Um em cada cinco estudantes dos anos finais do ensino fundamental no Paraná têm aulas com professores(as) que não se formaram na disciplina que lecionam. O improviso para dar conta do currículo é uma estratégia adotada em todo o país e reflete a falta de planejamento das redes, a carência de concursos públicos e a desvalorização da profissão, que liga o alerta para um potencial apagão da educação.
A perspectiva de falta de professores(as) num futuro próximo é tema de capa da edição de outubro da Revista FAPESP, editada pela Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado de São Paulo, que traz dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep).
A reportagem mostra que no Paraná 79,8% das docências dos anos finais do ensino fundamental têm professores(as) com formação adequada à área de conhecimento. A média nacional é de 59,9% e o Paraná está abaixo do Distrito Federal, com 87,2%, e do Mato Grosso do Sul, com 80,9%.
No caso das docências do ensino médio no Paraná, 83,4% têm professores com formação adequada à disciplina que lecionam. A média nacional é de 67,6% e o Paraná está atrás do Amapá, com 87,4%, do Distrito Federal, com 87,1% e do Espírito Santo, com 83,2%.
Em todo o país, muitos(as) estudantes estão finalizando o ano letivo de 2023 sem ter aulas de Física ou Sociologia, por exemplo, com professores(as) formados(as) nessas disciplinas. Os dados são do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep).
Em Pernambuco, menos de um terço das aulas de Física no Ensino Médio são ministradas por licenciados(as) na disciplina. Lá, segundo o Inep, apenas 32,4% das docências em Física no Ensino Médio são ministradas por licenciados(as) na disciplina.
Licenciaturas
Licenciaturas em áreas específicas são cursos superiores que habilitam a dar aulas nos anos finais do ensino fundamental e no ensino médio. O número de concluintes nessas licenciaturas caiu de 123 mil em 2010 para 111 mil em 2021, o que indica que a falta de professores(as) tende a aumentar.
Para reverter a tendência, é urgente criar políticas de valorização da carreira docente e a adoção de reformulações curriculares dos cursos de licenciatura, defende a Revista. Para reforçar essa necessidade, a publicação argumenta que desde 2014 o número de ingressantes em licenciaturas presenciais está caindo, assim como ocorre em cursos à distância desde 2021.
“As áreas mais preocupantes são as de Ciências Sociais, Música, Filosofia e Artes, que apresentaram as menores quantidades de matrículas em 2021, e as de Física, Matemática e Química, que registraram as maiores taxas de desistência acumulada na última década”, resume Marcia Ferreira.
Dados
Dados do Inep disponíveis no Painel de Monitoramento do Plano Nacional de Educação (PNE) indicam que em 2022 59,9% das docências do 6º ao 9º ano do ensino fundamental e de 67,6% daquelas oferecidas no ensino médio eram ministradas por professores(as) formados(as) na área do conhecimento.
A falta de formação adequada do professor pode causar impactos no processo de aprendizagem dos(as) alunos(as), aponta a Revista FAPESP. A publicação cita pesquisa de Matheus Monteiro Nascimento, físico da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), realizada em 2018.
De acordo com o pesquisador, na ausência de docentes licenciados em Física a disciplina geralmente é dada por professores(as) de Matemática. Com isso, a abordagem tende a privilegiar o formalismo matemático, em detrimento de conhecimentos sobre mecânica, eletricidade e magnetismo por meio de abordagens fenomenológicas, conceituais e experimentais.
“O formalismo matemático é, justamente, o elemento da disciplina de física que mais prejudica o interesse de estudantes por essa área do conhecimento”, considera Nascimento.
Defasagem
Mesmo se todos(as) os(as) licenciados(as) de 2010 a 2021 ministrassem aulas na disciplina em que se formaram nos anos finais do ensino fundamental e no ensino médio em 2022, ainda assim o país teria dificuldades para suprir a demanda por professores(as), constataram pesquisadores(as) do Inep.
Mesmo na hipótese acima, faltariam docentes de Artes em 15 estados, de Física em cinco, de Sociologia em três, de Matemática, Língua Portuguesa, Língua Estrangeira e Geografia em um estado, aponta a pesquisadora Alvana Bof.
Além disso, o estudo avaliou se a quantidade de licenciados de 2019 a 2021 seria suficiente para suprir todas as docências que, em 2022, estão sendo ministradas por professores(as) sem formação adequada. Foi constatado que faltariam docentes de Artes em 18 estados, de Física em 16, de Língua Estrangeira em 15, Filosofia e Sociologia em 11, Matemática em 10, Biologia, Ciências e Geografia em 8, Língua Portuguesa em 5, História e Química em 2 e Educação Física em um estado.
“Os resultados indicam que já vivemos um apagão de professores em diferentes estados e disciplinas”, reitera Alvana Bof.
Vagas
O aumento da oferta de vagas em cursos de licenciatura não resolveria sozinho o problema da falta de professores(as). “Em 2021 o país teve 2,8 milhões de vagas disponíveis, das quais somente 300 mil foram preenchidas. Isso significa que 2,5 milhões de vagas ficaram ociosas, sendo grande parte no setor privado e na modalidade de ensino a distância”, observa o sociólogo do Inep Luiz Carlos Zalaf Caseiro.
Os números confirmam a impressão de que o desinteresse pela profissão é a principal questão a ser resolvida. “De 2014 a 2019, a taxa de ociosidade de licenciaturas em instituições públicas foi de cerca de 20%, enquanto em 2021 esse percentual subiu para 33%”, aponta Caseiro
A situação é mais grave em cursos de Licenciatura em Matemática, onde a ociosidade em instituições públicas no formato presencial chegou a 38% de vagas em 2021. Muitas vagas preenchidas são abandonadas antes do final do curso e apenas um terço dos(as) estudantes que finalizam as licenciaturas vai atuar na docência.
CNTE
As dificuldades da profissão, com baixa valorização social e profissional, afastam muitos jovens da carreira de professor(a), constata matéria publicada pelo site da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE).
O texto, baseado em pesquisa feita por uma plataforma de currículos online, aponta que ser professor é a segunda profissão mais desejada na infância, mas ao longo do tempo as pessoas vão fazendo outras escolhas profissionais.
A carreira no magistério é a segunda mais citada na pesquisa, com 17%, atrás apenas de Medicina, com 26%. “Ser professor(a) no nosso país é ser um militante social, comprometido com o próximo e com a transformação social, na busca de garantirmos que todas as pessoas vivam com dignidade”, diz Heleno Araújo, presidente da CNTE.
A pesquisa foi realizada em todas as regiões do país, com mil brasileiros(as) de diferentes idades, e buscou entender quais profissões essas pessoas sonhavam em seguir e quais atualmente exercem. Dos(as) entrevistados(as), apenas 23% realmente seguiram a profissão que queriam quando menores.
Segundo Araújo, a visão atual dos(as) jovens sobre a carreira é focada em ser uma profissão exigente, com muito trabalho e pouca remuneração, o que dificulta viver com dignidade. “Poucos jovens procuram a profissão de professor(a). A falta está acontecendo e a tendência é piorar nas próximas décadas”, alerta.