos. “Essa recaída, geralmente, é na forma de metástase. É isso que queremos evitar a qualquer custo”, disse.
Segundo o pesquisador, estudos indicam que o padrão de ligação desses receptores com o DNA pode determinar o comportamento das células tumorais e a resposta à terapia.
“O que fazemos, portanto, é olhar para os diferentes padrões de ligação com o DNA e comparar com o comportamento do tumor no paciente, observar se ele é ou não resistente à terapia. Vemos que sim, há diferença. Nosso objetivo é traduzir essas diferenças em ferramentas preditoras, que possam ser úteis para orientar o tratamento”, explicou.
Também fizeram parte da programação pesquisas voltadas a prevenir e tratar doenças como leishmaniose, Chagas, diabetes, leucemia, Xeroderma pigmentoso (mutação genética que aumenta a suscetibilidade das células da pele aos danos causados pela radiação solar e o risco de câncer) e glioma (câncer cerebral), entre outros temas relacionados às Ciências da Vida.
Construindo pontes
Com o intuito de estimular o intercâmbio entre a comunidade científica paulista e os mais de 7 mil pesquisadores vinculados à EU-LIFE, um acordo de cooperação foi assinado durante a abertura do simpósio pelo vice-presidente da FAPESP, Eduardo Moacyr Krieger, e por Geert Van Minnebruggen, representante da entidade europeia.
Criada em 2014, a EU-LIFE reúne 13 centros de pesquisa da área de Ciências da Vida – sediados em 13 diferentes países da Europa Ocidental.
“Temos como objetivo promover boas práticas de investigação e a colaboração não apenas entre os membros de nossa comunidade como também com grupos do exterior que atuam na mesma área. Atuamos como uma voz desses institutos junto à Comissão Europeia e aos governos nacionais dos países representados, auxiliando na obtenção de financiamento”, explicou Marta Agostinho, coordenadora da entidade.
Segundo ela, a parceria com a FAPESP surgiu de uma confluência de objetivos. Esta também é a avaliação do vice-presidente da FAPESP. “As duas instituições têm missões semelhantes, de promover pesquisa de excelência e a colaboração internacional”, destacou Krieger.
Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor científico da FAPESP, lembrou durante sua apresentação que as negociações que resultaram no acordo de cooperação tiveram início há cerca de um ano, durante a FAPESP Week Barcelona, na Espanha. Em seguida, Brito Cruz apresentou um panorama da ciência e da tecnologia produzidas no Estado de São Paulo.
Minnebruggen, que apresentou o escopo de atuação da EU-LIFE, destacou a importância de conectar pesquisas em diversas disciplinas para lidar melhor com desafios como produção de alimentos e sustentabilidade, envelhecimento saudável e desordens neurológicas.
“É realmente muito importante encontrar soluções para doenças como Alzheimer, pois milhares de pessoas são diagnosticadas diariamente”, destacou.
https://youtu.be/eIMRujC2bpc